sexta-feira, 31 de janeiro de 2014

Pesquisa da Rede Nossa São Paulo

A 5ª edição do IRBEM(Índices de Referência de Bem-Estar no Município) divulgada dia 21 de janeiro de 2014, revela que de 0 a 10, os paulistanos deram nota 4,8 para a qualidade de vida na cidade.  O índice ficou abaixo da média de escala que é de nota 5,5.
O nível de insatisfação, no entanto, não significa que o paulistano só sabe reclamar da situação da cidade.
Hoje a maioria da população tem a consciência do que pode ser mudado.
Exemplos disso são os indicadores referentes à mobilidade urbana na pesquisa que ouviu 1.512 pessoas com idades a partir dos 16 anos, entre os dias 03 e 23 de dezembro de 2013.
O trânsito e a falta de mobilidade urbana são grandes motivos de insatisfação dos moradores da maior cidade da América Latina, recebendo nota 3,9, muito baixa.
De acordo com o levantamento da Rede Nossa São Paulo, em parceria com o Ibope, apesar de reclamar da pontualidade dos ônibus - que recebeu nota 4, e do tempo de espera nos pontos, com nota 3,9 -, o paulistano sabe que somente a prioridade ao transporte coletivo no espaço urbano e nas políticas públicas é que pode melhorar o "ir e vir” das pessoas e consequentemente a qualidade de vida na cidade.
Provas disso são os anseios por uma maior rede de metrô e mais espaços para o transporte público em geral, com soluções como os corredores de ônibus.
O tamanho da rede de metrô em São Paulo recebeu nota 4,9. Inferior aos 5,9 da primeira edição da pesquisa em 2009.
A prioridade dada ao transporte coletivo no sistema viário ganhou nota 4,1, a segunda pior da série histórica da pesquisa.
Isso demonstra a consciência do paulistano para que os investimentos em transportes públicos sejam rápidos e façam parte das políticas públicas da cidade e não apenas se resumam a ações pontuais.
De acordo com especialistas em mobilidade urbana, uma rede de metrô conjugada com um sistema amplo de corredores e faixas de ônibus faz com que as diferentes demandas em cada região da cidade sejam atendidas de maneira adequada e acima de tudo, respeitando o dinheiro público e a capacidade de investimentos da cidade.
O tempo de deslocamento em São Paulo é um dos aspectos que receberam uma das menores notas no item mobilidade: 3,7.
Este tempo não é satisfatório pelo excesso de veículos que fazem a cidade literalmente parar em alguns eixos, como as marginais dos rios Pinheiros e Tietê, Radial Leste, Estrada do M’ Boi Mirim e o Corredor Norte/Sul.
E o poder público precisa de fato agilizar as ações em prol da prioridade ao transporte público, uma das principais maneiras para enfrentar o problema.  As soluções para diminuir o trânsito na cidade receberam a pior nota na pesquisa desde 2009: 3,8. Ou seja, estas soluções não são tomadas na quantidade e no perfil necessários para São Paulo.
Outro aspecto dentro da mobilidade urbana é em relação aos ônibus fretados. Parte da população que não usaria num primeiro momento o transporte público optaria por este meio de deslocamento.
A restrição aos ônibus fretados não agrada a população. A medida recebeu também a pior nota da série histórica: 4,0.
Hoje o cidadão tem consciência que mobilidade urbana é muito mais que transporte de pessoas, mas é garantir a qualidade de vida.
Os congestionamentos em São Paulo geram custos anuais na ordem de R$ 50 bilhões de acordo com estudo realizado pelo economista Marcos Cintra, da Fundação Getúlio Vargas.
É dinheiro gasto em infraestrutura para receber um número cada vez maior de veículos, perdido pela falta de produtividade de trabalhadores e empresas, custos com combustíveis queimando à toa nos congestionamentos e na área da saúde. De acordo com o professor e médico Paulo Saldiva, em estudo pelo instituto de poluição atmosférica da USP – Universidade de São Paulo, aproximadamente quatro mil pessoas morrem na cidade por ano por problemas de saúde gerados ou agravados pela poluição atmosférica.
Hoje na cidade, o excesso de veículos representa 80% das emissões de poluentes no ar.
Além do dinheiro e da saúde, as pessoas perdem o prazer com a vida por causa da falta de mobilidade urbana.
Em vez de estarem presos nos congestionamentos, os cidadãos poderiam fazer um curso para aumentarem as oportunidades de crescimento, poderiam estar com a família, praticando esportes, se divertindo ou descansando. Não é exagero, mas muitas pessoas na cidade perdem horas de sono por causa do tempo de deslocamento ampliado pelo excesso de veículos.
Mais uma vez a população dá o recado.
É claro que muitos dos que pedem mais mobilidade ainda têm a cultura do deslocamento pelo transporte individual, mas quando estas pessoas verem quando os sistemas de transportes públicos se tornarem mais vantajosos, a cultura vai aos poucos se transformando.
Mas é hora de agir de maneira mais intensa.
Adamo Bazani, jornalista da Rádio CBN, especializado em transportes.

Cidade, nem sempre foi assim, pelo sociólogo Eduardo Vasconcellos, consultor da ANTP

"Nossa sociedade é muito desigual. Os pobres só podem viver na periferia porque é muito mais barato e o único que podem se permitir" - sociólogo Eduardo Vasconcellos, consultor da ANTP
Neste sábado São Paulo completou 460 anos. Os principais jornais trouxeram extensas matérias sobre a metrópole, a maior parte delas destacando os graves problemas que a população enfrenta diuturnamente. Na extensa relação de atribulações, o destaque ficou para a grave situação da (i)mobilidade urbana.
Na semana do aniversário da capital paulista, o Rio de Janeiro viveu um dia de caos: o descarrilamento de um trem da SuperVias prejudicou todos os ramais  e paralisou o sistema por até 13 horas. Problemas semelhantes em cidades distintas apenas comprovam que a construção da maioria das cidades brasileiras possui muitos erros comuns.
Em brilhante artigo no caderno Aliás, d'O Estado de SP, o sociólogo José de Souza Martins ensina: "Com muita facilidade e sem muito critério, se fala hoje em cidade e metrópole no Brasil para lamentar o que não temos e o que não somos. Amontoamento de prédios não faz uma cidade. Cidade é um modo de vida em que o redesenho e a racionalização do espaço deve tornar a vida mais fácil, mais simples. Deve agregar qualidade à existência, rapidez, conforto, bem-estar, alegria."
Parece óbvio que antes de se pensar em soluções específicas para o caos da (i)mobilidade urbana, é preciso que as autoridades públicas entendam a história do problema vivido, resultante de várias escolhas erradas feitas por sucessivos governos e sociedades. A não compreensão da história de construção de nossas cidades tem levado seguidas administrações à repetição de velhos e conhecidos equívocos, e por conseguinte ao aumento da piora da vida urbana. José de Souza Martins, no artigo citado, escreve: "... a cidade apenas incha, derrotada nas insuficiências. Tudo aqui é insuficiente. Quanto mais metrô se faz, mais insuficiente o metrô fica. (...) Estamos no reinado de Alice do outro lado do espelho: quanto mais andava, mais distante ficava. Chegamos, finalmente, à lógica dos avessos. Nem o povo é inocente nessa história. Uma cidade que reclama da falta de transporte e queima ônibus todos os dias é uma cidade louca."
Em artigo recente no jornal Valor Econômico, o economista André Lara Resende colocou o dedo numa das feridas mais graves: a indústria automobilística é a que mais gera gasto público. O raciocínio é lapidar e deveria ser visível a olho nu, não estivesse a sociedade ainda crédula que há saída possível para o uso do carro como o principal meio de transporte nas grandes cidades. Carro novo vendido, antes de empregos e PIB, obriga o governo a usar recursos para fazer ruas, pontes, viadutos, um gasto absurdo que deveria ser revertido para o transporte público, melhorando a vida das pessoas e das cidades.
O trágico é ver que nossas cidades nem sempre foram assim. Mas mais trágico ainda é perceber que construímos com nossas escolhas uma cidade especulativamente mais rica e socialmente mais pobre, como assinala o sociólogo José de Souza Martins.  

quinta-feira, 30 de janeiro de 2014

Dilma vetou o projeto de lei de faixa de pedestre obrigatória em escola

A presidente Dilma Rousseff vetou, integralmente, projeto de lei aprovado pelo Congresso que tornava obrigatória a pintura de faixas de pedestres no raio de um quilômetro em torno de escolas públicas e privadas situadas em área urbana. O projeto previa também a construção de passarelas ou passagens subterrâneas para dar mais segurança a alunos e demais pedestres que circulam nas proximidades das escolas.

Para justificar o veto, Dilma disse que o texto não trazia "a consideração de critérios técnicos, nem das necessidades concretas para sua implementação", "não levava em conta a vontade da população envolvida" e "impõe gastos ao poder local". O senador Randolfe Rodrigues (PSOL-AP) criticou a decisão dela e avisou que se mobilizará no Congresso para derrubar o veto, que considerou "absurdo".

"Este veto mostra que o governo está alheio a qualquer iniciativa de apoio aos municípios, em casos de mobilidade urbana", disse. "A política de mobilidade urbana foi um dos reclames da população que saiu às ruas no mês de junho", insistiu, ao afirmar que a administração federal, em vez de apoiar uma iniciativa do Legislativo atendendo aos apelos da população, "lamentavelmente, prefere responder com o veto".
Rodrigues acrescentou ainda que a justificativa de que o texto não levava em conta "critérios técnicos" é "descabida" porque projetos não entram em detalhes sobre isso, que cabe às regulamentações de matérias. O veto deverá ser apreciado pelo Congresso ainda em dezembro e os parlamentares podem derrubá-lo ou mantê-lo.

A necessidade de serem pintadas faixas de pedestre no entorno das escolas seria incluída no Código de Trânsito Brasileiro (CTB). O veto foi baseado em sugestões dos Ministérios das Cidades e da Fazenda. Na justificativa, Dilma afirma que "da forma ampla como redigida, a proposta não prevê a consideração de critérios técnicos, nem das necessidades concretas para sua implementação". "Além disso, por um lado, não leva em conta a vontade da população envolvida e, por outro, impõe gastos ao poder local, que não poderá decidir quanto à conveniência da alocação dos recursos do orçamento municipal destinados à sinalização de trânsito."

Tânia Monteiro - O Estado de S. Paulo

Menos cidades elevam tarifa de ônibus no início de 2014, no Valor Econômico

Pressionados pelas manifestações de junho e a proximidade do período eleitoral, os prefeitos estão mais relutantes em reajustar as tarifas de ônibus, mostra levantamento da Associação Nacional das Empresas de Transportes Urbanos (NTU) feito a pedido do Valor. Caiu pela metade o número de cidades que reajustaram o preço das passagens neste início de ano, em comparação com 2013, e houve mudança no perfil desses municípios -os aumentos se concentraram nas cidades menores.


O resultado pode dar uma folga para a inflação este ano, mas empresários e prefeitos alertam para piora na qualidade do serviço, com a contenção de planos de renovação de frota, ou para um aperto ainda maior na capacidade de investimento das cidades, se a opção for subsidiar o sistema.
Segundo estudo da NTU, feito com base nos dados de 174 cidades de grande, médio e pequeno porte, houve reajuste de tarifas em 13 municípios - com população total de 2,6 milhões de habitantes -entre o início de dezembro e 15 de janeiro deste ano. Dessas cidades, apenas uma - Boa Vista (Roraima) - é capital. Também aumentaram as tarifas dos ônibus intermunicipais das regiões metropolitanas do Rio de Janeiro e de Salvador.
O cenário foi diferente do verificado entre dezembro de 2012 a 15 de janeiro de 2013 (todos os reajustes de janeiro se concentraram nas duas primeiras semanas do mês). Nesse período ocorreram acréscimos nas tarifas de 27 cidades, com população de 12,9 milhões. Foram cinco capitais - Belo Horizonte, Recife, Fortaleza, João Pessoa e Cuiabá. O governo federal pediu para Rio e São Paulo segurarem o aumento de janeiro até junho para não pressionar a inflação.
Houve ainda aumento no preço da passagem intermunicipal em cinco regiões metropolitanas: Belo Horizonte, Fortaleza, Recife, Rio de Janeiro e Cuiabá. Com exceção dessa última, todas são usadas pelo IBGE como base para calcular o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA).
Na opinião do professor de Administração Pública da Faculdade Getúlio Vargas (FGV), Marco Antônio Carvalho Teixeira, o congelamento das tarifas deve se manter este ano por causa das eleições e da Copa do Mundo. "Sobretudo nas capitais e grandes cidades, os prefeitos vão calcular muito bem antes de dar reajustes", afirma. "O desgaste político foi grande e há receio de novos protestos, em especial nas cidades-sede da Copa, onde já são esperados protestos."
A manutenção das tarifas preocupa os empresários. "Não tem como não haver reajuste, porque é preciso fazer a recomposição de preços. O diesel subiu 18% no ano passado, o custo da mão de obra cresce em média 8% a 9% ao ano e as tarifas ficaram praticamente congeladas em 2013", afirma o presidente-executivo da NTU, Otávio da Cunha.
A maioria dos prefeitos recuou do reajuste depois que milhares de pessoas foram às ruas reclamar do aumento das passagens e da má qualidade do transporte público. Segundo a NTU, 15 capitais, 70 cidades e nove regiões metropolitanas reduziram o valor da tarifa ou revogaram os aumentos logo após os protestos. Ao todo, 94 cidades, das 174 pesquisadas pela associação, tinham promovido reajustes em 2013.
O corte médio foi de 5% nas capitais e de 4,9% nas demais cidades. A desoneração de PIS e Cofins sobre o faturamento das empresas, feita pelo governo pouco antes de começarem as manifestações, aliviou o custo do setor em 3,65%. Parte da redução, portanto, foi suportada pelas empresas ou subsidiada pela prefeitura - caso, por exemplo, da cidade de São Paulo, que teve que elevar a subvenção em R$ 175 milhões só em 2013.
Para o presidente-executivo da NTU, manter as tarifas congeladas por mais um ano, sem que as prefeituras aumentem a subvenção ao sistema, trará prejuízos aos próprios usuários. "Projetos de renovação de frota, instalação de GPS e criação de faixas de ônibus exclusivas serão abortados", afirma. A entidade estima ainda que podem ocorrer mais greves de funcionários, dada a limitação para conceder reajustes salariais - as datas-base vão até maio.
Nas cidades onde há contratos regulares, feitos após licitação, empresas que prestam os serviços de transporte público estão entrando na Justiça para garantir o reajuste das tarifas ou aumento da subvenção. Já há registros desse tipo de ação no Rio, Goiânia e Cuiabá. "Quando o Superior Tribunal de Justiça [STJ] julgava esses casos, dizia que o reajuste não era devido, porque o contrato era emergencial, ou por chamada pública, e que, se a empresa não estivesse satisfeita, que desistisse do serviço", diz Cunha. "Com o aumento dos contratos por licitação, isso deve mudar."
Prefeitos querem subsídio federal para evitar aumento
Com o orçamento reduzido e a capacidade de investimentos comprometida, prefeitos cobram do governo federal uma solução para evitar o aumento das passagens de ônibus este ano. O discurso geral é de que as cidades não têm recursos disponíveis para custear o sistema e que o congelamento das passagens vai piorar ainda mais a qualidade de um serviço que já é criticado pela população.
"Não tem saída. As cidades não têm dinheiro e as empresas já tiveram que arcar com a redução no ano passado. Ou o governo federal dá subsídio, ou os prefeitos não vão ter como fugir do aumento", afirma o presidente da Confederação Nacional de Municípios (CNM), Paulo Ziulkoski (PMDB).
Segundo Ziulkoski, quem mais está perdendo com o congelamento das tarifas são as empresas de ônibus, por causa dos contratos precários, mas não há como manter isso por muito tempo. "Essa situação preocupa os prefeitos há anos. Os empresários têm custos crescentes e não há como segurar o reajuste por muito tempo", diz.
A pressão vem até da Frente Nacional dos Prefeitos (FNP), controlada por aliados do Palácio do Planalto. No informativo distribuído este mês, a FNP diz que o aumento das passagens é "uma necessidade". "Não há dúvidas de que a situação da mobilidade urbana no país precisa ser tratada por todas as esferas de governo e não apenas pelos municípios, como se o problema fosse apenas local", diz.
O texto critica ainda a "política econômica dos últimos anos" que "favoreceu a aquisição de carros". "Se de um lado, a economia exigia uma atitude agressiva, de outro, os governantes locais ficaram com a conta dos engarrafamentos em seus municípios."
O governo, porém, não dá sinais de estar disposto a ajudar mais os municípios. A presidente Dilma Rousseff zerou a cobrança de PIS e Cofins sobre o faturamento do setor em 2013 e chegou a estimular que o Congresso Nacional aprovasse o Regime Especial de Incentivos para o Transporte Coletivo Urbano e Metropolitano de Passageiros (Reitup), com mais desonerações, mas depois retirou o apoio.
A FNP defende a aprovação do Reitup para aliviar as contas no próximo ano e a destinação da Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico (Cide) sobre a gasolina - hoje zerada - para custear o transporte coletivo. Já Ziulkoski diz que Reitup é uma solução passageira. "É como dar esmola para mendigo. Você resolve o problema hoje, mas amanhã ele vai precisar de mais dinheiro para almoçar."
A discussão deve movimentar os prefeitos este ano, fortes cabos eleitorais nas eleições nacional e estaduais. Também deve mobilizar Estados com participação nos transportes urbanos, como São Paulo, onde o governador Geraldo Alckmin (PSDB), candidato à reeleição, congelou a tarifa de metrô e trem até dezembro, segundo fontes. O governo negou, em nota, já existir decisão sobre isso.

O MDT combate a carrodependência

Quem possui um carro passa a não enxergar nenhum outro horizonte de mobilidade urbana.
Do outro lado, vultuosos montantes envolvidos na construção e manutenção de tudo que os carros precisam para rodar (ruas, pontes, avenidas, combustível, pneus, autopeças, estacionamentos…) e quase 100 anos de técnicas de planejamento urbano e de políticas públicas voltados para atender o fluxo sempre crescente de automóveis deixaram o poder público amarrado ao problema, sem enxergar nem conseguir agir em favor das alternativas (a não ser quando a saturação de carros começa a ser um problema para os próprios carros).
Somado a estes elementos, interesses privados monumentais sustentam e estimulam o desperdício e o individualismo associados ao automóvel, em uma indústria responsável por boa parte do dinheiro em circulação no planeta (junto com as indústrias da guerra e do tráfico de drogas).
A epidemia mundial de cidades degradadas pela presença marcante do automóvel se alimenta desta tríade: indivíduos dependentes, iniciativas privadas altamente lucrativas e poder público inerte e/ou interessado no estímulo ao automóvel.

A proposta do MDT é, em primeiro lugar, experimentar outras formas de deslocamento e deixar o carro em casa. 

Vivenciar a cidade, seus problemas e belezas de maneira não-mediada é um remédio surpreendente para a carrodependência,  um antídoto para a degradação do tecido social, podendo inclusive resultar em transformações coletivas maiores e inesperadas.

Além disso, nossa proposta é que tenhamos  uma reflexão sobre o impacto do automóvel nas cidades e sobre a carrodependência urbana.
Este é o momento de exigir condições de deslocamento dignas para quem não se desloca de automóvel ou deseja viajar de transporte público ou de bicicleta.

Cristina Baddini Lucas - Assessora do MDT

quarta-feira, 29 de janeiro de 2014

Curso de Mobilidade Urbana em Macapá - AP

Nazareno Affonso, coordenador do curso do MDT
O MDT promoveu em abril de 2010 o seu primeiro curso piloto de formação baseado na publicação Mobilidade Urbana e Inclusão Social, editada em 2009. A seguir foram feitos mais dois cursos em Goiânia e no ABC Paulista.

Já estamos nos preparamos para o quarto curso, que deverá ocorrer em Macapá, com os delegados do  Congresso do Povo.

O curso Mobilidade Urbana e Inclusão Social, é para subsidiar a atuação das lideranças participantes.  

Depois de uma parte expositiva sobre o conteúdo da publicação Mobilidade Urbana e Inclusão Social, com intervenções e opiniões dos participantes, a turma será dividida em três grupos, cada qual escolhendo um ‘candidato a prefeito’ e os outros atuando como ‘lideranças políticas e técnicas’ no papel de membros da equipe de campanha, todos encarregados de criar uma cidade fictícia, elaborar um diagnóstico a partir da situação de sua cidade e, finalmente, elaborar um plano de governo com propostas de mobilidade sustentável, que viesse a alterar significativamente quadro de crise apresentado.

Os cursos do MDT são um grande passo de um amplo projeto de formação e sensibilização da sociedade para a questão da importância mobilidade urbana, cujo público alvo são os movimentos sociais no Brasil. 

Mobilidade X Cidade

De acordo com o MDT, o setor de transporte é responsável por cerca de 1/4 das emissões dos chamados Gases do Efeito Estufa – GEE, na maior parte devido ao grande crescimento da frota de carros, motos e caminhões. Um crescimento de 45% de 1990 a 2007. Sabemos que a forma como transportamos mercadorias e a nós próprios tem um impacto considerável ao meio ambiente: quer seja na emissão dos GEE, na construção de rodovias e na urbanização não planejada que este processo acarreta.As condições de Mobilidade Urbana são precárias no país: recebem insuficiente atenção do Poder Público.
O Império do Automóvel


No Brasil: a malha rodoviária recebeu grandes incentivos a partir da década de 50, o que possibilitou o seu rápido crescimento, principalmente devido a inserção da indústria automobilística no país. Os recursos são conduzidos dentro de uma lógica perversa, centrada no favorecimento à fluidez do transporte individual motorizado, como fosse possível a todos os  cidadãos possuirem um veículo, e que todos esses automóveis e motos conseguissem trafegar livremente pelas vias urbanas sem gerar crises de falta de espaço e poluição nas cidades . Na última crise, o Governo Federal optou pela baixa nos preços dos automóveis para salvar a economia do país. O país possui uma frota de mais de 61 milhões de veículos e este número cresce a cada dia.
Quanto o automóvel custa para a cidade?


A falta de planejamento urbano é também um agravante à sustentabilidade urbana: há um crescimento que não considera condições básicas à vivência, e muito menos, a sustentabilidade. 80% da população brasileira vivem em áreas urbanas. Ou seja, é urgente criarmos condições para um equilíbrio entre moradia, transporte, circulação de carros e pedestres, manutenção de áreas verdes.
Prioridade ao uso das vias ao automóvel
A prioridade deve ser do coletivo

É necessário mudar esta realidade. A Mobilidade Urbana pode ser inclusiva, sustentável  social e ambientalmente. Sua gestão pode e deve ser compartilhada, participativa e democrática, integrada às demais políticas de desenvolvimento urbano.

Para isto é necessário ampliar atuação organizada da sociedade em torno da Mobilidade Urbana Sustentável e disseminar os conceitos bases e discutir soluções eficazes e duradouras de modo a contribuir para a construção de uma pauta unificada dos movimentos sociais e entidades que atuam nas políticas urbanas.

São muitos os desafios.

Ai vão algumas recomendações do MDT para a gestão urbana adequada:


Priorizar o andar a pé: é preciso garantir espaços seguros, desobstruídos e de qualidade aos pedestres;
Andar a pé

Incentivar a utilização dos modos não poluentes: deve-se criar condições ao uso de transportes não poluentes, como a criação de ciclovias e ciclofaixas;
Andar de Bicicleta

Priorizar o Transporte Público Coletivo: oferecer transporte público de qualidade, que supra as necessidades dos cidadãos;
Prioridade no uso de vias

Controle de tráfego: criar restrinções a carros e motos;
Dia sem Carro em BH

Integração: é preciso integrar pessoas e construções, possibilitando lazer, trabalho e outras atividades em espaços próximos;

Preencher espaços: com o preenchimento de espaços vazios, como terrenos baldios, possibilita essa integração, tornando as atividades possíveis a pé, por exemplo;

> Preservação dos bens: preservar a diversidade sociocultural, os ambientes e belezas naturais da cidade;

Diminuir distâncias: criar conexões entre lugares, possibilitando caminhos diretos e livres; Focar a Gestão na Paz no Trânsito; 

Segurança para as pessoas

Implantar a Inspeção Veicular obrigatória, ambiental e de segurança. 
Reduçao dos impactos ambientais

Fonte: Cartilha do MDT

Transporte coletivo sem prioridade, por Carlos Batinga


O aumento autorizado pelo governo em dezembro último, nos preços dos combustíveis, mostra claramente que a prioridade para o transporte coletivo não passa de discurso, pois em 2013 o diesel teve aumento de 5% em janeiro, 5,4% em março que acrescidos dos 8% no primeiro dia de dezembro, acumulou 19,52% no ano, enquanto a gasolina foi reajustada em  apenas 4%.
O Governo Federal, além de subsidiar o preço da gasolina e a aquisição de veículo para transporte individual, deixa bem claro que a política equivocada de incentivo ao transporte individual continua a todo vapor. A construção de novas fábricas de automóveis e a ampliação de outras, que já projetam para um futuro próximo um salto na produção dos atuais 3,5 milhões para 5 milhões de veículos/ano, sinalizam que não existe perspectiva de mudanças tão cedo na atual política de incentivo ao uso do automóvel.
Enquanto isso os bilhões de reais prometidos para investimentos na mobilidade urbana das grandes e médias cidades brasileiras, só apresentam agilidade nos discursos do governo. De verdadeiro mesmo muito pouco foi investido em projetos e obras, e praticamente nada na estruturação da gestão local e regional dos serviços de transporte e trânsito. O que  a população tem sentido mesmo é a qualidade de vida cada vez mais comprometida pelo verdadeiro caos em que se transformou o trânsito em todo o país, onde os deslocamentos cotidianos se tornaram verdadeiras "via crucis”.
O que podemos projetar com mais segurança é que a qualidade dos serviços de transporte público vão continuar piorando, devido principalmente à insegurança regulatória que se instalou no País, onde os contratos de concessão dos serviços de transporte de passageiros, mesmos os licitados recentemente, não estão sendo cumpridos pelo poder público e o equilíbrio econômico/financeiro garantidos até pela Constituição Federal, deixaram de ser respeitados. Assim as empresas operadoras de transporte suspenderam a renovação da frota e a indústria de carroceria  de ônibus apresentou uma queda de produção de 30% em 2013 comparado com 2012, cujos reflexos serão sentidos neste e nos próximos anos, com uma frota cada vez mais velha nas ruas.
Para se chegar a uma solução para o grave problema que estamos enfrentando na mobilidade urbana, torna-se indispensável investir em pesquisa e no planejamento das ações, na elaboração de projetos  que priorizem o transporte coletivo e os modos a pé e não motorizados, na execução eficiente das obras de infra-estrutura  e finalmente  estruturar uma boa gestão operacional, com capacitação de pessoal e utilização de tecnologia para fiscalizar e monitorar o serviço. Infelizmente o governo, em sua miopia crônica, insiste em não ver este caminho tão simples, preferindo os discursos e as promessas de cunho eminentemente eleitoreiros, deixando ao largo os compromissos com o desenvolvimento, qualidade de vida e justiça social.  
Carlos Batinga Chaves - Engº Civil especialista em transportes e membro do conselho da ANTP
no Ponto de Vista da ANTP

quarta-feira, 22 de janeiro de 2014

Transporte com tarifa acessível, por Otávio Cunha


Durante as manifestações de junho, a população essencialmente exigiu transporte público de qualidade a um preço acessível. Trata-se de uma reivindicação que combina dois aspectos que, na realidade brasileira, têm se mostrado incongruentes, inconciliáveis. Isso porque, durante toda a história do transporte público por ônibus no País, tem vigorado uma regra básica: a tarifa deve cobrir todos os custos. Ao longo de décadas, esse princípio fundamental acabou limitando a qualidade dos serviços por ônibus, justamente porque a qualidade deveria ser compatível com o preço que a maior parte da população pode efetivamente pagar.
As reivindicações por mais qualidade e menores preços no transporte público continuarão acontecendo e é bem provável que ganhem intensidade em futuro próximo. Elas são produto da evolução social da população brasileira, sobretudo nos últimos anos. É natural que, na medida em que as pessoas subam na escala social, exijam serviços de melhor qualidade. Assim, o impasse entre custo da tarifa e qualidade dos serviços de transporte é uma questão que precisa ser enfrentada pelas lideranças políticas e pela sociedade.
No setor de transporte público, como em quase todos os outros segmentos da economia, agregar mais qualidade normalmente implica agregar também mais custos. Mas os custos adicionais não podem ser simplesmente repassados para a tarifa, sob o risco de esta não poder ser paga pela maior parte da população. Uma das maneiras de resolver essa equação está em adotar a subvenção pública.
E que não se pense que essa seja uma solução típica de países menos desenvolvidos. Normalmente, nações de economia avantajada entendem o transporte público como fator de desenvolvimento econômico e de inclusão social, e há muito tempo, democraticamente, decidiram que os custos dessa atividade deveriam ser, em boa medida, financiados com recursos públicos.
Em cidades importantes da Europa, o usuário paga menos de 50% do custo da tarifa. De acordo com o mais recente levantamento da associação de autoridades metropolitanas de transporte daquele continente, em Berlin, Alemanha, e em Barcelona, Espanha, o usuário paga 46% do custo da passagem; em Paris, França, 40%; em Turim, Itália, 32% e na charmosa cidade de Praga, na República Checa, 26%.
Durante todo o processo de discussão do projeto que redundou na aprovação da Lei de Mobilidade Urbana – a Lei 12.587, de 2012 – essa questão foi levada em conta e o texto final trouxe um caminho: exatamente a possibilidade de separação entre a tarifa a ser paga pelo usuário e o valor da remuneração do operador do transporte. Se a tarifa desejável não puder cobrir os custos da qualidade requerida, é possível empregar-se a subvenção, com recursos do orçamento ou de fundos específicos.
Com esse caminho, estabelece-se uma situação na qual a sociedade, em cada localidade, poderá decidir o nível de qualidade e o patamar da tarifa. E poderá decidir também de onde retirar os recursos para subvenção. Uma alternativa utilizada em alguns países e que vem sendo proposta também no Brasil é o estabelecimento de uma taxação sobre os combustíveis do transporte individual.
Apenas recentemente tivemos as primeiras experiências brasileiras de subvenção do transporte público por ônibus, mas, até agora, sem regras duradouras. Começou por São Paulo, na primeira metade da última década. Hoje, algumas outras cidades – entre as quais Rio de Janeiro, Brasília, Cuiabá e Campo Grande – subvencionam o transporte público urbano, assumindo assim uma pequena parte dos custos, o que alivia um pouco o peso da tarifa para o usuário comum.
As operadoras do transporte público também estão conscientes de que o impasse entre custo e tarifa deva ser resolvido pela via da subvenção. Porém, entendem que essa solução deva ser adotada por meio de instrumentos que ofereçam às empresas total segurança jurídica de que o modelo de financiamento da operação terá sequência ao longo de todo o contrato de concessão, independentemente das naturais trocas no comando da gestão pública. E é preciso salientar que, neste caso, a garantia às empresas é também uma garantia de que a população terá ao longo do tempo estabilidade na tarifa e a manutenção dos níveis de qualidade nos serviços de transporte.

Otávio Cunha é membro do MDT e do Conselho Diretor da Associação Nacional de Transportes Públicos (ANTP) e presidente executivo da Associação Nacional das Empresas de Transportes Urbanos (NTU)



segunda-feira, 20 de janeiro de 2014

Não se iludam: não há solução na engenharia de tráfego para tantos automóveis em circulação, por Luiz Carlos Mantovani Néspoli

O que é um congestionamento? Na percepção popular, aliás, intuitiva, o trânsito está congestionado quando a velocidade é forçosamente baixa, os veículos estão muito próximos uns dos outros e pode acontecer de não se conseguir atravessar um cruzamento antes do sinal abrir pelo menos duas vezes.
Na linguagem técnica, trânsito congestionado significa nível F de serviço, índice que mede a densidade de ocupação (quantidade de veículos em circulação em um trecho da via). Nestas condições, a velocidade não chega a 25% da velocidade permitida para condições normais do tráfego. Os níveis de serviço vão de A (via totalmente livre) a (via congestionada), em que um nível D é razoavelmente confortável e o nível E é a capacidade da via.
O congestionamento pode ser eventual ou crônico. Eventual, quando algum acontecimento imprevisto ocorre, como um acidente, um carro quebrado ou um alagamento. Mas, mesmo assim, só se chegará ao nível de serviço se a obstrução da via for total ou se anteriormente ao evento ela já houvesse atingido um volume expressivo de veículos. São Paulo é um caso típico de cidade sujeita a situações eventuais, em razão do volume de tráfego nos horários de pico e da frequente proximidade da instabilidade.
Há trechos de vias, nas grandes cidades brasileiras, em que o congestionamento já é crônico, ou seja, tem hora e local para acontecer. A maioria delas tem um sistema viário radial concêntrico, com importantes eixos viários que se dirigem para a área central da cidade, onde se concentra o maior movimento. É nessas vias radiais, mas também nas que nela desembocam e nas outras poucas vias perimetrais, que a densidade de tráfego aumenta em determinados horários (pico) e o nível de serviço pode chegar ao nível E, e até mesmo ao nível F.
A maneira como São Paulo decidiu observar o impacto do congestionamento foi através da utilização de um indicador conhecido como "lentidão”, medido em quilômetros de ocupação da via. Para se calcular o indicador e se fazer comparações ao longo do tempo, elegeu-se um conjunto de vias sobre as quais são feitas medições. Resultados colhidos ao longo de anos indicam índices variando de 140 a 200 km de lentidão no pico do pico, podendo chegar a valores maiores sempre que uma alteração importante é adicionada ao tráfego cotidiano, como no último feriado de 15 de Novembro, em que o valor chegou à marca histórica de 309 km.
Nessas condições, há solução na engenharia de tráfego? Não se iludam, não há. Explico.
Mantendo-se o volume de automóveis na rua (o que deve crescer se a política de estímulo e incentivos continuar), a solução viria pela construção de novas vias ou do alargamento das atuais. Nenhuma dessas medidas é possível na cidade de São Paulo. A "lentidão” ocorre nos principais eixos viários, os quais são os mais adensados da cidade, o que implicaria em custos elevadíssimos (e proibitivos) de desapropriações, somados a custos elevados de construção (remoção de equipamentos em subsolo, drenagem, calçadas, pavimento, etc.), sem falar dos efeitos políticos negativos da medida.
Há quem ainda imagina melhorar a fluidez com a modernização do parque tecnológico dos equipamentos de controle semafórico. De fato, a implantação de sistema de semáforos inteligentes, controlando vários cruzamentos em malhas viárias cada vez mais extensas, permite um melhor escoamento de tráfego, e isso deve ser feito. Mas nas vias em que o nível de serviço (densidade de tráfego) encontra-se acima de certos limites, nos níveis E e F, a sincronização dos semáforos em cruzamentos pouca ajuda produz. Veja-se o caso das ondas verdes (semáforos que abrem progressivamente ao longo da via) e verifique se quando há congestionamento elas são de alguma utilidade.
Outra solução imaginada, e implantada em algumas vias, é o aumento do número de faixas de tráfego, à custa da redução da largura daqueles existentes, que ganhou o nome técnico de MUV – Máxima Utilização da Via. Isso foi feito em algumas avenidas, dentre as quais, na Avenida 23 de Maio, que passou de quatro para cinco faixas em alguns trechos. O resultado desta aplicação para a redução do congestionamento foi pífio. Nos dias seguintes ao da implantação, a faixa adicional já estava congestionada também. Há o exemplo também da ampliação das marginais do Rio Tietê, com o acréscimo de seis novas faixas, que se congestionam, ao lado das antigas, todas as manhãs e tardes.
Quando a sociedade está distraída, o aumento do número de faixas se dá pela redução da largura das calçadas, que já chegaram em alguns corredores a um metro de largura, e já se vê situações com apenas meio metro, como na Radial Leste. Isso, além de não resolver o congestionamento, vai contra a Lei da Mobilidade Urbana e aumenta o risco de atropelamento.
Um derradeiro recurso é o de criar rotas internas aos bairros, como se fossem "pontes de safena” para abrigar o tráfego excedente dos eixos viários principais, levando congestionamento, barulho e risco de atropelamento para áreas tipicamente residenciais. O congestionamento, a história tem demonstrado, se espalha a partir do corredor principal para as suas margens, à semelhança das enchentes que se dão às margens de rios e córregos durante grandes tempestades.
Em desnível, nem pensar. Soluções por vias elevadas têm altos custos e, sobretudo, provocam a deterioração nos bairros transpassados por estes mostrengos. Vias subterrâneas costumam ligar um congestionamento a outro, quando não geram seus próprios engarrafamentos.
Se há ainda quem sonha (ou imagina) que a solução para a mobilidade urbana será possível com mais esforço e investimento para comportar o volume crescente de tráfego de automóveis, pelas razões já expostas, pode ir tirando o cavalinho da chuva. Não há solução para a divisão modal como a existente hoje e insistir nessa direção, para não dizer o menos, é pura burrice, por mais influência que tenha a indústria automobilística sobre governos e mídia. O setor tem vendido carros como solução para o cidadão escapar dos sistemas precários de transporte coletivo e, sem cerimônia, quer chegar cada vez mais à classe C, por meio de redução de preços (a custa de redução de impostos) e do alargamento do crédito. Não tardará (e já há sinais disso, é só lembrar o índice de lentidão de mais de 300 km recentemente observado), e a classe C, ao lado das mais ricas, estará não apenas empenhando recursos financeiros que não possui, como estará perdendo o mesmo tempo que antes perdia no trânsito.
Se não há solução na engenharia de tráfego, de onde virá solução? Apenas, e tão somente, se houver uma nova divisão modal, ou seja, parte das viagens de automóveis migrarem para o transporte coletivo.
O sonho dourado da indústria automobilística, da classe média e da mídia é a construção de metrôs. Claro, eles andam por baixo da terra e não incomodam o trânsito de automóveis e, alem disso, são sistemas de transporte com qualidade ainda muito acima à dos ônibus. 
O metrô é indispensável, sim, em São Paulo e em outras cidades brasileiras, onde o volume de demanda é compatível com essa tecnologia e justifica os altos investimentos, mas desde que metrô e ônibus constituam uma rede estrutural integrada. Em qualquer hipótese, a demanda a ser transportada na superfície da cidade não deixará de prescindir de um sistema de ônibus de qualidade.
Não seria mais inteligente se a indústria automobilística apoiasse medidas de governo que geram mais recursos para o transporte coletivo? Ou ainda, investir diretamente na melhoria do transporte coletivo e continuar vendendo carros, que é um desejo legítimo das pessoas, mas com outro apelo de vendas? Seria... mas, em vez disso, lamentavelmente, preferem pressionar o governo para reduzir juros, enquanto a FIESP resolve bater, por exemplo, na revisão dos valores do IPTU, cujos recursos adicionais poderiam ser empregados na melhoria da mobilidade.
Cabe ainda questionar: não seria mais inteligente se a mídia incentivasse as medidas que estão dando prioridade aos ônibus e analisasse os problemas atuais como próprios de uma etapa de transição, absolutamente necessária, já que melhorias no transporte coletivo precisam de tempo? Seria... mas, cada vez mais, tratam as medidas implantadas em São Paulo como demagógicas.
Se perguntado a um motorista se ele migraria para o transporte coletivo, grande parte deles, como já indicaram várias pesquisas, diria que sim, caso houvesse melhoria nos ônibus. Mas, se perguntado a eles (pergunta que não foi feita) se abririam mão de uma faixa de tráfego para que a melhoria de fato ocorresse, certamente responderiam que não. Logo, assim como não se faz omelete sem quebrar ovos, cabe ao governo quebrar este círculo vicioso, o que vem sendo feito, sabendo-se que as medidas de melhoria devem ir muito além da reserva de espaço na via, única medida visível implantada até agora.
 Luiz Carlos Mantovani Néspoli (Branco) é superintendente da ANTP
Ponto de Vista, ANTP

domingo, 19 de janeiro de 2014

Pontos indicarão intervalos de ônibus em São Paulo



Os pontos de ônibus de São Paulo devem ficar mais informativos. O prefeito Fernando Haddad (PT) promulgou uma lei, publicada no Diário Oficial da Cidade deste sábado, 11, que "estabelece diretrizes a serem observadas na implantação de abrigos e pontos de parada" do sistema de ônibus da capital paulista. Nesses locais, a Prefeitura terá de indicar o nome e o número de cada linha que passa por ali, bem como os intervalos e a frequência dos ônibus.
Algumas paradas da capital já contam com adesivos da São Paulo Transporte (SPTrans), empresa municipal que gerencia a rede de coletivos, que indicam quais linhas passam por ali, sem informar qual é o intervalo entre os coletivos. A maioria das paradas, no entanto, ainda não traz nada aos passageiros, dificultando o acesso a dados que podem ajudar nos deslocamentos.
Outras informações que deverão ser divulgadas nas paradas e pontos são as principais artérias percorridas no itinerário de cada linha, além da origem e destino. Dados sobre o entorno da parada também constarão dos painéis, bem como a integração dos percursos com outros modais, como os trens das Companhias do Metropolitano de São Paulo (Metrô) e Paulista de Trens Metropolitanos (CPTM).
A lei, criada a partir de um projeto de 2010 dos então vereadores Mara Gabrilli (PSDB), Goulart (PSD), Floriano Pesaro (PSDB) e Marta Costa (PSD), tem 90 dias para ser regulamentada pela Prefeitura paulistana. Um concessão da administração municipal à empresa Otima prevê a troca e a instalação de 6,5 mil abrigos de ônibus, além de 10 mil totens indicativos de parada, na cidade até 2015. As substituições começaram em 2013.
Aplicativos
O secretário municipal dos Transportes, Jilmar Tatto, tem dito em declarações recentes que um dos principais objetivos em 2014 é melhorar a comunicação dos serviços de ônibus com os passageiros do sistema, tornando-o mais confiável e previsível. Uma das metas é oferecer aplicativos para celulares gratuitos por meio dos quais os passageiros poderão ver quanto tempo falta para um determinado ônibus passar por uma parada.
Atualmente, a página Olho Vivo, da SPTrans, já permite ver a localização exata de todos os ônibus em qualquer linha do município, tornando possível aos passageiros se programarem um pouco melhor antes de sair de casa ou do trabalho para pegar um ônibus sem ter de passar muito tempo no ponto.

O Estado de SP

segunda-feira, 6 de janeiro de 2014

Como está a mobilidade no Brasil?

Quanto tempo do seu dia você passa se locomovendo de um lugar para outro? A mobilidade é uma das principais questões das grandes cidades, mas como anda o setor 
de transportes
 nas capitais brasileiras? É o que analisa o estudo Acompanhe a Mobilidade, divulgado nesta terça-feira (2) pelo portal Mobilize Brasil

Com base em dados divulgados pelas próprias prefeituras, a pesquisa avaliou os principais indicadores de mobilidade urbana de 15 capitais do país: Belo Horizonte, Brasília, Campo Grande, Cuiabá, Curitiba, Florianópolis, Fortaleza, Goiânia, Manaus, Natal, Porto Alegre, Recife, 
Rio de Janeiro, Salvador e São Paulo. Confira, abaixo, os principais resultados. 

SOLIDÃO NAS RUAS DE SÃO PAULO A capital paulista é a mais dependente de veículos motorizados individuais. De acordo com o levantamento, 30% dos deslocamentos diários feitos na cidade são com motos ou carros, apesar do município ter a maior rede de metrô do país - a menor é a de Fortaleza

Como consequência, São Paulo é disparado a capital brasileira que mais polui com o setor de transportes: são emitidas 12,6 milhões de toneladas de CO2 equivalente para garantir a locomoção da população na cidade. A capital que menos emite é Natal, no Rio Grande do Norte, que libera 0,5 milhão de tonelada por ano com transporte. 

PEDALA, RIO DE JANEIRO A capital fluminense perde para São Paulo e Brasília, no quesito rede de metrô: são 40,9 km destinados ao meio de transporte, contra 74,3 km e 42 km nas outras duas cidades, respectivamente. Mas, quando o assunto é a infraestrutura para magrelas, não tem para ninguém: o Rio de Janeiro é disparado a capital que possui mais vias adequadas para a circulação de bicicletas, com 300 km de estrutura cicloviária. O segundo lugar ficou com Brasília, que possui 160 km, e o último com Goiânia, que possui 3 km. 

Em números proporcionais, o município carioca é, também, o que mais destina espaço às magrelas em suas ruas. 3,17% das vias da capital fluminense estão aptas para a circulação de bicicletas. E os louros do Rio de Janeiro não param por aí: sua região metropolitana possui a maior rede de trem do Brasil (270 km), seguida por São Paulo (260,7 km) e Natal (56 km). 

DE BUSÃO EM BRASÍLIA De acordo com o levantamento, é na capital do Brasil que os gastos com ônibus são mais baratos para o trabalhador. A passagem em Brasília custa R$ 2,70, enquanto a média de salário dos moradores da cidade é R$ 2.832, o que torna possível a compra de 1.049 bilhetes de ônibus por mês. 

A capital onde essa razão matemática é menos favorável é Manaus. Lá a passagem custa R$ 2,75 e pesa no bolso do trabalhador, que tem renda média mensal de R$ 932 e pode comprar 332 bilhetes de ônibus a cada 30 dias. A segunda pior colocação do ranking ficou com Salvador. 

CAMPO GRANDE ACESSÍVEL A capital do Mato Grosso do Sul aparece na pesquisa como a que mais se preocupa com a mobilidade de cadeirantes. 24,7% dos domicílios do município possuemrampas de acesso nas calçadas do seu entorno. Apesar de baixo, o índice é o melhor, entre as cidades analisadas. 

Além disso, 88,9% dos ônibus de Campo Grande são acessíveis a pessoas com deficiências físicas. Nesse quesito, a capital perde, apenas, para Curitiba, onde 92% dos ônibus têm acessibilidade. O último lugar do ranking ficou com Brasília (31,7%). 

O estudo ainda avaliou outros quesitos relacionados à mobilidade urbana, como qualidade das calçadas, número de mortes no trânsito e quantidade de ruas com placas de identificação. 

Mobilidade Sustentável

sexta-feira, 3 de janeiro de 2014

Mobilidade X Cidade



Nosso país é predominantemente urbano: cerca de 80% da população brasileira mora em cidades. O processo de urbanização das cidades brasileiras caracteriza-se pela segregação territorial. A população é gradativamente expulsa dos centros para as periferias, numa lógica de exclusão social que concentra a oferta de serviços públicos e empregos no centro, distribuídos de forma desigual, aumentando assim a demanda por transporte público para atender aos deslocamentos entre grandes distâncias. O sistema de transporte geralmente não supre a demanda adequadamente. Como resultado
os mais pobres ficam segregados espacialmente e limitados em suas condições de mobilidade.

As pessoas precisam ter acesso ao que a cidade oferece: trabalho, comércio, estudo, lazer, serviços públicos, e outros. Deslocam-se pela cidade utilizando meios diferentes: a pé, de bicicleta, de carro, de moto, de ônibus, de trem, de metrô, e de barco, especialmente na região norte.

Encontram facilidades e dificuldades, mas não podem deixar de fazer esses deslocamentos.Sem o acesso aos serviços públicos essenciais, e o transporte é um deles, as pessoas estão limitadas para
desenvolver suas capacidades, exercer seus direitos, oupara acessar oportunidades.

A localização dos equipamentos urbanos, dos loteamentos e conjuntos habitacionais, das fábricas, comércio, e as relações territoriais urbanas em geral, devem ser pensadas de forma integrada à disponibilidade de serviços de transporte, e prover o mínimo necessário para uma vida digna.

A mobilidade Urbana deve ser garantida para todos e todas: homens, mulheres, crianças, idosos, pessoas com deficiência ou mobilidade reduzida, gestantes, obesos, sem discriminação. A liberdade de ir e vir, direito garantido

pela Constituição Federal, é o princípio que norteia a mobilidade urbana e deve ser exercido com autonomia e liberdade pelos indivíduos. É preciso pensar a mobilidade urbana na perspectiva do direito à cidade, estruturado em três eixos:

• o direito de ir e vir e circular livremente nos diferentes espaços da cidade;

• o direito ao espaço público, ao seu uso e apropriação;

e

• o direito a acessar os serviços e equipamentos públicos.

POR QUE PENSAR A MOBILIDADE? 

Tradicionalmente, o trânsito, o transporte público coletivo e a distribuição de bens e mercadorias, são tratados de forma desarticulada, como se todos esses deslocamentos não fizessem parte de um mesmo conjunto.

As cidades foram transformadas em espaços para a circulação do automóvel. A frota aumentou, o sistema viário foi adaptado e ampliado e órgãos governamentais foram criados para garantir boas condições de fluidez. Com a carência do transporte coletivo e as facilidades dadas para a compra e posse de veículos, o uso do transporte individual foi intensificado, aumentado os congestionamentos,
os acidentes e a poluição ambiental.

Para contrapor essa visão segmentada, desenvolveu se o conceito de Mobilidade Urbana, que tem como objetivo explicitar como está sendo praticada a circulação no País, identificando os privilégios aos automóveis, principalmente na apropriação do sistema viário, as exclusões sociais, os direitos violados, entre outros. Através desse conceito, podem-se formular as bases de uma Mobilidade Urbana sustentável, em contraposição à existente, que denominamos de Mobilidade Urbana da exclusão social.

Em poucas palavras: a mobilidade urbana é o atributo das cidades que se refere à facilidade de deslocamentos de pessoas e bens no espaço urbano, tanto por meios motorizados quanto não motorizados. Resulta da interação entre os deslocamentos de pessoas e bens com a cidade.

Com a abertura das economias e o acirramento da concorrência mundial, nossas cidades ficaram em real desvantagem. A maioria delas não tem um plano de transporte ou este não leva em consideração o transporte “porta a porta”: falta racionalização e integração nos sistemas de transporte.

A situação é crítica: nossas calçadas perderam espaço físico para os carros e foram esquecidas como um meio de circulação de pessoas. É uma verdadeira aventura utilizá-las, pois além da falta de conservação, grande parte delas foi transformada em acessos para os automóveis,criando obstáculos aos pedestres e sendo responsáveis por mais de 20% dos acidentes de percurso.

Nas grandes cidades, as principais artérias viárias estão congestionadas e tem sido priorizadas para os carros, temos poucos corredores de ônibus, nenhum de Veículo Leve sobre Trilho – VLT e uma rede de metrô e ferrovia urbana muito abaixo da necessidade.

A alegação que investir em uma rede estruturadora de transporte coletivo é cara e que nosso país não tem condições de fazê-lo é falsa. Sua construção, além de requalificar as cidades, torná-las mais efi cientes e diminuir a exclusão social, propicia retorno aos três níveis de Governo, em montante maior do que o investido. Dispor de sistemas de Transporte Público compatíveis com as necessidades das cidades e com a renda da população garante a movimentação das pessoas de forma rápida e eficiente, permite às empresas nelas instaladas se tornarem mais competitivas e seus funcionários mais produtivos, formando um ciclo virtuoso de desenvolvimento com geração de empregos e renda, qualidade de vida e inclusão social.

Um plano de circulação deve levar em consideração todos os tipos de transporte e a necessidade da população, que é a de sair de sua casa e chegar ao seu destino final, utilizando os meios a sua disposição, sejam eles a calçada, a bicicleta, a moto, o carro ou o transporte público.

A mobilidade se torna sustentável quando se valoriza o deslocamento do pedestre, priorizando o transporte
público coletivo e o transporte não motorizado, como a bicicleta; quando se reduzem drasticamente os
níveis de poluição dos transportes motorizados; quando associam-se à política de uso do solo prioridades como
as moradias em áreas que concentrem oportunidades de trabalho e serviços públicos, aproveitando-se o acesso facilitado ao transporte público coletivo já existente e os imóveis sub-utilizados nas áreas dotadas de infraestrutura urbana.

A atual política de mobilidade excludente adotada pelos administradores públicos tem resultado em indicadores
sociais, econômicos e ambientais extremamente preocupantes, como exemplificados a seguir:

a. Recordes diários nas grandes cidades de congestionamentos de trânsito que aumentam os custos e
o tempo de viagem no transporte coletivo urbano;
b. Exclusão de 37 milhões de brasileiros do sistema de transporte público coletivo por falta de condições
econômicas para arcar com as despesas de transporte;
c. O trânsito tem gerado 380.000 vítimas de acidentes por ano, sendo 35.000 óbitos e mais de 100 mil
pessoas portadoras de deficiência;
d. Anualmente, acidentes e vítimas geram um custo de 12,3 bilhões de reais para o Governo, que são
pagos por toda a sociedade; 78,9% deste custo é de responsabilidade dos automóveis, que representam
apenas 27,3% dos deslocamentos.

A luta pela Mobilidade Urbana Sustentável com inclusão social vem tendo avanços localizados, especialmente
devido a alguns fatores: municipalização do Transporte Público e do Trânsito, as experiências de sucesso de algumas Prefeituras e Estados; criação da Secretária Nacional de Mobilidade e Transporte no Ministério das Cidades; articulações do setor através de suas entidades nacionais e de articulações como a do próprio MDT, e com o engajamento decisivo do Fórum Nacional da Reforma Urbana, da Frente Nacional de Prefeitos e do Fórum Nacional de Secretários de Transporte no tema. Esse esforço conjunto tem crescido, impulsionado pela crise anunciada da atual Mobilidade com o excessivo número de automóveis nas ruas, tornando inviável o deslocamento nas grandes e médias cidades brasileiras.

Países como França, Espanha, Holanda, Inglaterra, tem priorizado os investimentos e subvenções das tarifas,
com soluções que qualificam o transporte público coletivo e restringem a circulação de veículos particulares,
como forma de produzir cidades ambientalmente sustentáveis. Para se chegar a uma Mobilidade Sustentável, é necessária a atuação do poder público, com uma política de Estado (e não apenas de Governo) voltada às demandas e propostas advindas das mobilizações e dos espaços democráticos de participação da sociedade.
As principais propostas e reivindicações, com o objetivo de alcançar um modelo sustentável para a mobilidade
urbana:
• O direito de acesso ao transporte público coletivo
de qualidade para todos, com tarifas acessíveis e acessibilidade universal;
• Reverter o atual modelo de Mobilidade Urbana, restringindo e disciplinando a circulação do transporte
individual motorizado (carros e motos), com gestão integrada de trânsito e transporte;
• Priorizar o uso das vias para o transporte público coletivo e os modos não motorizados de transporte (a
pé ou bicicleta).
• Utilização de combustíveis limpos.

Texto da Cartilha do MDT