Segundo dados do Sistema de Informações sobre Mortalidade,
da Secretaria de Vigilância em Saúde, do Ministério da Saúde, nos últimos anos
morreram mais motociclistas em acidentes de trânsito no Rio do que ocupantes de
qualquer outro tipo de veículo. De 2008 a 2013, foram 3.097 óbitos de
motociclistas no estado, contra 2.639 de ocupantes de automóveis (458 a mais).
Só nos dois primeiros meses deste ano, foram 64 motociclistas mortos (contra 40
óbitos de ocupantes de carros). Uma tendência que era diferente até 2007,
quando morriam mais ocupantes de carros do que pessoas em motos no estado
(3.054 contra 2.337 entre 2002 e 2007).
ACIDENTADO VOLTA A USAR MOTO
Se consideradas as internações pelo SUS por acidentes de
trânsito, os pedestres são a maior parte. Mas, fazendo-se um recorte dos
feridos em veículos acidentados, os motociclistas são a ampla maioria. Segundo
números do Datasus, foram 3.661 internados no Estado do Rio em 2012, mais que o
triplo dos 1.031 ocupantes de carros.
Após o acidente na Avenida Brasil, Bruno enfrentou
infecções, foi transferido para o Instituto Nacional de Traumatologia e
Ortopedia (Into) e, hoje, três anos depois, usa perna mecânica e ainda precisa
fazer fisioterapia na unidade. Continua, porém, andando de moto.
— Depois da queda, fiquei muito triste. Pensei até em me
matar. Ao voltar para casa, não queria saber da moto. Mas onde moro, numa
comunidade da Tijuca, é o meio de transporte mais fácil. Tive de reaprender a
usá-la. Hoje, dá para pilotar, devagar e com medo dos buracos — afirma ele, que
era motoboy antes do acidente.
A declaração de Bruno aponta para uma tendência no uso das
motocicletas no país. Nas grandes cidades, elas driblam o trânsito pesado,
chegam a locais em que os carros não entram e são utilizadas para trabalhar. No
interior, substituem tradicionais meios de transporte nas fazendas, como os
cavalos, e dão mais agilidade nos deslocamentos. E, nesse compasso, aliado ao
barateamento das motos e à facilitação do crédito, a frota oficial de
motocicletas no Rio, segundo o Detran, ainda é um quinto da de carros: 833.482,
contra 4.348.019 automóveis em maio deste ano. Mas elas se espalham mais
rápido, com um crescimento de 195% da frota nos últimos dez anos, contra 58,7%
da de carros.
Na região em que mora Thiago Alves dos Santos, de 23 anos, a
Vila Íris, em São João de Meriti, ele conta que as motos são um símbolo de
status — e proliferam. Thiago comprou a dele num leilão (uma moto de sucata que
não poderia circular). Mesmo sem habilitação, trabalhava com ela como
entregador de pizza. Mas, no mês passado, cansado, pediu a um amigo que a
pilotasse. Estava na carona, sem capacete, quando um carro em alta velocidade
entrou na contramão e os acertou.
— Quebrei o fêmur. Meus vizinhos pensam até que morri —
conta Thiago, internado há um mês no Centro de Trauma Referenciado do Into.
Só ali, afirma o chefe do setor, Leonardo Rocha, mais de 70%
dos casos atendidos são diretamente relacionados a acidentes de moto.
Normalmente, diz ele, são pacientes de alta complexidade, politraumatizados,
que ficam internados por longos períodos. Entre eles, o perfil mais comum é de
homens (75%), na faixa etária entre 20 e 40 anos. Usam motocicletas de baixa
cilindrada, são da Região Metropolitana e se envolveram em acidentes em vias de
alta velocidade, como Avenida Brasil, Linha Vermelha, Via Dutra e Washington
Luís.
— As sequelas para esses pacientes são, no mínimo,
estéticas. Nos últimos dez anos, assisto a um aumento galopante dos casos de
acidentes de moto, não só no número deles, como na complexidade. E o centro do
problema, na minha opinião, é de educação para o trânsito. Tampouco há
fiscalização a contento. As consequências disso são um custo muito elevado para
o estado em áreas como saúde e previdência social — diz o médico.
FLAGRANTES DE IMPRUDÊNCIA NAS RUAS
Nas quatro grandes emergências municipais da cidade do Rio,
em 2013 o panorama não foi muito diferente. No Miguel Couto, na Gávea, dos
3.893 atendimentos por acidente de trânsito, 53,7% (2.094) foram de pessoas que
estavam em motos. No Lourenço Jorge, na Barra, o percentual foi de 47% (2.839
dos 6.028 atendimentos); no Salgado Filho, no Méier, de 39,4% (1.271 dos 3.224
atendimentos); e no Souza Aguiar, no Centro, de 20% (913 dos 4.545
atendimentos).
Nesse ritmo, de acordo com dados do Sistema de Informações
Hospitalares do Ministério da Saúde, contidos no estudo "Mapa da violência 2013
— Acidentes de trânsito e motocicletas”, o custo das internações hospitalares
por acidentes com motos no Brasil em 2012 foi de cerca de R$ 102 milhões. Esse
total representa 48,4% dos gastos com vítimas de acidentes de trânsito na rede
de saúde, contra 26% (R$ 54 milhões) com pedestres e 12,3% (R$ 25 milhões) com
ocupantes de automóveis.
Para especialistas, um conjunto de fatores explica essa
situação de tantos e tão graves acidentes: o aumento exponencial da frota, a
imprudência dos motociclistas, a fiscalização incipiente ou a falta de
sinalização nas estradas e ruas, entre outros. Algumas alternativas são
debatidas, como a implantação de motofaixas ou centros de formação
especializados para motoqueiros. Mas, enquanto as discussões continuam, são
comuns flagrantes de irregularidades, como motociclistas trafegando na
contramão numa engarrafada Rua Jardim Botânico ou fazendo retorno sobre a
calçada na Rua Pinheiro Machado, em Laranjeiras. Mortes também seguem
acontecendo, como a do motoboy Rodrigo Lopes Santiago, ontem, atingido por uma
linha de pipa com cerol na Avenida Brasil. E as perspectivas não são muito
otimistas.
ASSOCIAÇÃO: ACIDENTES CRESCEM 120%
Presidente da Associação de Motociclistas do Estado do Rio
(Amo-RJ), Aloísio Braz, por exemplo, afirma que, segundo levantamentos do
grupo, de um ano para o outro, o número de acidentes com motos cresce, em
média, 120%, sem expectativas de mudanças desse quadro. E, embora órgãos como
os bombeiros não discriminem as ocorrências com motos, o monitoramento feito
pela associação indica que a Avenida das Américas, na Barra, é a mais crítica
na cidade do Rio. Num único dia chuvoso na semana passada, diz Aloísio, foram
53 acidentes na via. E ele aponta para um outro vilão: a má qualidade do piso
asfáltico.
— O motociclista hoje é um sobrevivente. Os acidentes
graves, na maioria das vezes, ocorrem por causa do piso asfáltico, destruído no
Rio e nas rodovias federais — diz ele, afirmando que, apesar de os números
oficiais de mortes já serem assustadores, são subdimensionados.
Enquanto isso, quem anda de moto sai de casa preocupado.
Sentado num tradicional ponto de descanso de motoboys em frente à Praia de São
Conrado, Leandro Teixeira conta que escapou ileso de um acidente na semana
passada, um dia antes de a presidente Dilma Rousseff sancionar uma lei
incluindo a atividade de quem trabalha com moto entre as profissões perigosas,
com direito a adicional de 30%, por periculosidade. Um caminhão atravessou a
pista, e Leandro conseguiu pular. A moto, no entanto, terminou debaixo do
veículo.
— Todo dia, ao sair de casa, ajoelho e peço a Deus para
voltar para minha família. Sei que estou sujeito aos riscos do trânsito. Mas
este é meu trabalho, o que sei fazer de melhor — dizia ele.
CRÍTICA À PERMISSÃO PARA TRAFEGAR ENTRE VÉICULOS
Julio Jacobo Waiselfiz, do Centro Brasileiro de Estudos
Latino-Americanos, lembra que, a partir da década de 1990, o custo para a
aquisição de motocicletas baixou em todo o país. E, segundo ele, enquanto a
frota crescia vertiginosamente, um veto no Código de Trânsito Brasileiro,
sancionado em 1997, foi um fator que contribuiu para o aumento do número de
acidentes com motos no Brasil.
No projeto, o artigo 56 proibia aos condutores de
motocicletas, motonetas e ciclomotores "a passagem entre veículos de filas
adjacentes ou entre a calçada e veículos de fila adjacente a ela”, os
conhecidos corredores. Mas o artigo foi vetado, sob a alegação de que a
proibição tirava a fluidez do trânsito. "O dispositivo restringe sobremaneira a
utilização desse tipo de veículo que, em todo o mundo, é largamente utilizado
como forma de garantir maior agilidade de deslocamento”, dizia o texto do veto.
— Na minha opinião, poder circular no corredor gera uma
condução perigosa — diz Julio.
O Clobo