terça-feira, 25 de outubro de 2011

RJ é líder em mobilidade e SP é última, mas o destaque é a falta de dados

São Paulo tem a pior nota em mobilidade urbana

Rede Brasil Atual

Um estudo realizado pelo Mobilize Brasil, entidade que estuda a mobilidade urbana no país, mediu as condições de deslocamento em nove capitais. O resultado mostrou que São Paulo tem as piores notas em relação à mobilidade, enquanto o Rio de Janeiro ficou na liderança.




Os quesitos analisados na pesquisa foram acessibilidade dos ônibus, mortes no trânsito, estrutura cicloviária, custo do ônibus no orçamento médio da população e proporção de viagens motorizadas. O Mobilize buscou dados em mais quatro capitais. A dificuldade de obter dados em Goiânia, Recife, Fortaleza e Manaus diminuiu a lista. Mesmo nas cidades que informaram seus indicadores, o processo não foi fácil. Os dados ficam dispersos em diversos órgãos, que dificilmente estão dispostos a compartilhá-los. Além disso, não é possível garatir a confiabilidade dos dados.



Outra dificuldade foi a obtenção de informações sobre sustentabilidade no transporte. As cidades não sabem os poluentes que sua frota emite na atmosfera.



Resultados

O Rio de janeiro se destacou principalmente na pequena proporção de viagens de carro no total de deslocamentos na cidade: apenas 13% delas é feita com carro. Outro quesito importante no Rio é a alta proporção de ônibus acessíveis, 60% da frota, e pela extensão de suas ciclovias. Curitiba vem logo depois do Rio, com bons indicadores em acessibilidade dos ônibus, mortes no trânsito e estrutura cicloviária. Apesar de ser conhecida pelo sistema de ônibus, a capital paranaense perde pontos no quesito viagens motorizadas: 27% dos deslocamentos são feitos em veículos motorizados.



Na rabeira da lista, estão Cuiabá e São Paulo. A capital paulista mostrou indicadores ruins em todos os elementos analisados. Os piores são estrutura cicloviária e proporção de viagens motorizadas. Em Cuiabá, o custo da tarifa é o que mais pesa para o mau desempenho. Para ler o estudo na íntegra, clique aqui.



Para comentar os resultados da pesquisa, foi ouvido o consultor editorial do estudo, Thiago Guimarães, jornalista e especialista em mobilidade urbana.



Perguntas: A pesquisa teve que ficar restrita a menos cidades e usar menos dados do que o previsto inicialmente. A falta de dados sobre as cidades brasileiras atrapalhou o objetivo do trabalho de vocês? Os indicadores que faltaram poderiam mostrar um resultado diferente?



Thiago Guimarães: Ao mesmo tempo que afetou a abrangência do índice, a dificuldade de obter dados importantes junto às administrações municipais foi em si um resultado importante do estudo: os municípios brasileiros frequentemente não dispõem de informações elementares para o planejamento urbano e de transportes sob a égide da sustentabilidade. É claro que o estudo ganharia ao incorporar mais informações e mais cidades, mas, pessoalmente, esse resultado não me surpreendeu. Antes, como jornalista e como pesquisador, já havia tentado levantar informações básicas, que deveriam ser acessíveis a todo cidadão e que, no entanto, são indisponíveis ou tratadas quase como segredo de Estado. Ambos os problemas são gravíssimos. A inexistência ou a falta de transparência de dados fundamentais dificultam, impedem um envolvimento cidadão nesses assuntos. Como se pode observar, nenhum indicador que destaca sobre os impactos ambientais dos transportes foi incluído. Na segunda década do século XXI, ruídos, emissão de poluentes, produção de gases doe efeito estufa, mudança climática são temas muito distantes da política de transportes no Brasil inteiro. Além da comparação das condições de mobilidade sustentável entre as cidades, essa é uma das principais mensagens trazidas pelo estudo.



Pergunta: A qualidade dos dados foi um problema para a avaliação? Como comparar números que são obtidos de maneiras diferentes? Vocês atuaram in loco de alguma forma para confirmar os dados?



TG: Os cinco indicadores considerados no cálculo revelam aspectos da mobilidade das cidades como um todo. É virtualmente impossível checar se o dado informado pela autoridade pública confere com a realidade ou não. Pode-se até desconfiar desses números, mas a equipe de jornalistas responsável pelo levantamento dos dados teve de aceitá-los. Como saber se Curitiba tem mesmo 90% da frota adaptada a pessoas com deficiência? Como saber se apenas 13% dos deslocamentos diários no Rio de Janeiro são feitos por modos individuais motorizados? Os dados foram checados e confirmados com as fontes, antes entrarem para o cálculo. Partimos do pressuposto de que as autoridades detêm e informam os dados corretos. Nosso trabalho não investigou se houve erros de cálculos, equívocos ou manipulações produzidas pelas próprias autoridades. Mas, após a publicação dos resultados, já observamos que surgem questionamentos sobre a qualidade e a veracidade dos dados. E esse debate é muito positivo. Nós, do Mobilize Brasil, queremos mais é que o cidadão desconfie dos resultados do estudo, exija das autoridades mais e melhores informações sobre os sistemas de transporte e contribua para o desenvolvimento da metodologia. Esperamos que o Estudo Mobilize 2012 seja ainda melhor que o de 2011.



Pergunta: Os resultados mostram que a melhor cidade do ranking é cheia de problemas de mobilidade, o que significa que nenhuma cidade brasileira conseguiu equacionar esse problema de forma adequada. De uma maneira geral, vocês avaliam que há algum problema que atinja todas as cidades e que impeça a melhoria desse quadro?



TG: Todas as cidades no ranking têm problemas de mobilidade. Para explicitar esses problemas e os projetos desenvolvidos para enfrentar esses problemas, não publicamos apenas um ranking, mas adicionamos informações qualitativas sobre cada uma das cidades em forma de reportagens. Assim, procuramos de fato fazer um diagnóstico das condições específicas de mobilidade em cada uma das nove cidades. O que é transversal a muitas das cidades pesquisadas: a falta de planejamento continuado, o jogo de esconde-esconde com informações (a dificuldade de obter informações até em cidades como a pretensamente sustentável Curitiba) e, em alguns casos, as promessas irreais - tanto em termos de prazo como de metas.



Pergunta: Algum dos resultados surpreendeu a equipe, positiva ou negativamente?



TG: O resultado que mais me surpreendeu foi ter Rio de Janeiro em uma ponta e São Paulo na rabeira do ranking. Isso desmonta o argumento de que os problemas de mobilidade encontrados em megacidades se devem a sua grandeza ou à complexidade desses espaços. A nota 2 de São Paulo contrasta muito com o 7,9 do Rio de Janeiro e mostra que, na maior cidade do país, realmente houve pouco investimento em soluções inteligentes, que faltou coragem para implantar boas políticas de transporte. E aqui a crítica se dirige sobretudo ao poder público, que tem um enorme poder indutor sobre comportamentos individuais no que se refere à mobilidade. A mensagem é clara: São Paulo poderia ter um transporte economicamente mais acessível, mais democrático (incluindo pessoas com deficiência) e poderia fazer muito mais para priorizar os meios coletivos e não motorizados diante do automóvel, do qual a cidade virou refém.

Cristina Baddini Lucas - Assessora do MDT