quarta-feira, 22 de janeiro de 2014

Transporte com tarifa acessível, por Otávio Cunha


Durante as manifestações de junho, a população essencialmente exigiu transporte público de qualidade a um preço acessível. Trata-se de uma reivindicação que combina dois aspectos que, na realidade brasileira, têm se mostrado incongruentes, inconciliáveis. Isso porque, durante toda a história do transporte público por ônibus no País, tem vigorado uma regra básica: a tarifa deve cobrir todos os custos. Ao longo de décadas, esse princípio fundamental acabou limitando a qualidade dos serviços por ônibus, justamente porque a qualidade deveria ser compatível com o preço que a maior parte da população pode efetivamente pagar.
As reivindicações por mais qualidade e menores preços no transporte público continuarão acontecendo e é bem provável que ganhem intensidade em futuro próximo. Elas são produto da evolução social da população brasileira, sobretudo nos últimos anos. É natural que, na medida em que as pessoas subam na escala social, exijam serviços de melhor qualidade. Assim, o impasse entre custo da tarifa e qualidade dos serviços de transporte é uma questão que precisa ser enfrentada pelas lideranças políticas e pela sociedade.
No setor de transporte público, como em quase todos os outros segmentos da economia, agregar mais qualidade normalmente implica agregar também mais custos. Mas os custos adicionais não podem ser simplesmente repassados para a tarifa, sob o risco de esta não poder ser paga pela maior parte da população. Uma das maneiras de resolver essa equação está em adotar a subvenção pública.
E que não se pense que essa seja uma solução típica de países menos desenvolvidos. Normalmente, nações de economia avantajada entendem o transporte público como fator de desenvolvimento econômico e de inclusão social, e há muito tempo, democraticamente, decidiram que os custos dessa atividade deveriam ser, em boa medida, financiados com recursos públicos.
Em cidades importantes da Europa, o usuário paga menos de 50% do custo da tarifa. De acordo com o mais recente levantamento da associação de autoridades metropolitanas de transporte daquele continente, em Berlin, Alemanha, e em Barcelona, Espanha, o usuário paga 46% do custo da passagem; em Paris, França, 40%; em Turim, Itália, 32% e na charmosa cidade de Praga, na República Checa, 26%.
Durante todo o processo de discussão do projeto que redundou na aprovação da Lei de Mobilidade Urbana – a Lei 12.587, de 2012 – essa questão foi levada em conta e o texto final trouxe um caminho: exatamente a possibilidade de separação entre a tarifa a ser paga pelo usuário e o valor da remuneração do operador do transporte. Se a tarifa desejável não puder cobrir os custos da qualidade requerida, é possível empregar-se a subvenção, com recursos do orçamento ou de fundos específicos.
Com esse caminho, estabelece-se uma situação na qual a sociedade, em cada localidade, poderá decidir o nível de qualidade e o patamar da tarifa. E poderá decidir também de onde retirar os recursos para subvenção. Uma alternativa utilizada em alguns países e que vem sendo proposta também no Brasil é o estabelecimento de uma taxação sobre os combustíveis do transporte individual.
Apenas recentemente tivemos as primeiras experiências brasileiras de subvenção do transporte público por ônibus, mas, até agora, sem regras duradouras. Começou por São Paulo, na primeira metade da última década. Hoje, algumas outras cidades – entre as quais Rio de Janeiro, Brasília, Cuiabá e Campo Grande – subvencionam o transporte público urbano, assumindo assim uma pequena parte dos custos, o que alivia um pouco o peso da tarifa para o usuário comum.
As operadoras do transporte público também estão conscientes de que o impasse entre custo e tarifa deva ser resolvido pela via da subvenção. Porém, entendem que essa solução deva ser adotada por meio de instrumentos que ofereçam às empresas total segurança jurídica de que o modelo de financiamento da operação terá sequência ao longo de todo o contrato de concessão, independentemente das naturais trocas no comando da gestão pública. E é preciso salientar que, neste caso, a garantia às empresas é também uma garantia de que a população terá ao longo do tempo estabilidade na tarifa e a manutenção dos níveis de qualidade nos serviços de transporte.

Otávio Cunha é membro do MDT e do Conselho Diretor da Associação Nacional de Transportes Públicos (ANTP) e presidente executivo da Associação Nacional das Empresas de Transportes Urbanos (NTU)