quinta-feira, 30 de junho de 2016

Carro e moradia

22/06/2016 ANTP


"O predomínio da forma condomínio, a precariedade dos espaços coletivos e a ausência de espaços públicos que estimulem a integração e sociabilidade nos empreendimentos e com a vizinhança reforçam ainda mais uma urbanização privatizada que tende a exacerbar a segregação e guetificação [segregação] dos mais pobres na cidade". Professora Maria Beatriz Cruz Rufino no livro "Minha Casa... E a Minha Cidade?".
Periferia no Brasil é um termo que, além de denotar local de moradia, carrega consigo um forte simbolismo.  É o que se pode confirmar a partir dos resultados da pesquisa Datafolha, que aponta que em São Paulo mais da metade da população reside distante do centro, nas franjas da metrópole. Segundo a pesquisa, o termo “periferia” está associado a pobreza e a violência para a maioria dos paulistanos.
Curiosamente é nessa “lonjura”, distante dos locais de emprego, que se concentra o grosso da mão-de-obra, obrigada a despender grande parte do dia em deslocamentos que, a mais das vezes, exige mais de uma condução para compor a viagem.
Enquanto muita gente continua a se preocupar em descobrir formas que garantam que horários de ônibus sejam previsíveis – e assim permitir que o usuário (termo técnico para qualificar o cidadão que anda de transporte público) possa organizar sua rotina diária –, o principal problema das metrópoles continua, além de insolúvel, a crescer de maneira constante: a distância entre trabalho e residência. Mais que ônibus no horário, o grande busílis ainda é o enorme tempo que se gasta no percurso.
Os municípios, que concentram os problemas urbanos, convivem ao mesmo tempo com duas realidades controversas: a proximidade das graves consequências e a enorme distância de suas soluções. Basta verificar como dois programas federais, como o Minha Casa, Minha Vida e o estímulo à compra do carro, jogaram os prefeitos brasileiros nas cordas. Atuando de forma descoordenada, e visando atender tão somente a resultados macroeconômicos, estes dois programas agudizaram um problema que já era gritante, tornando a vida nas metrópoles ainda pior ao prejudicar mais ainda a mobilidade e a qualidade de vida das grandes cidades.
Se a classe média consegue meios para mitigar os efeitos dos congestionamentos, os mais pobres estão ainda distantes desta possibilidade.  Matéria do Estadão relata como as dificuldades causadas de forma crescente pelo excesso de veículos nas ruas tem levado muita gente a optar por utilizar os “novos sistemas de transporte como uma opção econômica”. O Estadão cita os sistemas de carro compartilhado, mais baratos para quem reside próximo ao trabalho, chegando a prever que o automóvel próprio, cada vez mais, “perde a característica de propriedade para se tornar um serviço”.
Se ter um carro pode passar a ser secundário, possuir uma casa própria, com o tempo, pode-se tornar também um empecilho para quem quer viver melhor nas metrópoles. Se o emprego não se aproxima da moradia, parece mais fácil optar por uma moradia – de aluguel – localizada mais perto do emprego.
No caso do “sonho” da casa própria realizado pelo Minha Casa, Minha Vida, Maria Beatriz Cruz Rufino, professora da FAU-USP, faz uma importante ponderação em matéria do UOL: "de maneira geral, os altos índices de satisfação com a propriedade privada e regular da moradia, contrastam com percepções de piora no acesso aos transportes, comércios e serviços e relatos sobre o medo das mães de exporem suas crianças ao convívio social nos espaços coletivos do condomínio". Sim, pois como relata na matéria Lúcia Shimbo, também professora FAU-USP e organizadora do livro "Minha Casa... E a Minha Cidade?", é preciso "desmitificar a ideia de que a única forma de acesso à moradia é via casa própria".
Curiosamente as duas ações federais citadas – o acesso à casa e ao carro próprio – estão gerando uma insatisfação crescente nas pessoas, exatamente por tratarem de maneira estanque dois assuntos que estão intimamente associados na vida da cidade, a moradia e o emprego. E entre eles, o transporte.
Para os prefeitos, até hoje, tem restado a alternativa de perseguir medidas paliativas, que têm se tornado a cada dia mais distantes do sucesso quanto mais as cidades se espalham e congestionam. Mais que Planos Diretores e políticas públicas de uso do solo, as ações efetivas precisam se concentrar em otimizar o já existente, garantindo uma cidade mais compacta e menos difícil para se viver, estudar e trabalhar. Tratar moradia e transporte como as duas faces de uma mesma moeda parece tão lógico quanto necessário. O prefeito que não insistir nessa tecla continuará a perseguir o inalcançável.