sexta-feira, 22 de maio de 2015

Automóveis e sustentabilidades

    Em 2007 o governo e a indústria automobilística comemoraram a fabricação dos 50 milhões de veículos em 50 anos, colocando o Brasil no 9º lugar entre os produtores e 11º exportador mundial. A Anfavea dizia que os próximos 50 milhões deveriam acontecer em 15 anos, caso o governo desse ``estímulo ao consumo interno, apoio à engenharia e incentivo à produção e exportação``.
    Os automóveis e as motocicletas estão no centro da crise de mobilidade, figurando entre as principais causas dos congestionamentos, do aumento da poluição e dos acidentes com mortos e feridos, com as cidades pagando alto custo, principalmente os usuários de transportes coletivos. Em 1998, pesquisa sobre congestionamentos em dez capitais, do Ipea/ANTP, apontava um custo de R$ 5 bilhões, responsável por 15% de aumento das tarifas públicas.
    Enquanto o transporte público urbano espera por medidas de desoneração tributária, justiça social nos pagamentos das gratuidades - hoje pagas pelos usuários - e investimentos em infraestrutura, o governo federal e os estados de São Paulo e Minas Gerais injetaram R$ 8,5 bilhões para manter os financiamentos para automóveis, sob pretexto de que seu bom desempenho favorece a economia,.
    Em 2008 os fabricantes de automóveis foram ajudados pela isenção da Cide-combustíveis, pela redução da alíquota do IOF na compra de motocicletas, motonetas e ciclonetas por pessoas físicas, e pela redução do IPI da indústria automobilística, representando importantes renúncias fiscais. A Fenabrave festejou um crescimento de 27,8% nas vendas entre 2006 e 2007, atingindo 2,3 milhões de automóveis comercializados. Em 2008 festejou novo recorde, o maior da história, crescendo 14% sobre 2007 (de 2,3 milhões para 2,6 milhões), a despeito da crise internacional que afetou profundamente a indústria automobilística em todo o mundo.
    Os dados são contundentes quanto às perdas sociais e econômicas que esse modelo de mobilidade promove no país: o transporte público, uma solução sustentável e que cria cidades mais baratas e eficientes, recebe seu primeiro golpe, quando a Constituição passa a competência para os municípios investirem e gerirem os transportes públicos, sem prover os recursos condizentes, além de inviabilizar as propostas de se criar um fundo de investimentos permanente para essa política. Nessa política rodoviarista e focada nos automóveis, houve o fim dos bondes, as ferrovias urbanas foram sucateadas, e os ônibus perderam 20 bilhões de passageiros entre 1992 e 2005, deixando de arrecadar R$ 29 bilhões (ANTP) .
    Como o uso do automóvel relaciona-se à renda da população, fica claro o abismo existente entre o consumo dos que ganham até R$ 250 e mais de R$ 3.600: para os últimos, o consumo de energia é 9 vezes maior, o de combustível 11 vezes, despejam 14 vezes mais poluentes no meio ambiente e 15 vezes mais acidentes de trânsito. Comparando o transporte público com os automóveis, vemos mais absurdos: os automóveis são responsáveis por 83% dos acidentes; 76% da poluição e sofrem apenas 38% dos congestionamentos dos quais são a maior causa, enquanto os que usam transporte público sofrem 62%.
    Com relação aos subsídios totais ao transporte urbano nas regiões metropolitanas por modo: autos/motos/táxi recebem de R$ 10,7 bilhões a R$ 24,3 bilhões/ano (86% dos recursos), enquanto os transportes públicos recebem de R$ 2 bilhões a R$ 3,9 bilhões (14%), apesar de transportarem 31% das viagens contra 30% dos automóveis. Esses subsídios referem-se apenas à compra e licenciamento de veículos, operação direta, estacionamento e externalidades não cobradas (poluição, acidentes, congestionamento).
    Embora não haja aqui espaço para se aprofundar sobre o que levou o país a optar por essa política de mobilidade centrada nos automóveis, que aumenta a exclusão social e a poluição e promove um genocídio no trânsito, é possível demonstrar que há soluções, mas que pressupõem vontade política, responsabilidade pelo futuro das próximas gerações e pela sustentabilidade do planeta. Para isso, utilizarei algumas das propostas apresentadas pelo MDT (Movimento Nacional pelo Direito ao Transporte Público de qualidade para todos) na 8ª Jornada Brasileira Na cidade, sem meu carro, cuja campanha era ``a rua é das pessoas e não dos carros``: 1. Transformar os estacionamentos na via pública em aumentos de calçadas, ciclovias e faixas exclusivas de ônibus, ou em jardins, limitando o estacionamento nos centros urbanos aos residentes; 2. Garantir que todo investimento em novas ruas, incluindo os viadutos, seja para pedestres, ônibus e bicicletas; 3. Utilizar faixas de vias, hoje dos automóveis, para implantar corredores exclusivos de ônibus, e que esses sejam fiscalizados para não serem invadidos; 4. Criar um fundo de mobilidade urbana municipal com recursos provenientes da Cide-combustível, de pedágios urbanos e da taxação de estacionamentos, prestando conta publicamente, todo ano, da sua aplicação; 5. Promover o planejamento racional das ruas pela prefeitura, integrando as linhas de ônibus, as bicicletas, as calçadas acessíveis e os carros às linhas de ferrovia e metrô e aos corredores exclusivos de ônibus.
    Nosso sonho é construir cidades em que os vários espaços sociais sejam valorizados, promovendo a inclusão da cidade real .

Nazareno Stanislau Affonso
Coordenador do MDT (Movimento Nacional pelo Direito ao Transporte Público de Qualidade) e do escritório da ANTP Brasília, diretor do Instituto RUAVIVA, integrante do Conselho das Cidades e da Coordenação do Fórum Nacional da Reforma Urbana.

Originalmente publicado na Revista Desafios.

“O futuro de quem só utiliza carros será cada vez mais angustiante”, afirma urbanista

Prioridade e incentivo ao transporte coletivo podem tornar o meio atrativo

por Mariana Simino

Um carro consome 30 vezes mais combustível por passageiro do que um ônibus, de acordo com levantamento do Movimento Respirar, e ocupam mais espaço na via: 25 carros carregam a mesma quantidade de passageiros que um ônibus, segundo dados da Companhia de Engenharia de Tráfego de São Paulo (CET) . Os benefícios ao utilizar o transporte coletivo, para o meio ambiente e para melhoria da mobilidade, são evidentes, mas ainda não são uma realidade no Brasil. Problemas como a baixa qualidade do serviço faz com que muitos optem por se deslocar em veículos particulares. Na cidade do Rio de Janeiro, por exemplo, entre 2002 e 2012, a proporção de usuários que preferiram o deslocamento individual motorizado aumentou de 25,8% para 28,5%, e a dos que escolheram o coletivo diminuiu de 74,2% para 71,5%.
Para melhorar a atratividade para o transporte coletivo, de acordo com o especialista em trânsito da Perkons, Luiz Gustavo Campos, é preciso garantir prioridade ao transporte coletivo no sistema viário – como com a implantação de BRT e/ou faixa exclusiva para ônibus. “Além disso, existem diversas medidas para tornar o transporte coletivo mais atrativo, como oferecer uma frota moderna e confortável, disponibilizar informação aos usuários, investir em vasta rede e itinerários bem distribuídos, integrar as linhas e outros meios de transporte, construir pontos confortáveis e seguros e operar com pontualidade”, sugere.
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BRT pode tornar o transporte coletivo mais atrativo
A mudança na maioria das vezes é gradual e os resultados são perceptíveis ao longo dos anos. Várias cidades brasileiras têm investido na priorização do transporte coletivo, sendo que algumas já mostram os sinais de melhoria. Como é o caso de São Paulo, onde o paulistano que optou pelo ônibus passou a ganhar 38 minutos por dia, e as faixas exclusivas deixaram o transporte 68% mais rápido. Os números são de um estudo que mostra a evolução desde 2011 até 2013 realizado pela Companhia de Engenharia e Tráfego (CET).
Na capital paulista, parte da população deixou de usar o carro e migrou para o transporte coletivo e avalia positivamente a criação das faixas exclusivas. “Somente uma medida isolada pode não levar aos resultados esperados e, por isso, é preciso também investir na melhoria da segurança, do conforto e da disponibilidade do sistema. Em São Paulo, por exemplo, recentemente a frota passou a circular também durante a madrugada, da meia noite às 4 da manhã”, cita Campos.
A velocidade dos corredores exclusivos de ônibus - criados há 12 anos – ainda está abaixo do objetivo divulgado na época. A meta da SPTrans era chegar a 20 km/h nos horários de pico. Porém, dados da empresa mostram que a velocidade média nos corredores até o final de 2014 era de 14 km/h.
Segundo Campos, os resultados dependem do tipo e das características do sistema viário em que foram implantadas, além da configuração do espaço urbano como um todo. A implantação de faixas exclusivas à direita da via exige medidas – muitas vezes impopulares para os condutores – como a proibição de estacionamento nesta faixa, pois só assim haverá a real preferência para o trânsito de ônibus nesse espaço. “Faixas exclusivas são adotadas para estabelecer algum tipo de prioridade para o transporte público e, logo, causam transtornos aos usuários do transporte motorizado particular. Os conflitos com veículos nas conversões à direita, o acesso e saídas das garagens e às operações de cargas e descargas deverão ser mantidos sob controle através de fiscalização adequada”, frisa.
O engenheiro de Transportes, Nilson Tadeu Ramos Nunes, explica que para os usuários de ônibus que utilizam os corredores exclusivos, o serviço melhora substancialmente em relação ao tempo de viagem e frequência, mas permanecem problemas nas integrações e na segurança das estações.

O futuro dos carros

O urbanista e coordenador do Movimento Nacional pelo Direito ao Transporte Público de Qualidade para Todos (MDT), Nazareno Stanislau Affonso, lembra que a Lei da Mobilidade Urbana determina que para o veículo motorizado particular deve ser reservado no máximo 30% das vias. Os 70% restantes são para ônibus, ciclovias, ciclofaixas e calçadas. Porém, na prática, o que vemos são ruas tomadas por automóveis. “Ainda está no começo essa democratização do espaço público da via, usurpado pelo automóvel, ao ocupar mais de 80% do mesmo”, afirma.
Affonso acredita que as pessoas já estão percebendo que o futuro de quem só utiliza carros será cada vez mais angustiante, com o aumento progressivo do tempo de viagem e do custo com a manutenção. Portanto, para ele, essa opção se mostrará inviável no futuro, com a perda dos privilégios de usar o automóvel e este será um meio alternativo integrado a sistemas de transporte público como metrô, ferrovia, veículo leve sobre trilhos e corredores exclusivos de ônibus.

Site da Perkons