segunda-feira, 2 de maio de 2016

Sobram 35 milhões de carros no mundo



O mundo todo terá uma sobra de quase 35 milhões de automóveis este ano. As montadoras de todas as regiões têm capacidade instalada para 126 milhões de veículos, mas devem produzir cerca de 91,5 milhões de unidades. As regiões mais problemáticas são o Leste Europeu, onde as fabricantes devem operar com 53% de ociosidade, e a América do Sul, com 51%, segundo estudo anual da PricewaterhouseCoopers (PwC).
O Brasil, cujo parque industrial pode produzir cerca de 5,2 milhões de veículos em três turnos de trabalho (incluindo caminhões e ônibus), participa com 70% da produção na América do Sul. A Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea) projeta para o ano uso de no máximo 48% desse potencial, o mais baixo em pelo menos 13 anos. Significa que o País deverá contribuir com quase 3 milhões de veículos na conta da sobra global.
Para o presidente da Anfavea, Luiz Moan, esse nível “é dramático para qualquer ramo de atuação” e, segundo ele, prejudica a sustentabilidade das empresas. O ponto de equilíbrio para uma operação rentável, de acordo com o executivo, é de 85% de uso de capacidade.
Em 2010, as montadoras do mundo todo operavam com 20% de ociosidade, porcentual que só cresceu desde então, chegando a 26,5% no ano passado e previsão de atingir 27,4% neste ano. A partir de 2017, a estimativa da PwC é de que a ociosidade comece a diminuir, até chegar aos 21,3% em 2022, quando a capacidade anual estará em cerca de 140,6 milhões de carros.
Na América do Sul, o uso do parque instalado despencou de 84,5% em 2010 para 47,5% no ano passado. Pelas projeções, chegará a 59,6% em seis anos, após recuperação lenta, porém constante. O Brasil também tende a reduzir sua ociosidade a partir de 2017, mas ainda assim a previsão é de que chegue em 2022 com 37% de subutilização das linhas de montagem.
“Nos últimos anos, o Brasil e os demais mercados emergentes foram a bola da vez no setor automotivo e receberam grandes investimentos”, lembra o sócio da PwC no Brasil, Marcelo Cioffi. Nos últimos três anos, além da ampliação da capacidade de fábricas instaladas, novas marcas abriram unidades no País, entre elas, a alemã BMW e a chinesa Chery. Nas próximas semanas, a Jaguar Land Rover deve inaugurar sua planta no Rio de Janeiro.
Alento. O Brasil abriga atualmente 22 marcas de automóveis e caminhões que mantêm 32 fábricas. Até 2017, está prevista a chegada das chinesas JAC (na Bahia) e Foton (no Rio Grande do Sul). A Honda tem uma filial pronta em Itirapina (SP), que aguarda a recuperação do mercado para abrir as portas. “Quando os novos projetos foram definidos não se esperava queda tão relevante nas vendas no País”, ressalta Cioffi.
Na opinião do presidente da Fiat Chrysler Automobiles (FCA) para a América Latina, Stefan Ketter, trabalhar com metade da capacidade instalada “é muito perigoso porque é difícil se sustentar” por muito tempo numa situação dessas. A fábrica do grupo em Betim (MG), a maior do mundo, com capacidade para 800 mil carros ao ano, opera hoje com 40% de ociosidade. No ano passado, a FCA abriu uma unidade da Jeep em Goiana (PE) para 250 mil veículos, e hoje opera plenamente.
O alento para as montadoras brasileiras, na opinião de Cioffi, é buscar o mercado externo, aproveitando a desvalorização do real, mas o ideal seria ir além da Argentina e do México, hoje os principais clientes. “O desafio é ir para outros mercados, notadamente o americano, mas a maioria dos modelos feitos no Brasil são incompatíveis com aquele mercado, que demanda carros de maior porte.”
Os Estados Unidos, após séria crise em 2008 e 2009, hoje operam a todo vapor. Na América do Norte, que inclui Canadá e México, as montadoras trabalham com apenas 9% de ociosidade, o que é um risco, avalia Cioffi. Na crise, pelo menos sete fábricas foram fechadas apenas em Michigan, onde está Detroit, conhecida como a cidade dos automóveis. Em compensação, o país ganhou produtividade.
Puxada pela China – hoje o maior mercado mundial de veículos –, a Ásia utilizava 81% do seu parque industrial automotivo em 2010, uso que atualmente está em 68% em razão da desaceleração do crescimento chinês e também do aumento da capacidade após a invasão de novas fabricantes. Isoladamente, a China deve operar com 35% de ociosidade neste ano.
Na Rússia, a líder do Leste Europeu, o nível de produção é 47% inferior ao potencial produtivo. A Índia, outro emergente que atraiu investimentos nos anos recentes, tem 40% de ociosidade em suas montadoras. Já a União Europeia, região que também passou por sérias dificuldades financeiras, viu o uso da capacidade das fábricas de automóveis passar de 77% em 2010 para 84% atualmente.
Para Iochpe, ‘é o pior momento em 50 anos’
No rastro da queda da produção de veículos, a indústria de autopeças atua com 48% de ociosidade. No primeiro bimestre do ano, seis empresas entraram com pedidos de recuperação judicial. Em todo o ano passado foram 27. “Esse talvez seja o pior momento para o setor dos últimos 40 ou 50 anos”, diz Dan Iochpe, recém-empossado na presidência do Sindicato Nacional da Indústria de Componentes para Veículos Automotores (Sindipeças).
Segundo Iochpe, a situação é mais complicada para as empresas com negócios mais voltados às montadoras, que registram no primeiro trimestre queda de 27,8% na produção. As montadoras representam quase 60% do faturamento do setor. Para as que têm negócios significativos de exportação e reposição o quadro é menos degenerativo.
Nos anos de pico, como em 2013, o setor de autopeças chegou a operar com menos de 10% de ociosidade. Iochpe acredita que só na próxima década a produção voltará aos níveis daquele ano. Em sua gestão nos próximos três anos, o executivo quer reforçar medidas para aumentar a competitividade do setor, a integração internacional e o nível de nacionalização das peças. Sobre o impeachment, diz apenas que, independente de quem estiver no governo, espera medidas que alterem o quadro econômico recessivo atual “para o consumidor voltar a ter confiança no futuro”.