terça-feira, 27 de agosto de 2013

Senado considera inconstitucionais 49 projetos que tratam de infraestrutura de transportes



A Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado declarou hoje (21) inconstitucionais 40 projetos de lei elaborados pela Câmara e nove pelo Senado que tratam de infraestrutura de transportes. Grande parte das propostas queria federalizar infraestruturas estaduais ou municipais, principalmente rodovias, além de reforçar o financiamento de obras de ampliação ou conservação.
Com a decisão tomada nesta quarta-feira, que teve como base um relatório do senador Walter Pinheiro (PT-BA) sobre 52 propostas desse tipo que tramitam na Comissão de Infraestrutura da Casa, os projetos devem ser arquivados.
Pinheiro ressaltou que nenhuma lei em vigor impede a transferência de verbas federais para esse fim, e que a federalização de rodovias não é o único caminho para melhorar essas infraestruturas.
“Os parlamentares interessados em defender o financiamento dessas obras pela União poderão fazê-lo por meio de emendas ao Orçamento Geral da União, caso não se considerem contemplados com o projeto submetido ao Congresso Nacional pelo Poder Executivo, independentemente da titularidade da infraestrutura”.
Ainda segundo Pinheiro, é possível, por meio de convênio de cooperação ou de desapropriação, a transferência de bens entre os entes da Federação, inclusive da infraestrutura de transporte.
Já a construção de rodovias, ferrovias ou portos dependeria, segundo o relator, de estudos técnicos e econômicos justificando a necessidade. Esse papel está sob responsabilidade da Empresa de Planejamento e Logística (EPL), criada pelo governo em 2012.

Agência Brasil

segunda-feira, 26 de agosto de 2013

Os escrachos e um novo fenômeno de participação social. Entrevista especial com Ivana Bentes

Confira a entrevista.
“Os desorganizados” são a “novidade” das manifestações que tomaram as ruas de várias cidades brasileiras nos meses de junho e julho, avalia a jornalista Ivana Bentes, em entrevista concedida à IHU On-Line por e-mail.
Eles entraram em cena com “seus cartazes, memes, fantasias, como se estivessem postando em uma timeline, com expressões singulares e inventivas, muitas vezes sozinhos ou em pequenos grupos de amigos”, assinala.
Na avaliação dela, trata-se de um “momento intenso de potencialização política e da emergência de novos discursos e atores, que usam as redes sociais e se organizam conectando redes digitais com os territórios e os corpos”. E acrescenta: “Olhando para as imagens produzidas, cartazes, memes na internet, hashtags, vídeos e fotografias, encontramos uma transversalidade e complementariedade desses movimentos e discursos”.
Ivana também analisa as narrativas de comunicação que surgiram com os protestos, e assegura que “a comunicação é a própria forma de mobilização, não é simplesmente uma ‘ferramenta’”. Ou seja, trata-se de uma “esfera midiática ativista”. E dispara: “A comunicação feita em tempo real pela Mídia Ninja, por exemplo, já é uma manifestação política e mobilizadora”. Para ela, a “Mídia Ninja não pode ser reduzida ao campo do jornalismo, mas aponta para um novo fenômeno de participação social e de midiativismo (ativismo e protestos), que utilizam a mídia e as redes sociais e celulares móveis e outras tecnologias para produzir um estado de comoção e de mobilização”.
Ivana Bentes é graduada em Comunicação Social, mestre e doutora em Comunicação pela Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ. Atualmente leciona no Programa de Pós-Graduação em Comunicação da mesma universidade, onde também é diretora da Escola de Comunicação. É autora de Cartas ao Mundo: Glauber Rocha (Companhia das Letras, 1997) e Joaquim Pedro de Andrade: a revolução intimista (Editora Relume Dumará, 1996). É co-editora das revistas Cinemais: Cinema e outras questões audiovisuais e Global (Rede Universidade Nômade).
Confira a entrevista.
                Foto: www.iabrj.org.br
IHU On-Line - Que análise faz acerca do uso das imagens e das redes sociais nas manifestações que ocorreram no Brasil? Quais são os discursos presentes nas imagens e nas redes?
Ivana Bentes - As manifestações e protestos no Brasil que explodiram em junho/julho são um acontecimento no sentido mais radical dessa palavra, expressam uma crise profunda que é quando não suportamos mais aquilo que suportávamos antes e faz ver o que tem de intolerável num determinado contexto ou momento. Ao mesmo tempo é a condição para emergir novas possibilidades de vida, de pensamento político, de formas de convivência. É uma redistribuição dos desejos.
E mesmo os protestos irrompendo de forma imprevisível, já havia um imaginário agindo e mobilizando: a luta contra a usina hidrelétrica de Belo Monte e defesa das terras e cosmovisão indígenas; as Marchas da Liberdade em todo o Brasil em 2011; o movimento de ocupação das praças e espaços público em 2012; a mobilização na Cúpula dos Povos durante a Rio +20; a comoção em torno de Pinheirinho e das mortes de jovens nas periferias do Brasil; as centenas de petições online com milhares de assinaturas em torno das mais diferentes causas; o movimento Existe Amor em SP que mobilizou os coletivos e parte da periferia de São Paulo; os bombeiros do Rio em confronto com o governo; as marchas do MST atravessando o pais, a Marcha das Vadias; a Marcha da Maconha etc.
Destaco a emergência de novas linguagens nesses movimentos urbanos: as mulheres da Marcha das Vadias exibindo seus seios e corpos pintados, reivindicando direitos e liberdade, ou as bicicletadas, com os manifestantes pedalando nus pelas avenidas e ruas de São Paulo e enfatizando a relação do corpo com seu transporte e fazendo do corpo outdoors contra as mortes dos ciclistas numa cultura dominada por automóveis.  Ou ainda os corpos em risco e confronto dos Black Bloc.
Ou seja, falamos de uma reinserção do corpo e dos corpos nas manifestações. Estamos nesse momento intenso de potencialização política e da emergência de novos discursos e atores que usam as redes sociais e se organizam conectando as redes digitais com os territórios e os corpos. Olhando para as imagens produzidas, cartazes, memes na internet, hashtags, vídeos e fotografias, encontramos uma transversalidade e complementariedade desses movimentos e discursos. Trata-se de um momento decisivo em que demandas singulares e plurais se encontram num impulso de mobilização e ação.  Em termos estéticos o que vi nas ruas foi uma espécie de carnaval político com blocos de manifestantes em tornos de causas, geralmente de grupos mais organizados e corporativos, movimentos que já estavam aí.
Desorganizados
Mas a grande novidade foi a entrada em cena dos desorganizados que vieram nas manifestações com seus cartazes, memes, fantasias como se estivessem postando em uma timeline: com expressões singulares e inventivas, muitas vezes sozinhos ou em pequenos grupos de amigos.
Percorrer essa “linha de tempo” nas ruas, com os “posts” passando com seus apelos e formas de comover e buscar a atenção, a necessidade de se fazer um percurso dentro mesmo das manifestações para não “congelar” os sentidos foi uma experiência nova. A violência dos embates dos corpos dos manifestantes com a polícia é outro ponto decisivo. Violência que saiu do cotidiano das periferias para impactar (com imagens chocantes e mobilizadoras) o imaginário do país todo.
O que vi de mais próximo do que está acontecendo agora no Brasil, em termos de linguagem, foram as Marchas da Liberdade, em 2011, que conseguiram juntar e dar visibilidade aos novos movimentos urbanos. Tenho a impressão (ver aqui o texto que escrevi sobre “A Marcha da Liberdade e os futuros alternativos” em 2011 http://www.trezentos.blog.br/?p=5909) que 2013 foi 2011 + 2012 elevado a enésima potência e com a entrada das periferias e dos pobres, a chamada “classe C”, pós políticas de redistribuição de renda e emergência de outros imaginários nas disputa das cidades.
Retomo a questão que emergia em 2011, de um movimento de movimentos, transversal, que não tinha nem tem um objetivo único, mas diferentes reivindicações, muito pontuais de um lado e muito amplas, como a liberdade, a participação direta, as políticas de descriminalização das minorias, das drogas e de comportamentos. Ou seja, demandas pela ampliação das liberdades e dos direitos.
Linguagens
Outro ponto em comum em termos de linguagens e que marcam as Manifestações de junho/julho: abolição dos carros de som (que monopolizam os discursos), o surgimento de micro grupos com seus pequenos megafones, músicas e paródias. Cartazes escritos à mão, colaborativos e singulares, muitos feitos apenas momentos antes, na rua mesmo. Uma “postagem” coletiva na rua, conectada aos territórios e às timelines, com grupos conectados às lutas históricas e o afluxo de uma outra multidão, dos “desorganizados”, a grande novidade dessas manifestações
2011/2012 foi em parte um ensaio geral para 2013, inclusive em termos de uso das redes sociais e as transmissões ao vivo pela internet com uso de celulares e 3G na mão dos manifestantes postando fotos nas redes sociais, chamando para as ruas no Twitter, com os debates sobre as marchas e mobilizações na Postv.org .
Foi nessas manifestações que vi, pela primeira vez, o poder e a potência do ao vivo, funcionando não como “jornalismo” ou reportagem, mas como mídia de comoção e de mobilização, como midiativismo, como vimos agora, realizados pelo mesmo grupo que está na base da Mídia Ninja, a rede Fora do Eixo articulada com muitos outros movimentos e coletivos de São Paulo.
Panela de pressão
É importante destacar que foi a luta pelo barateamento dos transportes públicos, tendo como horizonte a Tarifa Zero, em termos políticos e de imaginário, que fez explodir essa panela de pressão, a luta dos 0,20 centavos do Movimento Passe Livre - MPL de São Paulo. Um movimento com oito anos que sempre saiu às ruas, que ganhou essa dimensão massiva, como a gota d’água, que faz explodir e inundar o país em torno de uma questão decisiva, material, mas que incide no cotidiano de milhões de brasileiros.
A vitória do Movimento Passe Livre em São Paulo, Rio de Janeiro e outras cidades, forçando os governantes a revogarem o aumento na tarifa de ônibus, trem e metrô diante das mobilizações nas ruas, não parou os protestos. O que mostra que o nível de insatisfação e as pautas eram muito mais amplas: os gastos com os mega-eventos e a Copa do Mundo, as remoções dos pobres de suas casas, projetos de gentrificação das cidades, a criminalização de comportamentos (gays, mulheres, minorias), o “estado de exceção” nas periferias com morte cotidiana de Amarildos etc.
Ao mesmo tempo, a violência da polícia nas manifestações em São Paulo e depois no Rio de Janeiro e em todo o Brasil foram decisivas para mobilizar e indignar, mesmo depois que o MPL saiu da organização dos protestos e juntou-se às demais manifestações, a indignação explodiu e as pautas se ampliaram e alastraram de forma plural.
Violência
Esse efeito de indignação passa pelas milhares de imagens postadas em tempo real das caras e corpos violados por balas de borracha que atingiram os rostos de manifestantes e jornalistas, as bombas de gás lacrimogêneo e spray de pimenta atiradas contra a multidão, sem nenhuma interlocução.
A violência da polícia (como na repressão da Marcha da Maconha em 2011) fez explodir um contra-discurso em tempo real, ao vivo e em fotos e mensagens postadas nas redes. A rejeição e indignação se tornou viral com milhares de denúncias de uma polícia militarizada e bélica, vinda do modelo e mentalidade da ditadura militar atuando de forma radical e excessiva nas manifestações de ruas.
A violência da polícia nas manifestações de junho/julho fez entrar em cena a estratégia Black Bloc de ataque aos signos e simbologias das corporações, marcas, bancos e a emergência de uma linguagem da violência, politizada, com seus participantes de negro, coturnos e máscaras cobrindo o rosto.
Sobem os cartazes feitos à mão na sua singularidade e se baixam as bandeiras prontas e os cartazes massificados por quem tem estrutura e organização. É sintomático que nas primeiras manifestações, em São Paulo, a hostilização das bandeiras partidárias e de seus filiados tenha criado um constrangimento novo, que apontou para a crise e limites da democracia representativa. Um conflito que se distensionou adiante, mas não desapareceu.
Popularização dos “Escrachos”
Em termos de linguagens os protestos de junho/julho popularizaram os “escrachos” ou “escraches”, nome dado a uma estratégia de constrangimento e pressão em que os ativistas se dirigem para a casa ou lugar de trabalho de alguém que querem denunciar e que simboliza uma causa. Essa estratégia/linguagem surgiu na Argentina, para expor, em frente as suas casas, para a sua vizinhança.
Acho importante destacar que o escracho força os limites do público e do privado ao levar os protestos e constrangimentos para a casa, vizinhança, locais da vida privada de personagens públicos, inclusive de forma violenta. Destaco ainda o uso de fantasias, máscaras, encenações, música, performance, confrontos com vítimas, e o humor. No Brasil o escracho aos militares que comemoraram o Golpe de 1964 no Clube Militar do Rio de Janeiro com projeção das imagens das vítimas da ditadura em 2012 é um exemplo.
Durante as manifestações vimos um momento extraordinário de escracho com o evento/protesto mobilizado pelas redes sociais chamado “O Casamento de Dona Baratinha”, convidando os manifestantes a participarem da festa de casamento de Beatriz Barata, neta do maior empresário de ônibus no Rio de Janeiro, Jacob Barata, um dos alvos dos protestos contra a precariedade e privatização dos transportes públicos no rastro do Movimento Passe Livre - MPL.
O escracho começou na cerimônia de casamento na Igreja do Carmo, com cartazes e manifestantes vestidos de noivas e acabou numa manifestação performance de humor e constrangimento na porta do Hotel Copacabana Palace, signo do luxo e da elite no Rio de Janeiro. O nível de violência simbólica e real nesse escracho, com a abordagem dos convidados nos seus carros importados chegando à festa numa data simbólica, o 14 de julho da Revolução Francesa.
A “tomada” do Copacabana Palace (com um pequeno grupo protestando na sua entrada) foi um dos menores atos em termos de números de pessoas, mas significativo em termos de guerrilha simbólica. Manifestantes vestidas de noivas e de garçons, buzinaço, panelaço, referências às marcas e imaginário de luxo e das socialites (Louis Vuitton, Chanel, champanhe, Botox, carrões, desfile de roupas e ostentação etc.) foram se contrapondo às performances, falas e atos que se referiam ao mundo dos busões, tarifas, precariedade, lotações, esperas e indistinção que marca o serviço de transporte público oferecido a população.
Tudo isso com transmissão online pelos canais da Mídia Ninja, que enfatizava de forma humorada, mas constrangedora, a relação da elite carioca e seu governante Sérgio Cabral com os empresários do transporte, e escrachava esse “casamento” entre diferentes poderes.
Constrangimentos
Os constrangimentos aos convidados que chegavam à porta da Igreja e do Hotel de luxo; a divulgação da lista de caros presentes para a noiva na H. Stern, os custos mirabolantes da festa, produziram fatos que saíram do simbólico: um convidado dos noivos atirando um cinzeiro na testa de um manifestante, um convidado atirando da sacada aviõezinhos feitos com notas de 20 reais e xingamentos e hostilidades entre os grupos.
A cobertura na grande mídia da ação performática acabou focando menos na questão política dos transportes públicos e mais nas estratégias e embates dos manifestantes. Um tipo de esvaziamento constante na cobertura da grande mídia, que contrasta com o papel decisivo e ativo dos midialivristas.
Esse tipo de linguagem, como o evento “Missa de sétimo dia dos manequins da Toulon”, loja destruída durante as manifestações no Rio de Janeiro, chamaram atenção para o desequilíbrio do noticiário sempre em defesa da “privacidade” dos noivos, do patrimônio público, das marcas e lojas afetados pelos protestos, que despolitizam essas ações como “vandalismo”.
Na convocação para a “missa de sétimo dia” para os manequins da loja, o texto do evento no Facebook deixa claro sua ironia e proposta: “Vamos nos reunir para homenagear os manequins queimados, pois são mais valiosos do que as pessoas que foram assassinadas na Maré. Viva o falso moralismo! Pela morte dos manequins. Pelas vítimas da Maré. PEC, Desmilitarização da PM, Impeachment do Sérgio Cabral; Contra a quebra de sigilo na internet imposta pelo Cabral”.
Ainda no campo da linguagem e dos escrachos, o acampamento e os protestos diante do apartamento do governador do Rio de Janeiro, Sérgio Cabral, criou um fato político e midiático, em que o Estado mobiliza as forcas policiais e protagoniza um embate campal, com bombas de gás lacrimogêneo, repressão violentíssima, spray de pimenta e prisões em um dos bairros da elite carioca, o Leblon.  A forca simbólica e memética dessas imagens e narrativas foram decisivas para a viralização da indignação.
IHU On-Line - Percebe algo “comum” nas manifestações das ruas?
Ivana Bentes - A forma rede, na sua configuração P2P, cooperativa, desindividualizada, não responde mais aos atos de fala e de comando vindos de uma centralidade qualquer (partidos, mídia, ONGs, grupos já previamente organizados etc.), mas emerge como uma rede policêntrica ou distribuída, capaz de se articularlocal globalmente, numa conexão máxima e capaz de rivalizar (inclusive por sua imprevisibilidade) com as redes constituídas dos poderes clássicos. Ao mesmo tempo, acho equivocada a crença de que os grupos que se auto-organizam consigam se manter sem uma força aglutinadora  e sem trabalho de organização.
IHU On-Line - No caso específico da articulação durante as manifestações, que semelhanças e disparidades percebe entre a divulgação de informações pelas redes sociais e pelas mídias tradicionais? Percebe que os jovens, por exemplo, articulam-se pelas redes, mas a grande massa ainda é informada a partir da imprensa tradicional? Como essas duas formas de interação e informação repercutem nas manifestações?
Ivana Bentes - Vimos a passagem entre esses dois sistemas, que são complementares. Pois da mesma forma que a mídia tradicional informava o grande público, essas mesma matérias repercutiam nas redes e eram criticadas, desconstruídas, analisadas, confrontadas com outras informações e análises.  O que vejo de semelhanças é o reconhecimento da força do ao vivo. A grande mídia custou para perceber que a intensidade do que se passava tinha que ter um fluxo de transmissão direta.  Já nas redes esse fluxo do ao vivo e a possibilidade de transmitir os embates quando os jornalistas já tinham se retirado (confrontos da policia com os manifestantes, portas de delegacia, pequenos acontecimentos de resistência) foram o diferencial das mídias livres. Outra diferença foi a participação dos espectadores nos chats de transmissões das mídias livres, informando, comentando, orientando as transmissões de forma realmente interativa e intensa.
Fenômenos como a Mídia Ninja estão para as novas mídias como a informalidade do Pasquim no jornalismo alternativo dos anos 1970, ou um programa como o Abertura do Glauber Rocha, desengessando as regras da imprensa e da televisão.  As redes criam pautas novas, que foram incorporadas pela grande mídia e ao mesmo tempo repercutiram, desconstruíram e resignificaram as matérias da TV. A linguagem desengessada e urgente fala diretamente para os jovens e para todos que buscam linguagens experimentais próximas do cotidiano e da vida.
IHU On-Line - Pode nos explicar em que medida as imagens, as redes sociais e a mídia de guerrilha estão no centro dos acontecimentos?
Ivana Bentes - Estamos diante de uma mobilização global político-afetiva nas ruas e nas redes. O 15M espanhol torna-se decisivo como referência, ao transmitir ao vivo durante centenas de horas ininterruptas e com milhões de visitas e acampados virtuais, utilizando ferramentas de geo-referenciamento para fincar bandeiras e cartografar acampamentos em praças reais e virtuais por toda a Espanha, e depois pelo mundo com o Occupy Wall Street, e as manifestações de junho e julho no Brasil.
Também no Brasil foram utilizados as mais diferentes ferramentas e linguagens (imagens viralizadas, vídeos, postagens, tweets, hashtags,) para criar ondas de intensa participação, em que a experiência de tempo e de espaço, a partilha do sensível, a intensidade da comoção e engajamento, são construídos num complexo sistema de espelhamento e potencialização entre redes e ruas. Nesse sentindo a comunicação é a própria forma de mobilização, não é simplesmente uma “ferramenta”, esse é o sentido dessa esfera midiática ativista. A comunicação feita em tempo real pela Mídia Ninja, por exemplo, já é uma manifestação política e mobilizadora.
IHU On-Line - Que novas formas de mídia surgiram por causa das manifestações? Qual a peculiaridade e atuação da Mídia Ninja no Facebook e no Twitter? A partir da experiência da Mídia Ninja, que potencial vislumbra para as redes sociais enquanto instrumento para participação política?
Ivana Bentes - Em primeiro lugar a Mídia Ninja não pode ser reduzida ao campo do jornalismo, mas aponta para um novo fenômeno de participação social e de midiativismo (ativismo e protestos), que utilizam a mídia e as redes sociais e celulares móveis e outras tecnologias para produzir um estado de comoção e de mobilização.
A Mídia Ninja - Narrativas Independentes Jornalismo e Ação cobriu, colaborativamente, as manifestações em todo o Brasil, "streammando" e produzindo uma experiência catártica de “estar na rua”, obtendo picos de 25 a 100 mil pessoas online, o que é inédito para uma mídia independente feita em sua maioria por jovens que não são jornalistas, mas ativistas.
A Mídia Ninja, assim como as dezenas de outras iniciativas de mídia autônoma, fez emergir e deu visibilidade ao “pós-telespectador” de uma “pós-Tv” nas redes, com manifestantes virtuais que participam ativamente dos protestos/emissões discutindo, criticando, estimulando, observando e intervindo ativamente nas transmissões em tempo real e se tornando uma referência por potencializar a emergência de “ninjas” e midialivristas em todo o Brasil.
Indo além do “hackeamento” das narrativas, a Mídia Ninja passou a pautar a mídiamcorporativa e os telejornais ao filmar e obter as imagens do enfrentamento dos manifestantes com a polícia, a brutalidade e o regime de exceção (policiais infiltrados jogando coquetéis molotov, polícia a paisana se fazendo passar por manifestantes violentos, apagamento e adulteração de provas, criminalização e prisão de midiativistas, estratégias violentas de repressão, gás lacrimogêneo e balas de borracha etc.).
Ninja Somos Todos, o midialivrismo e o midiativismo se encontram numa linguagem e experimentação que cria outra partilha do sensível, experiência no fluxo e em fluxo, que inventa tempo e espaço, poética do descontrole e do Acontecimento. A Mídia Ninja explodiu porque são símbolos de uma Mídia da Multidão, pois também criam fatos políticos, intervém nos fatos, e se tornam parte das notícias (os integrantes do Mídia Ninja foram detidos e presos pela polícia acusado de incitarem as manifestações).
Midialivrismo
A Mídia Ninja é a face mais visível de um fenômeno mais amplo de midialivrismo, que conseguiu provar, através das filmagens ao vivo, a existência de policiais infiltrados nas manifestações, policiais à paisana cometendo atos de violência e fora da lei. Ou seja, além de produzirem fatos e participarem das manifestações mostrando as causas, pautas e motivos dos protestos, a Mídia Ninja passou a pautar a mídia corporativa e os telejornais (como o Jornal Nacional, da Globo, e jornais) ao filmar e obter as imagens do enfrentamento dos manifestantes com a polícia.
Essa prática, de vigiar a polícia com câmeras e fotos, é conhecida como “Copwatch”, é uma estratégia midiativista de usar transmissões online para expor e monitorar polícia online. Essa é a diferença do miditivismo para o jornalismo de relato que dá a notícia e vai embora, alheio as suas consequências. Além de "sofrerem" todas as arbitrariedades e violência junto e de dentro das manifestações, o "pós-jornalismo" e midiativismo usa o poder/potência de exposição online das autoridades policias, delegados, ao monitoramento dos muitos e a multidão em tempo real.
Foi com essa estratégia que a Mídia Ninja foi para a porta da 9a. DP do Catete no Rio de Janeiro, e depois seguiu para a porta do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro depois da prisão de dois dos seus integrantes e manifestantes. A Mídia Ninja transmitiu online a prisão de um de seus integrantes, fez plantão até que 11 deles fossem liberados, e ainda permaneceram numa vigília midiativista em frente ao Tribunal de Justiça - TJ do Rio de Janeiro até o habeas corpus do último deles, levado para Bangu.
Na madrugada, com uma multidão ao vivo e outra online, colocaram nos TTs mundiais a hashtag #BrunoResiste e pela manhã #BrunoLivre, referindo-se ao jovem acusado sem provas de portar explosivo e que passou a ser acompanhado pelos ativistas e manifestantes e pela Ordem dos Advogados do Brasil - OAB.
Dossiê público
As manifestações de junho/julho no Brasil reinventaram a prática do Copwatch (também Cop Watch) já existente como uma rede de organizações ativistas nos Estados Unidos, no Canadá, e na Europa, com objetivo de observar e documentar a atividade policial, enquanto procura sinais de má conduta, brutalidade e arbitrariedade policial.
A OAB, por meio das dezenas de advogados que prestam auxílio jurídico aos manifestantes, e nos embates com a polícia, vem adotando essa prática e solicitando que manifestantes filmem e subam nas redes os vídeos, fotos num inédito dossiê público audiovisual que servirá como documentação e prova das arbitrariedades cometidas pela polícia.
Trata-se de usar o efeito-mídia não simplesmente de forma sensacionalista, mas ativista e consequente. O monitoramento da atividade policial nas ruas é uma forma de expor, desconstruir e acabar com a brutalidade policial que, no Brasil, ainda adota o símbolo da "caveira",  da guerra brutal contra “inimigos” e não a policia cidadã. O Copwatch foi iniciado em Berkeley, Califórnia, em 1990, e está sendo reinventado no Brasil neste junho/julho de 2013 e depois.
A Mídia Ninja catalisou esse "contra-discurso" ao mostrar a brutalidade e o regime de exceção da polícia, com policiais infiltrados jogando coquetéis molotov, políciia à paisana se fazendo passar por manifestantes violentos, criminalização e prisão de midiativistas, estratégias violentas de repressão com gás lacrimogêneo e balas de borracha etc. Enquanto a mídia corporativa mostrava apenas as razões para reprimir, a Mídia Ninja mostrou as razões para protestar.
Estamos vendo surgir uma nova forma midiática de intervenção política e participação social, um novo midiativismo e a possibilidade de criação de uma rede de Pontos de Mídia articulada de forma horizontal e distribuída em todo o Brasil. Ou seja, a Mídia Ninja é uma ativadora de desejos e de mundos, disputando narrativas, memes, causas e dando visibilidade a pluralidade de mundos e projetos políticos.
IHU On-Line - O que significa pensar uma consciência em rede? Desta consciência, pode surgir uma consciência política?
Ivana Bentes - Exprimir o “grito”, como escreveu Jacques Ranciere, tanto quanto dar a palavra a outros sujeitos políticos é o modo de desestabilizar a partilha do sensível e produzir um deslocamento dos desejos e constituir o sujeito político multidão. Trata-se de política como comoção, catarse, mas também negociação e mediação.
Essa mobilização política-afetiva (processo e irrupção de um acontecimento diferencial das lutas políticas desse início de século), sua capacidade de contágio, levou multidões às praças e ruas e constituiu um só fluxo, intenso, com os manifestantes acampados da Porta do Sol aos manifestantes nas ruas das cidades brasileiras nas Jornadas de Junho, derrubando e destruindo os símbolos de corporações, dos governos e do Estado.
IHU On-Line Quem são os Black Bloc e como a atuação deles é interpretada nas manifestações?
Ivana Bentes - Os Black Bloc são uma estratégia de ação, uma tática desenvolvida por manifestantes, grupos políticos e ativistas desde os anos 1980, na Alemanha, presentes nos anos 1990, em Seattle, e nos protestos antiglobalização, táticas que “viajam” de forma cada vez mais rápida e são incorporadas pelos manifestantes em todo o mundo. É a globalização das linguagens da resistência. Seattle, 1999, Gênova, 2001, Toronto, 2010, Protestos de Londres, Occupy Wall Strett, 2011, Egito, Turquia, 2012, e Brasil, 2013.
É importante ressaltar que utilizam a violência e o ataque a símbolos do capitalismo e destroem e depredam signos (fachadas de agências bancárias, vitrines de lojas, caixas de banco, anúncios e placas publicitárias, outdoors etc.).
Ou seja, trata-se menos de um ataque e “destruição do patrimônio”, como enfatiza a grande mídia, e mais de um ataque e guerrilha semiótica, contra os signos. A estetização e a linguagem começam nas roupas pretas, coturnos, máscaras cobrindo o rosto, que cria um “bloco negro” de proteção entre os manifestantes e a polícia. Essa função de proteção estava na origem da tática nos anos 1980 na Alemanha. Nos anos 1990 surgiram as ações violentas como em Seattle, em 1999, nos protestos contra a Organização Mundial do Comércio – OMC, quando os Black Bloc destruíram o centro econômico da cidade.
O debate sobre o uso ou não das máscaras nas manifestações foi importante para explicitar como o limite do legal e ilegal depende de um Estado e corporações que disputam o monopólio da força e das leis. Tentou-se proibir o uso de máscaras pelos manifestantes e ao mesmo tempo se admitia o rosto coberto e a não identificação de policiais nos confrontos.
Os Black Bloc, com a estética das máscaras e “uniforme”, se igualam simbolicamente aos policiais. E se tornam ao mesmo tempo os protetores dos manifestantes, mas também aqueles que, no imaginário da mídia de massa, são os provocadores da violência e os incitadores. Essa visão, a meu ver, distorcida, dos vândalos, dos depredadores, também foi disputada nas redes, que questionaram a tentativa de criminalizar uma ação política. Também foram as ações violentas dos Black Bloc em represália a repressão policial que tiveram grande repercussão nas redes sociais, como uma violência de resistência com sinal positivo. Acho que podemos dizer que os Black Bloc fizeram emergir uma estética e pedagogia da violência.
  
IHU On-Line - Deseja acrescentar algo?  
Ivana Bentes - A Mídia Ninja despertou um debate nacional sobre o jornalismo clássico e a possibilidade da emergência das mídias da multidão. A entrevista de Bruno Torturra, do Mídia Ninja, e de Pablo Capilé, no Roda Viva, deixaram os entrevistadores da grande imprensa atônitos e logo em seguida o programa disparou não apenas um debate sobre mídia, comunicação e jornalismo, mas  um processo de linchamento público  (vindo do campo conservador e de pessoas nas redes sociais) em torno do Fora do Eixo, que laboratoriou esse projeto (como já expliquei acima, desde as Marchas da Liberdade em 2011).
Vimos outro fenômeno de redes se configurar: a reação das grandes empresas conservadoras, como a Revista Veja e uma espécie de histeria denuncista envolvendo aspectos morais que buscam desqualificar a reputação do Fora do Eixo e desmoralizar uma de suas lideranças de maior visibilidade, Pablo Capilé. As acusações em sua grande parte não tem incidência jurídica, legal, consistente, mas uma espécie de viral de difamação (sem checagem, apenas com base no emocional dos depoimentos de pessoas rompidas com o Fora do Eixo).
Desqualificação violenta da sua forma de organização como de "seita" (quando se trata de uma rede coesa e orgânica), tentativa de criminalizar o sistema de colaboração livre como “trabalho escravo”, malversação dos princípios da economia solidária em “mais valia”.  Quando o que temos são pessoas trabalhando livremente para uma rede que retorna o trabalho em moradia, roupa, serviços, viagens, rede de relações, reputação, formação etc. Desmonetizando as relações e criando um capital coletivo. Criminalização de comportamentos (amor livre, novas relações afetivas, padrões de comportamento desconfigurados) e uma amplificação dos problemas da convivência em grupo (rompimento de relações afetivas, sexuais, de identificação com o grupo), violências subjetivas comuns ao convívio intenso e presentes em todos os grupos sociais (família, escola, empresa, clube, etc.). É um campo para ficar atentos. A difamação na era da velocidade técnica e as formas de construção e desconstrução das reputações em tempo real.

sábado, 24 de agosto de 2013

Diretrizes para o Pacto Nacional da Mobilidade tem mais uma vitoria na sua elaboração.




Resultado das manifestações de rua o Pacto pela mobilidade urbana conclui mais uma fase de trabalhos com propostas sobre recursos de investimentos e fontes de custeio, gestão e planejamento e capacitação de órgãos públicos , tarifa justa ;subsídios e desonerações e transparência e controle social, tendo como pano de fundo a implementação lei da Mobilidade Urbana (lei 12.587/12). De acordo com o governo federal, o esforço visa estabelecer o que vem sendo chamado de “diretrizes do Pacto Nacional de Mobilidade Urbana”, que tem entre outras propostas onde aplicar os recursos adicionais da ordem de R$ 50 bilhões que irá se somar aos já liberados de 90,6 bilhões para sistemas estruturais, qualificação de vias, financiamento de frotas e condicionará a liberação de recursos federais para o setor .

Desde de julho, por solicitação da presidência da República e sobre a coordenação do Ministro das Cidades , no âmbito do Comitê Técnico de Trânsito, Transporte e Mobilidade Urbana, do Conselho Nacional das Cidade, as propostas vêm sendo elaboradas e sistematizadas com participação de representantes do governo federal  -- ministérios das Cidades e do Planejamento, Orçamento e Gestão e de organizações e especialistas e movimentos convidados, em particular o Movimento do Passe Livre-MPL. Já houveram duas reuniões dia 23 e  31 de julho

Esse trabalho foi realizado nos dias 19 e 20 de agosto de 2013, em Brasília uma reunião em continuidade ao trabalho já desenvolvido em outra reunião no de todos os envolvidos na preparação das propostas. Nazareno Affonso representando a ANTP e o MDT esteve presente nos dois dias, onde foi dada continuidade ao processo de sistematização de 155 propostas recebidas, tendo como base o enquadramento das propostas em quatro campos, cada um dos quais com um grupo de analistas integrado por membros Comitê Técnico de Trânsito, Transporte e Mobilidade Urbana, do Conselho Nacional das Cidades e convidados.

Os grupos. O Grupo 1 – Fonte de recursos e investimentos da infraestrutura de mobilidade urbana examinou 22 propostas. O Grupo 2 – Gestão, planejamento, cooperação e articulação das políticas de mobilidade urbana entre os entes federados e Regiões Metropolitanas, promoveu o exame de 81 propostas. O Grupo 3 – Serviço público de transporte – custos e tarifas, políticas sociais e sustentabilidade do sistema, onde participou o representante da ANTP, examinou 33 propostas. O Grupo 4 – Controle e participação social na política nacional de mobilidade urbana, fez o exame de 19 propostas. Foram critérios para o exame que as propostas estivessem sintonizadas com Lei de Mobilidade Urbana (Lei 12.587/12), com o sentido de integração de políticas públicas urbanas e com o Estatuto das Cidades e os marcos regulatórios das áreas de habitação e saneamento.

Na manhã dos segundo dia, foram apresentadas as conclusões de cada um dos grupos, sem que houvesse uma deliberação a respeito delas. Isso porque, não havia tempo hábil até a chegada das autoridades para sistematizar as propostas que gastaram quase duas horas para serem apresentadas aos demais grupos. Como alternativa se decidiu elaborar uma proposta de Resolução do Conselho das Cidades que apresenta-se os eixos básicos do conjunto das propostas.

O resultado dos trabalhos foi apresentada ao ministro das Cidades, Aguinaldo Ribeiro, presidente do Conselho das Cidades, que participou da etapa final do encontro ao lado de Olavo Noleto Alves  Subchefe de Assuntos Federativos (SAF) do Ministério da Secretaria de Relações Institucionais, Mauricio Muniz , Secretario dos PACs e Angela  Gomes , Secretaria da Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social- CDES.

O representante da ANTP fez um relato do processo de elaboração das propostas e contextualizou a resolução dizendo que ela era a base para se estruturar e condensar as propostas elaboradas e que não houve tempo hábil para esse trabalho. Getulio da CONAM- Confederação Nacional das Associações de Moradores fez a apresentação dos conteúdos da resolução.

O Subchefe de Assuntos Federativos ponderou que a resolução poderia engessar a proposta e dificultar o processo de discussão  e como resolução ela teria de ser aprovada pelo pleno do Conselho das Cidades, que se reunirá somente em setembro . O conteúdo da resolução ficou então caracterizado como eixo estruturador do documento final.

Foi então constituído o grupo formado por dois elementos de cada segmento do Comitê de Transporte e Mobilidade do qual faz parte o conselheiro da ANTP , Nazareno Affonso, acrescido de dois diretores da SEMOB e um representante da Secretaria do PAC que darão formato final ao conjunto de propostas.

Comitê de Articulação Federativa. O documento será apresentado por uma equipe formada entre os membros do grupo de síntese no dia 12 de setembro de 2013 em uma reunião do Comitê de Articulação Federativa (CAF) o que significará o início efetivo de negociação das propostas com representantes das esferas federal , estadual, distrito federal e municipal de governo. 





segunda-feira, 19 de agosto de 2013

Metade das capitais do país não faz licitação de ônibus, mostra levantamento


O transporte urbano em metade das capitais do país não é licitado. Levantamento feito pelo GLOBO em órgãos de Transportes nas 26 capitais e no Distrito Federal aponta que o setor que foi o pivô das manifestações de junho — iniciadas justamente pelo aumento da passagem de ônibus — continua, em metade das principais cidades, sendo operado por empresas que ganharam permissões e autorizações décadas atrás, mas que nunca passaram por uma licitação para regular o sistema.
Mesmo em muitas capitais que fizeram licitação — que permite que o poder público regule melhor o serviço e garanta seleção dos melhores preços —, o processo é recente. No Rio, a primeira licitação foi feita em 2010.
Além da falta de licitação, o transporte urbano no país enfrenta, ainda, o fato de que muitas empresas continuam a contratar com o poder público apesar de terem dívidas milionárias. Dever quase R$ 3 bilhões não impede que empresas continuem a vencer licitações no Rio, em São Paulo e em Belo Horizonte: O GLOBO levantou, na lista de inscritos na dívida ativa da União, utilizando CNPJs de empresas e CPFs de empresários de transporte urbano, que 49 empresas e 17 empresários do ramo devem R$ 2,8 bilhões. A título de comparação, isso equivale a 342 vezes o valor pago para investimento, no primeiro semestre deste ano, dentro do orçamento de 2013 do Ministério dos Transportes.
SP: lucro de R$ 400 milhões por ano
As regiões Sul e Nordeste têm, cada uma, apenas uma capital com esse serviço licitado: Curitiba e João Pessoa. No Centro-Oeste, todas as capitais têm licitação. E, no Norte, há três com licitação.
No Sudeste, todas as capitais têm licitação, exceto Vitória. No município do Rio, com quatro consórcios, a licitação chegou a ser alvo do Tribunal de Contas do Município (TCM), que abriu investigação sobre suposta formação de cartel. À época, foi divulgado que Jacob Barata Filho aparecia como sócio de sete empresas, e que, ao todo, 12 empresários tinham participação em mais de uma empresa. Mas o TCM arquivou o processo e, agora, uma CPI foi aberta na Câmara Municipal.
— Não há concentração. A pessoa física com maior participação possui 5,18%. Se o critério for por grupos familiares, tem 11% — diz Lélis Teixeira, que preside o Rio Ônibus, Sindicato das Empresas de Ônibus da cidade do Rio.
— Vimos que não há cartel, mas agora o TCM vai apurar questões nebulosas como custo, frequência dos ônibus, fiscalização. E dois auditores vão acompanhar a CPI — conta Thiers Vianna Montebello, presidente do TCM do Rio.
Em São Paulo, a licitação realizada em 2003, que venceria este ano, foi prorrogada por até um ano; a prefeitura cancelou a nova licitação que ocorreria em 2013, para estudar novo modelo do sistema, que deve ficar pronto até ano que vem. Deve ser lançado só após ser concluída a CPI que ocorre hoje na Câmara municipal.
— A ideia é esperar sua conclusão justamente para haver discussão. A qualidade do serviço não é boa, é preciso debate — diz o secretário municipal de Transportes de São Paulo e presidente da SPTrans, Jilmar Tatto (PT-SP), deputado licenciado.
Uma das opções estudadas é fazer com que a prefeitura passe a adquirir a frota; as empresas só executariam o serviço. Outra opção é o município passar a operar quantidade e distribuição de linhas e horários, e as empresas continuariam a cuidar só de mão de obra e manutenção.
A única das 8 áreas da cidade que não deve entrar na nova licitação (pelo contrato ter sido feito em 2007, valendo até 2017) é a 4 — justamente, segundo o próprio secretário, a que "pior opera”, "com maior número de reclamações”. Uma das empresas da 4, a Ambiental, é do Grupo Ruas, que possui outras, como a Campo Belo, na 7, e a Cidade Dutra, na 6.
— São CNPJs diferentes, mas de um mesmo grupo. Pode ser considerado concentração — diz o secretário Tatto.
Segundo a SPTrans, a margem de lucro dos operadores do sistema é de 6,78 % sobre a arrecadação — o que equivale a cerca de R$ 400 milhões por ano.
No DF, só em 2009 o Ministério Público determinou que os ônibus fossem licitados. Mais de mil linhas estavam nas ruas.
— O setor implantava as linhas que interessavam, autuações não tinham efeito, havia conivência de agentes públicos e operadores — diz o secretário de Transportes, José Walter Vazquez Filho. — Até dezembro, será 100% da frota contratada.
Mas a licitação no DF fez com que o MP apurasse a vitória das viações Piracicabana e Pioneira, da família Constatino.
— Serem irmãos não caracteriza grupo econômico — diz o secretário.
Por e-mail, Maurício Moreira, da Pioneira, diz que "as empresas não têm sócios em comum e nem dirigentes comuns”. Representante da Comporte Participações, que engloba a Piracicabana, diz que "os irmãos sócios da Piracicabana não são sócios das irmãs sócias da Pioneira”. A Piracicabana nega ter sido beneficiada por ter contratado o escritório Guilherme Gonçalves & Sacha Reck Advogados Associados; Sacha é filho de Garrone Reck, diretor da empresa contratada pelo DF para fazer o edital de licitação: "O edital é público”.
Entre as capitais sem licitação, Salvador deve lançar um edital em setembro. Hoje, as empresas operam por permissão precária. A última licitação do serviço lá foi há 40 anos — é de 1973. Em 2006, o MP passou a exigir nova licitação.
— Com permissão, a empresa diz quantos passageiros transporta. Com licitação, a prefeitura tem condições de auditar os ônibus e exigir o que contrato estabelece — diz o presidente do TCM-RJ.
‘Regularidade fiscal é indispensável’
Na lista de devedores de R$ 2,8 bilhões levantada pelo GLOBO, e na qual incluem-se dívidas previdenciárias e tributárias, estão empresas e empresários da cidade do Rio e parte da Região Metropolitana; da cidade de São Paulo e do ABC — única das 5 áreas da Região Metropolitana da capital não licitada, operando por permissão —; de BH; e do DF. O total de R$ 2,8 bilhões corresponde a 32 vezes o valor pago até agora ao programa "Mobilidade urbana e trânsito” do Ministério das Cidades.
Pela lei de licitações, as empresas precisam ter regularidade fiscal para participarem do processo. Segundo Luiz Roberto Beggiora, procurador da Fazenda Nacional e coordenador-geral da Dívida Ativa da União, a inscrição em dívida ativa leva, 75 dias depois que o débito é comunicado, à inscrição também no Cadastro Informativo de Créditos Não Quitados do governo federal — o que acarreta "impossibilidade” de participar de licitações, além de fazer com que o inscrito torne-se réu em ação de execução fiscal.
— A regularidade fiscal e trabalhista é indispensável para participação em licitação. O que muitas empresas fazem é recorrer à Justiça e, como o resultado da ação judicial ainda não saiu, ou se conseguem uma liminar, participam. Ou então, o sócio de alguma empresa cria outra, com outro CNPJ, sem dívidas, e então participa dessa forma — analisa Carlos Ari Sundfeld, professor da FGV-SP e especialista em Direito Administrativo.
No Rio, a Rio Ita, por exemplo, que opera em São Gonçalo, deve à União R$ 19,9 milhões. Está entre as três empresas mais reclamadas este ano na ouvidoria do governo estadual, junto com a Auto Ônibus Fagundes e a Viação União. As linhas do Estado do Rio, incluindo a Região Metropolitana, têm permissão até 2015; uma decisão da 5ª Vara de Fazenda Pública determinou que o Estado do Rio licite o serviço.
— Não é fácil fazer licitação que envolve milhares de linhas e muitas empresas. Mas não é impossível — diz Julio Lopes, secretário de Transporte do Estado do Rio.
— Desconheço que haja empresas em dívida ativa — diz Lélis Teixeira, do Rio Ônibus. — Quando foi feita a licitação na cidade, todas foram obrigadas a provar regularidade. O que pode haver são cancelamentos ou parcelamentos deferidos.
Carlos Roberto Osório, secretário municipal de Transportes do Rio, diz que a prefeitura verificou a regularidade fiscal das empresas quando a licitação foi realizada.
Segundo o presidente da BHTrans, Ramon Victor Cesar, o endividamento das empresas "só é problema se afetar a capacidade de operar o serviço”:
— O que não é o nosso caso em BH.
O Sindicato das Empresas de Transporte de Passageiros de Belo Horizonte (Setra-BH) afirma que todas as empresas de BH estão em dia com a União, pois "a discussão do débito na Justiça não aparece no sistema” da Fazenda.
Tatto, de SP, diz que as empresas têm de apresentar as certidões exigidas:
— Dever não é pecado no Brasil. Muitas empresas que constam como endividadas estão renegociando a dívida.
O secretário de SP diz, porém, que pode ser "temerário” o contrato com empresas que estejam sendo executadas judicialmente.
O Sindicato das Empresas de Transporte Coletivo Urbano de Passageiros de São Paulo (SPUrbanuss) afirma desconhecer que empresas estejam inscritas em dívida ativa. Por e-mail, diz que "a discussão de eventuais débitos no âmbito do Judiciário é direito garantido, e por si só, não significa irregularidade fiscal, inclusive se considerada a hipótese de expedição de certidões positivas com efeitos negativos”. Sobre a existência ou não de concentração, afirma que "a participação de pessoa física ou jurídica nos contratos atende aos parâmetros estabelecidos na legislação”.

Sobre a dívida de empresas do ABC, o Sindicato das Empresas de Transportes de Passageiros do Estado de São Paulo (Setpesp) diz que as empresas, pertencentes ao grupo Baltazar José de Souza, estão em recuperação judicial desde 2012.
O Globo

quinta-feira, 15 de agosto de 2013

Problemas de mobilidade são inevitáveis

Rio+20, Copa das Confederações, Jornada Mundial da Juventude (JMJ). O que estes eventos têm em comum? Todos evidenciaram as fragilidades das cidades-sede em termos de mobilidade urbana nas recepções internacionais de grande porte. Com a estrutura existente, especialistas dizem que é preciso planejamento e medidas preventivas para aumentar a capacidade de mobilidade e apostam em investimentos para o gerenciamento do sistema viário de forma mais inteligente. Na visão de estudiosos no assunto, se o transporte e as vias não comportam o volume diário de usuários, não serão suficientes para atender à demanda de grandes eventos. Para Luiz Gustavo Campos, engenheiro especialista em trânsito da Perkons, “o problema é que o planejamento viário e de transportes não é desenhado para atender um volume concentrado de pessoas em uma região. Uma rota que atende bem 100 pessoas por dia não conseguirá atender 1000 com a mesma qualidade. As medidas adotadas nestas ocasiões apenas reduzem o impacto”, analisa. Há dois pontos importantes a serem observados na organização de eventos de massa, de acordo com Cesar Cavalcanti, especialista em Planejamento de Transportes. Para ele, eventos realizados em estruturas em que é conhecida a capacidade máxima de usuários e as vias de acesso foram testadas anteriormente tendem a ter efeitos negativos minimizados. Ele cita como exemplos a JMJ transferida para a praia carioca de Copacabana e os acessos à Arena Pernambuco na Copa das Confederações, em Recife. “Em ambos os casos, a possibilidade do subatendimento é quase uma certeza, que pode, mesmo assim, ser minimizado através de medidas criativas do tipo: cancelamento de aulas, ponto facultativo e diluição da demanda com estacionamentos diversificados, atrações passatempo etc.”, pontua Cavalcanti. Planejamento competente pode reduzir falhas O aprimoramento da mobilidade deve levar em consideração a melhor gestão do trânsito. Segundo Campos, é necessário planejar as melhores rotas e informar a população com antecedência e até mesmo com sinalização temporária os trajetos para chegar ao evento. Além disso, colocar em circulação um número maior de veículos nas várias opções de transporte público. E levar para as ruas um número maior de agentes de trânsito, especialmente nas proximidades do evento. Cavalcanti defende que técnicos sejam ouvidos no processo de planejamento e implantação de novas soluções. “Um planejamento competente, oportuno e respaldado por informações confiáveis pode reduzir, significativamente, resultados negativos e é neste momento que entram os técnicos do setor, com seu conhecimento e instrumentos de simulação”, esclarece. Cidadãos precisam abdicar do conforto para tornar evento viável Crises de mobilidade urbana não são exclusivas de nações em desenvolvimento. Países ricos ou pobres, de todos os continentes, lidam com algum tipo de restrição quanto ao deslocamento nas cidades. Grandes eventos impactam na rotina dos participantes, mas também do restante da população. As intervenções no trânsito são pensadas primeiramente para beneficiar o evento. “Na organização dos jogos olímpicos em Londres, por exemplo, os londrinos reclamaram bastante; provavelmente sofreram com as intervenções que foram necessárias ”, relembra Luiz Gustavo Campos. Por lá, o Departamento de Trânsito publicou anúncios incentivando a população a fazer a pé o trajeto até o trabalho ou assistir aos jogos em casa. Também fez uso das redes sociais para informar as condições do tráfego em tempo real. “A adoção de bloqueios e a criação da linha olímpica (faixa exclusiva) foram benéficas para que os atletas e organizadores não se atrasassem para os eventos, porém gerou engarrafamentos para os moradores”, ressalta Campos. Entretanto, “como as mudanças eram por um período estipulado e com um objetivo claro, o resultado foi positivo”, completa. Transporte de massa Tendo em vista a realização da Copa do Mundo no Brasil daqui menos de um ano, algumas ações na gestão do transporte são necessárias. Segundo Cesar Cavalcanti, é preciso certificar qual é o real nível de demanda que os equipamentos e a infraestrutura que constituem a cadeia de transporte são capazes de atender. Para o especialista, “não existe uma ‘receita de bolo’ que possa ser ministrada em qualquer situação. São necessários levantamentos precisos e confiáveis das características operacionais dos equipamentos, suas limitações, assim como um levantamento meticuloso das edificações que fazem parte da interface indispensável ao bom funcionamento de todo o sistema”, justifica. Para Campos, investimentos na ampliação do sistema de transporte coletivo são essenciais. “Essas aplicações devem ser um legado a ser deixado para a população e a infraestrutura deve ser mantida”, diz. Na opinião de Cavalcanti, “o metrô é uma tecnologia imbatível quando se trata de grandes demandas. E, por este motivo, a existência dos maiores metrôs do Brasil, em São Paulo e no Rio, poderiam indicar, a priori, as cidades mais bem preparadas para movimentar tais demandas”, ressalta. “Cidades como Curitiba e Porto Alegre, que contam com sistemas de transporte urbano equilibrados e mais bem distribuídos, também são capazes de proporcionar um atendimento razoável”, acrescenta. Investimentos em tecnologia Em médio e longo prazos são necessários investimentos para um gerenciamento do transporte e do trânsito mais inteligente. “Dispositivos de monitoramento e rastreamento da frota de ônibus, trens e metrôs e canais de comunicação com o usuário sobre horários, tempo de chegada e itinerário são algumas soluções”, cita Luiz Gustavo Campos. “Quanto à operação do trânsito é preciso destinar verbas para tecnologias em sistemas de semáforos que melhorem as condições de fluidez e em mecanismos para orientação de fluxo e de rotas alternativas, controle de vias de acesso e fiscalização”, completa. Assessoria de Imprensa Perkons Ana Jamur e Ronan Pieroti

quarta-feira, 14 de agosto de 2013

Governadores e prefeitos pedem R$ 75 bi da União para mobilidade

O compromisso da presidente Dilma Rousseff em torno de um novo pacto para melhorar a Mobilidade urbana nas grandes cidades abriu uma corrida de governadores e prefeitos à Esplanada dos Ministérios. Estados e municípios apresentaram à União projetos de transportes que somam R$ 75,4 bilhões. Esse valor já supera a promessa de Dilma, feita em meio às manifestações populares de junho, de colocar mais R$ 50 bilhões à disposição de governos estaduais e municipais para investimentos no setor. O dinheiro virá do Orçamento Geral da União (OGU) e de financiamentos da Caixa Econômica Federal (CEF), por meio do repasse de recursos do FGTS, com taxas subsidiadas. O Ministério do Planejamento tem coordenado as discussões e concluiu, na quinta-feira da semana passada, a segunda rodada de recebimento de propostas. Para Maurício Muniz, secretário do PAC e responsável pelas conversas sobre Mobilidade urbana com governadores e prefeitos, o fato de os pedidos terem superado o valor prometido pela presidente cria "um bom problema" e o anúncio de R$ 50 bilhões não deve ser visto como amarra. "Se houver mais propostas bem estruturadas, o volume de recursos pode ir além do (anúncio) original", afirma. Muniz diz que o objetivo do governo é fazer a seleção das propostas ainda neste ano. "Ainda temos muito trabalho pela frente, mas é uma ação que está sendo tratada com urgência. Estamos pegando cada proposta, analisando dados, pedindo anteprojetos e estudos de viabilidade." Conforme antecipa o secretário, o novo pacote de investimentos da União para Mobilidade urbana deverá aumentar o orçamento inicialmente programado para metrôs em Porto Alegre e em Curitiba, que enfrentam dificuldades para tirar suas primeiras linhas subterrâneas do papel. Lançado em abril de 2012, o PAC Mobilidade-Grandes Cidades já contemplava projetos de metrô nas duas capitais do Rio Grande do Sul e de Curitiba, mas seus prefeitos vinham alegando que a construção das linhas requer investimentos além da previsão original. Em Porto Alegre, o metrô foi orçado em R$ 2,4 bilhões, com R$ 1 bilhão a fundo perdido da União. Ao desenvolver o projeto, que prevê 13 estações distribuídas em um trajeto de 14,8 quilômetros, a prefeitura verificou a necessidade de gastar de duas a três vezes mais. A tendência do Palácio do Planalto é elevar o valor dos recursos federais para finalmente viabilizar o empreendimento. O metrô de Curitiba, que esbarra no mesmo obstáculo orçamentário, passa por processo semelhante de revisão e deve receber mais dinheiro. O retrospecto de quem tem percorrido os gabinetes de Brasília atrás de mais recursos para mobilidade, contudo, recomenda prudência na expectativa de obras que possam realmente aliviar o caos do trânsito. O governador Agnelo Queiroz (PT) levou ao Planejamento pedidos que embalam o sonho dos cidadãos brasilienses: a ampliação do metrô até o fim da Asa Norte e a construção de um veículo leve sobre trilhos (VLT) em toda a extensão da avenida W3 - uma das principais artérias da capital. Agnelo, porém, ainda não foi capaz de sacar recursos a fundo perdido para obras menos ambiciosas. A ampliação do metrô em seis quilômetros, com cinco novas estações e chegando ao início da Asa Norte, é um projeto de R$ 700 milhões e entrou no PAC Mobilidade-Grandes Cidades. Não teve Licitação até hoje. O primeiro trecho do VLT, que ligaria o aeroporto à mesma avenida W3, era prometido para a Copa do Mundo de 2014. Não saiu do papel. Depois do governador Geraldo Alckmin (PSDB) e do prefeito Fernando Haddad (PT), com pedidos que totalizam R$ 17,3 bilhões para São Paulo, as maiores propostas foram levadas à União por Minas Gerais e pelo Maranhão. Em Minas, o governo do Estado pediu R$ 4,4 bilhões para o metrô de Belo Horizonte, o que inclui três grandes empreendimentos: a revitalização da linha 1 (com reforma das estações existentes) e a construção das linhas 2 (Barreiro-Nova Suíça) e 3 (Savassi-Lagoinha). A expectativa da União é que os projetos de engenharia fiquem prontos no fim deste ano, abrindo caminho para o repasse efetivo dos recursos federais. Já a prefeitura da capital mineira quer R$ 2,9 bilhões para intervenções em 100 quilômetros de corredores exclusivos de ônibus e para BRTs (sistemas de ônibus com estações de embarque e desembarque, pagamento antecipado de bilhetes e faixas próprias para circulação). No Maranhão, as propostas somam R$ 7,7 bilhões, entre pedidos dos Estados e da Prefeitura de São Luís. "O nosso desafio é verificar, de todas as propostas apresentadas, aquelas que realmente são de transportes coletivos e atingem uma população mais densa, prioritariamente de baixa renda", diz o secretário do PAC. Há propostas que envolvam a construção, por exemplo, de anéis rodoviários. Esses pedidos não devem estar na lista de prioridades. Um dos problemas que o governo pretende evitar desta vez é que a liberação efetiva de recursos federais para investimentos fique empacada na ausência de projetos básicos e executivos de engenharia. No PAC Mobilidade, só cinco das 44 propostas enquadradas conseguiram percorrer até hoje os trâmites necessários e se habilitar para o saque de recursos, por falta de projetos detalhados de engenharia. A maior parte do dinheiro ficou parada. Muniz avalia que essa situação reflete a falta de planejamento do passado. "A tendência dos anos 90, também nos planos estadual e municipal, era seguir o Estado mínimo. Isso não ocorreu só no governo federal. Houve duas décadas com baixo investimento em Mobilidade urbana, concentrado em poucos municípios." De acordo com o secretário, o novo pacote apoiará financeiramente a elaboração de projetos básicos e executivos, mas será dada preferência a Estados e municípios que já possuem trabalhos feitos ou em estágio mais avançado. "Quem tem pelo menos um estudo de viabilidade ou um anteprojeto larga na frente", diz. Para ele, no entanto, percebe-se nas reuniões com autoridades estaduais e municipais que o planejamento começou a ser retomado. "Na área de e urbanização, ocorreu mais ou menos a mesma coisa. Em 2007, quando começou o PAC, não exigíamos projetos de engenharia para a seleção de propostas. Se não, teria sido difícil começar o programa. Agora, com Mobilidade urbana, é isso o que acontece." Uma alternativa que deve ser incentivada pelo governo federal é o uso do regime diferenciado de contratações públicas (RDC) pelos Estados e municípios. O mecanismo, adotado principalmente para obras da União, tem sido pouco utilizado até agora por governadores e prefeitos. Uma das modalidades do RDC é a contratação integrada. Por meio de uma só Licitação, contrata-se uma empresa para a elaboração dos projetos de engenharia e, depois, para executar as obras civis. Em tese, ganha-se tempo. Há propostas que foram redesenhadas pelas autoridades antes de apresentação. O governo do Estado do Rio, por exemplo, trocou a linha 3 do metrô (Niterói-São Gonçalo-Itaboraí) por um sistema de monotrilho - mais barato - no mesmo trajeto. O sistema de VLT, uma espécie de bonde moderno, também foi uma das opções apresentadas como solução de mobilidade em Recife e em Maceió. O governo do Piauí pediu R$ 1,6 bilhão para transformar a linha férrea atual em metrô e executar a ampliação de três linhas. Por Daniel Rittner | De Brasília

Política para o Transporte Urbano, no Ponto de Vista, da ANTP

Os movimentos sociais que tomaram as ruas nos últimos dias apresentavam como reinvidicação básica a diminuição das tarifas do transporte coletivo, e conseguiram êxito em praticamente todas as cidades, principalmente em função da desoneração tributária praticada pelo Governo Federal, que retirou o PIS/COFINS deste setor que representava 3,65% no custo do serviço. Algumas cidades retiraram o ISS e alguns estados deixaram de cobrar ICMS para o combustível utilizado no transporte urbano/metropolitano, impactando positivamente no valor da tarifa, porém como estas medidas não seguem um planejamento de metas a serem atingidas, não apresentam qualquer sinalização de que os serviços vão melhorar. Diretrizes de uma política de transporte urbano, foram elaboradas por uma equipe coordenada por representante do Governo Federal e composta por membros de todos os segmentos do setor (Fórum dos Secretários , Frente dos Prefeitos, ANTP, NTU, IPEA e movimentos sociais), atendendo à solicitação da Presidência da República, onde a desoneração dos custos, o barateamento da tarifa, a priorização do transporte coletivo e restrições ao transporte individual tiveram destaque. Este trabalho foi entregue ao Presidente Itamar Franco no dia 31/05/1993. Nestes 20 anos, ao invés de vermos a implementação de uma política de transporte coletivo para atender a demanda crescente de um país eminentemente urbano, que já tem 84% da população vivendo nas cidades, presenciamos ser priorizado pelo Governo Federal o transporte individual com todo tipo de incentivo, redução/extinção de impostos, financiamentos com prazos alongados e juros subsidiados, exatamente o oposto das diretrizes políticas propostas, bem como do que é praticado no resto do mundo. Estamos, então, pagando um preço alto pelo descaso histórico dos governantes das três esferas de governo, fazendo com que a mobilidade de nossas cidades atingissem o verdadeiro caos. A força do povo na rua fez com que, em poucos dias, algumas propostas antigas de estudiosos e militantes fossem implementadas, porém o déficit de planos, projetos, implantação de infraestrutura e uma operação eficiente do trânsito/transporte não podem ser resolvidos a curto prazo, por mais recursos que prometa o Governo Federal. É preciso reestruturar os órgãos de gerência local, capacitar e incentivar profissionais, elaborar planos e executar bons projetos que atendam aos anseios da sociedade, como único caminho para construir um transporte de qualidade. Não e difícil reverter esta situação, desde que exista decisão política e que os governantes deixem de tomar medidas precipitadas, pontualizadas e demagógicas visando apenas acalmar as massas, porém sem qualquer preocupação com o cerne da questão que é melhorar a mobilidade urbana de forma permanente e sustentável. Carlos Batinga Chaves é Engenheiro Especialista em Transportes Urbanos e Membro do Conselho da ANTP.