quinta-feira, 25 de outubro de 2012

Ailton Brasiliense resgata a história do transporte público em São Paulo para o Semanal ANTP

O presidente da ANTP, Ailton Brasiliense, resgata a história do transporte público em São Paulo para contextualizar a falta de ação dos sucessivos governos em favor da mobilidade urbana e as promessas em tempos eleitorais.

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Ainda é preciso justificar a prioridade aos transportes públicos?
Nas últimas eleições, em diversas cidades brasileiras, priorizar a construção de trilhos e pneus virou mote de campanha. Um candidato promete mais que outro, porém sem nenhum compromisso. Eles não têm a menor compreensão das consequências do que deixam de fazer e do quanto comprometem a qualidade de vida das pessoas: aumentam os tempos de viagem, aumentam seus custos e suas tarifas, aumentam a poluição e o número de acidentes. E seguem incólumes.

A mídia quer soluções imediatas para os seus leitores (que não devem ser confundidos com a população). Os empreiteiros querem soluções para o equilíbrio de seus fluxos financeiros e a “opinião pública” (ou a opinião publicada) exige obras de curto prazo para a circulação dos automóveis. Os pedestres e suas calçadas nem são lembrados e não fazem parte das prioridades dos chefes dos Executivos, nem do poder Legislativo.

O planejamento urbano é entendido pelos “estrategistas econômicos” como coisa de acadêmicos. E assim vamos nós. São Paulo, por incrível que pareça saltou de 200 mil habitantes em 1900 para 2,2 milhões, em 1950, estruturada em torno de quase 500 quilômetros de trilhos de bondes e trens. E vivia-se melhor na cidade do que se vive hoje. A indústria, o comércio, os serviços e a moradia se instalaram nos seus entornos e, por consequência, a viagem média mal chegava a 10 minutos, enquanto hoje se aproxima de 70 minutos. Mais ainda, com tantos pontos de interesse ao longo das viagens (compras, educação, cultura, saúde, por exemplo), o fator de renovação era, na época, muito maior do que é hoje e, consequentemente, a tarifa era muito menor do que nos dias atuais.

Essa configuração se alterou profundamente com o plano do prefeito Prestes Maia, que desencadeou a construção de inúmeras avenidas de fundo de vale, abrindo as portas para a política de incentivo à indústria automobilística (incluindo ônibus) e criando as condições favoráveis à especulação imobiliária. A substituição dos bondes pelos ônibus foi acompanhada, gradativamente, pela substituição da tarifa por zona (distância) pela tarifa única. Com isso, a cidade se esparramou. A mancha urbana, que em 1952 atingia 200 km2, alcança 1.600 km2 em 2010 e a densidade demográfica passa de 12 habitantes/km2 para 7 habitantes/km2.
O sistema viário da cidade espraiada (e radial concêntrica) foi paulatinamente sendo ocupado cada vez mais pelo automóvel, especialmente nas grandes avenidas coletoras e em todas as arteriais, “espremendo” os ônibus da forma mais desfavorável.

Tal política (ou inexistência de uma política de uso racional da malha viária) destinou de forma desproporcional o espaço viário urbano quando comparado com o volume de passageiros transportados. O mais grave é que aqueles que decidem ignoram a aritmética elementar. Sabemos, de sobejo, que em uma faixa exclusiva de ônibus, mesmo à direita da via, pode permitir a passagem de 10 mil pessoas por hora e por sentido e, quando colada à esquerda, com os semáforos dos cruzamentos sendo liberados pelos ônibus, a capacidade de transporte pode chegar a 16 mil passageiros, enquanto a mesma faixa destinada a automóveis não transporta mais do que 1.500 pessoas. Já numa seção de trilhos, com bom nível de conforto, chega-se a transportar até 60 mil pessoas, seja em subterrâneo, elevado ou até mesmo em nível como na região leste da cidade, ocupando muito menos espaço por metro quadrado de área urbana que o necessário para transportar muito menos pessoas por automóvel.

O exemplo da Zona Leste de São Paulo é bastante ilustrativo. A maioria dos moradores da região que vem ao centro da cidade, o fazem por três grandes eixos: Av. Radial Leste, a Linha 3 do metrô e as duas linha ferroviárias da CPTM. A Av. Radial Leste comporta, hoje, em sua maior largura, cinco faixas de tráfego. Se admitirmos, na melhor das hipóteses, que em toda sua extensão ela tem este mesmo número de faixas, a capacidade de transporte por automóveis é de 8 mil pessoas por hora/sentido. Ao lado desta avenida, o metrô transporta 60 mil pessoas por hora/sentido, e a ferrovia, 40 mil. Se destinarmos uma das faixas de tráfego dos automóveis da Av. Radial Leste para os ônibus, só nesta faixa seria transportada a quantidade de pessoas de todos os veículos da via. Se, por outro lado, a faixa de ônibus tivesse a característica de um BRT, seriam transportadas aproximadamente 16 mil pessoas por hora/sentido.

No início as cidades contemplavam sistemas viários e logradouros públicos destinados às pessoas, que se deslocavam a pé, por bicicleta e até mesmo por animais. Sem nenhum debate público, paulatinamente, nossos políticos foram permitindo que o automóvel fosse invadindo estes espaços e ganhando adeptos na administração pública e, desse modo, eles foram criando as condições cada vez mais favoráveis à invasão, com ajuda da mídia que martelava dia sim outro também contra a existência do bonde, que para eles significava um obstáculo ao “progresso”. O “progresso”, afinal, chegou e aí está, com milhares de mortes no trânsito, grandes congestionamentos diários, poluição atmosférica e sonora e um grande estorvo à qualidade de vida da população. Para eles, nesta nova face do “progresso”, o bonde de ontem é o ônibus de hoje.
Agora, para fazer o administrador público e seus agentes públicos colocarem o sistema viário a serviço da maioria da população, precisamos ficar explicando, justificando e escrevendo teses e mais teses sobre o assunto. Quando não, pedir licença para que pessoas, bicicletas e ônibus possam trafegar em harmonia e segurança.

Será que ainda precisamos tentar justificar a prioridade que deve ser dada aos transportes públicos?

Semanal ANTP
Ponto de Vista
 

Congestionamentos: pedágio, estacionamentos e o resgate dos espaços públicos

Política|                                                 23/10/2012 |

Com o advento da Lei 12.587, que institui a Política Nacional da Mobilidade Urbana, a via não é mais do automóvel. A lei é clara ao dizer que essa prioridade terminou a partir de 12 de abril deste ano. A rua deve, primeiro, ser ocupada pelo transporte não motorizado (pedestres, bicicletas e assemelhados), depois, pelo transporte público e, finalmente, pelo automóvel. O artigo é de Nazareno Stanislau Affonso.

 
Em todas as cidades do mundo onde foi implantado o Pedágio Urbano foi constatado que esse mecanismo reduz o congestionamento e a poluição atmosférica. Portanto é falso afirmar que é uma proposta que não dará resultados positivos na redução dos congestionamentos.

Contraditoriamente ao que se defende na classe média, o pedágio traz compensações para a população de menor renda: primeiramente, porque libera o sistema viário e, com isso, aumenta a velocidade dos ônibus, reduzindo custos (menos ônibus fazem o mesmo serviço); depois, porque produz recursos para melhorar a qualidade do transporte coletivo, construir ciclovias e ampliar e qualificar as calçadas – logo, melhora a situação de mais de 70% das viagens, prejudicando em parte as 30% restantes feitas em automóveis privados. Portanto é falso afirmar que se está prejudicando os mais pobres só porque parte deles adquiriu o seu primeiro carro – que pode ser usado para le var o filho à escola, um doente ao hospital, visitar a família e fazer viagens.

O Pedágio Urbano é viável tecnicamente, incentiva o uso do transporte público e melhora de imediato sua operação por estar livre dos congestionamentos, além de trazer, como vivi em Londres, as bicicletas para compartilhar com segurança vias que antes eram privatizadas pelos automóveis.

É necessário desfazer argumentos contrários ao Pedágio Urbano e à Lei de Mobilidade. Com o advento da Lei 12.587, que institui a Política Nacional da Mobilidade Urbana, a via não é mais do automóvel. A lei é clara ao dizer que essa prioridade terminou a partir de 12 de abril deste ano. A rua deve, primeiro, ser ocupada pelo transporte não motorizado (pedestres, bicicletas e assemelhados), depois, pelo transporte público e, finalmente, pelo automóvel. Ao automóvel são reservados 30%, em média, das vias. Os demais 70% são para as bicicletas, calçadas e transporte público.

Logo, é urgente que o poder público democratize o uso das vias existentes, começando pelas novas vias ou alargando outras, das quais devem ser reservados 70% para os modais não motorizados e o público. A lei veta, por exemplo, que os governos implantem um novo viaduto ou via expressa reservada somente para carros ou, como é comum, construam ruas ou avenidas sem espaço para a circulação de bicicleta e com calçadas estreitas para o volume de pedestres.

É importante afirmar que já existe pedágio urbano em cidades como São Paulo e Rio de Janeiro, só que gerido integralmente pela iniciativa privada. São os estacionamentos, que cobram o que o mercado exige sem que haja uma grita geral e algum controle público. Aliás, a grita geral é contra os flanelinhas, que são os que menos lucram com esse negócio altamente rentável e que não traz retorno algum para o poder público.

O Fórum Nacional da Reforma Urbana (FNRU), o Movi mento Nacional pela Direito ao Transporte (MDT) e o Ruaviva - Instituto da Mobilidade Sustentável vêm lançando há três anos consecutivamente a proposta “a rua é das pessoas e não dos carros” durante as Jornadas Brasileiras “na cidade, sem meu carro”. Nela, defendem a fluidez do transporte coletivo, bicicletas e pedestres e a proibição do estacionamento na via pública em áreas de corredores de transportes coletivos e centrais da cidade, restituindo-se assim a democracia do espaço público ao usar as áreas de estacionamentos para ampliar calçadas, implantar ciclovias ou ciclo-faixas para bicicletas e as vias privativas para o transporte público. Portanto, a proposta é o fim do mercado privado dos estacionamentos, para que estes passem para o controle da gestão pública, que concederia esse serviço e o licitaria pelo maior preço, valor que seria repassado a um fundo de transporte público e não motorizado – como determina a nova Lei de Mobilidade.

As entidades defendem ainda a inclusão dos automóveis de forma democrática no sistema estrutural de transportes públicos (metrô, ferrovia urbana, corredores exclusivos de ônibus-BRT e BRS, Veículos Leves sobre Trilhos-VLT e, inclusive, monotrilhos) através do incentivo à implantação de grandes garagens junto às estações desses sistemas. Todas essas propostas seguem as orientações da Lei de Mobilidade Urbana em vigor desde 12 de abril de 2012.

O Pedágio Urbano democratiza a mobilidade onde é implantado? Diria que sim, principalmente em cidades onde há uma crise ampla e geral de circulação – cujo caso exemplar é São Paulo. Cidade que chama urgentemente a intervenção pública. Primeiramente, para cumprir as promessas do governo do estado de investir R$ 45 bilhões em sistemas estruturais de transportes públicos sobre trilhos. Depois, para pressionar o novo governo municipal a democratizar a via privatizada pelos automóveis cria ndo BRS (vias exclusivas monitoradas contra invasão de automóveis) no maior número de vias em que circulam ônibus, retirando-os dos congestionamentos dos carros e, com isso, aumentando a velocidade e, consequentemente, reduzindo custos – como no Rio de Janeiro, onde houve redução de 23%.

Ao enfocar a democratização do espaço público, a Lei de Mobilidade coloca nas mãos de nossas autoridades o grande desafio de enfrentar o senso comum que tem servido para tornar a apropriação privada pelos automóveis uma política de Estado. Falar de automóvel é discutir privilégios nas políticas públicas. Falar de transporte público e não motorizado é discutir como promover direitos.

(*) Urbanista, presidente do Ruaviva - Instituto da Mobilidade Sustentável, coordenador do Movimento pelo Direito ao Transporte (MDT) e coordenador da Associação Nacional de Transporte Público (ANTP) Brasília.