sábado, 10 de maio de 2014

Como garantir baixas tarifas acessíveis sem comprometer a qualidade dos transportes?

Nesta época do ano, mais uma vez a questão das tarifas de transportes públicos ganha espaço nos debates na mídia e no dia a dia das pessoas.
A verdade é que o assunto, propositadamente ou não, sempre foi tratado de forma superficial.
Quando se fala em tarifa, logo se pensa em lucro para empresários do setor de transportes. É certo que a lucratividade dos donos das companhias de ônibus e outros modais tem de ser levada em consideração. Afinal, sem retorno financeiro e segurança econômica uma empresa, pública ou estatal, não tem como investir nas melhorias necessárias para os passageiros.
Mas tarifa de transporte público é muito mais que financiamento da mobilidade e sim uma questão de justiça social.
Todos sabem que pelos transportes públicos, a população tem acesso a direitos como emprego e renda, saúde, educação e lazer.
No entanto, hoje especialistas garantem que o transporte público não deve ser encarado apenas como acesso a estes direitos, mas na formulação de políticas públicas, nações mais desenvolvidas consideram os transportes como parte dos outros direitos do cidadão.
E isso faz toda a diferença já que permite um financiamento mais justo por parte do Estado.
O transporte não dá acesso somente a educação, mas faz parte dela. O transporte não apenas leva trabalhadores onde há oportunidades, mas é integrante de políticas de geração de emprego e renda.
O transporte não só permite que as pessoas consigam chegar ao médico ou frequentar outros tratamentos de saúde, mas garante que tais serviços na área sejam oferecidos à população.
Hoje, nos modelos aplicados na maior parte das cidades brasileiras, são basicamente duas opções de financiamento dos transportes: ou o passageiro assume todos os custos sozinho, inclusive os das gratuidades, ou então os governos (municipal ou estadual) injetam diretamente dinheiro para subsídios nos sistemas.
Em modelos de financiamento de outros países, em especial na Europa, as aéreas da saúde, educação, emprego e renda e previdência têm recursos destinados aos transportes públicos proporcionalmente à serventia que o setor tem a estas áreas.
De início, pode parecer uma heresia, ainda mais num país como o Brasil, carente de serviços sociais adequados, que “saia dinheiro” da saúde e educação para os transportes.
Mas esta seria uma análise muito superficial. Na verdade, não sairia dinheiro destas áreas e muito menos se trata de tirar dinheiro de escola ou hospital para ônibus. Apenas haveria o financiamento de parte do deslocamento das pessoas para que os setores de saúde, emprego e renda, educação e lazer possam de fato integralmente cumprir seu papel.
Na Europa, por exemplo, na maior parte das cidades, as passagens pagas pelos usuários diretamente nos meios de transportes, só cobrem entre 15% e 45% dos custos dos sistemas de mobilidade.
O restante vem de políticas de financiamento vinculadas a outras áreas essenciais beneficiadas pelos transportes.
Veja que não são apenas subsídios, mas sim sistemas de custeio pelos quais todos possam contribuir de maneira justa para os transportes públicos, que trazem benefícios a toda sociedade, inclusive para quem não usa trens, metrô ou ônibus.
No final das contas, estas formas de financiamento acabam saindo mais interessantes para os cofres públicos que destinar de maneira errada vultuosas somas apenas para algumas áreas, deixando os passageiros assumirem os custos de sistemas de transportes públicos que não são eficientes como deveriam pela ausência de financiamento justo. E a ineficiência custa caro a todos.
Não adianta apenas reivindicar congelamento de tarifas ou reduções sem apontar formas de custeio: salários, combustível, lubrificantes, veículos novos têm preços que são reajustados, em boa parte das vezes, com índices superiores aos da inflação oficial.
Não é melhor que a saúde, a educação, a providência, a segurança já contem com recursos que financiem parte dos custos de deslocamentos da população para seus serviços do que depois os governos terem de mexer nos orçamentos para criar subsídios?
Com o transporte como parte integrante das políticas das demais áreas, não é necessário criar impostos, altos subsídios e já há uma previsão orçamentária transparente em cada uma destas áreas.
E há outra questão importante a ser debatida. Com o financiamento que o Governo Federal dá a indústria automobilística, seja por investimentos diretos ou por desonerações, e com o crescimento da renda de parte da população brasileira, muita gente tem migrado do transporte público para o transporte individual.
Sendo assim, já surgem dois desafios. Primeiro, com perda de passageiros, o transporte público não pode mais só depender de tarifas para seu custeio: ou o valor das tarifas sobe ainda mais ou a qualidade cai. E isso leva ao segundo desafio: se a tarifa aumentar ainda mais e qualidade diminuir, mais gente ainda vai deixar o transporte público. Forma-se uma verdadeira bola neve.
Como direito social e não apenas como serviço essencial, na linha dos avanços sobre este tema no Congresso, definitivamente o transporte público não deve ser custeado apenas pelas tarifas.

Adamo Bazani, jornalista da Rádio CBN, especializado em transportes