quarta-feira, 11 de janeiro de 2012

Estatuto da Mobilidade Sustentável, pelo Instituto Ethos

Paulo Itacarambi


 Com quase 70 milhões de automóveis, o Brasil precisa de uma mobilidade urbana mais sustentável. A Política Nacional de Mobilidade pode melhorar e tornar mais acessíveis os diferentes modais de transporte de pessoas e cargas.

Neste início de janeiro a indústria automobilística divulgou os números de seu desempenho em 2011. As vendas subiram 3,4% em relação a 2010 (quando foram vendidos 3,51 milhões de unidades), estabelecendo um novo recorde de 3,63 milhões de unidades novas comercializadas. No ano a produção foi recorde, com 4,406 milhões de unidades. Em 2010, foram produzidos 3,381 milhões de carros no País.

Estes números tem um profundo impacto para a sociedade brasileira, que é essencialmente urbana: 85% da população vivem nas cidades. São cerca de 150 milhões de pessoas compartilhando espaços com sérios problemas ambientais, sociais e econômicos. O mundo já tem atualmente cerca de um bilhão de veículos, ou seja, um para cada sete habitantes. No Brasil os problemas do modelo de mobilidade baseada nos automóveis se refletem em centenas de quilômetros de congestionamento nas capitais todos os dias, sendo que São Paulo tornou-se um ícone da imobilidade. Isso já se reflete em custos para as empresas, porque o tempo perdido no trânsito se reflete em perdas de produtividade.

Sob o ponto de vista social, a mobilidade motorizada representa mais de 40 mil mortes por ano em acidentes e cerca de 200 mil feridos com diversos graus de gravidade. O impacto disso para as famílias é devastador e o custo para os sistemas de saúde e previdência também são altíssimos. Isso sem contar que a maior parte das vítimas são jovens ou pessoas em plena idade produtiva, que poderiam ainda oferecer muitas contribuições para a sociedade.

Neste cenário a presidenta Dilma Roussef sancionou nos primeiros dias de janeiro a lei  12.587/2012, que institui a Política Nacional de Mobilidade Urbana, que vinha se arrastando no Congresso desde 1995. A lei estabelece a prioridade para meios de transporte coletivos, públicos e não motorizados, em vez de oferecer vantagens ao transporte individual. Também determina incentivos para garantir a gratuidade ou a oferta de transporte com valores de passagens acessíveis. A PNMU entra em vigor 100 dias após sua promulgação, o que será em abril deste ano, cerca de seis meses antes das eleições municipais, e deve levar os candidatos a prefeitos e vereadores a refletirem sobre o modelo de cidades e de mobilidade que vão representar para seus eleitores.

Um dos valores que precisam ser incorporados aos sistemas de transportes urbanos é o respeito aos usuários. Isso quer dizer que esses usuários tem direitos tais como o de serem informados, nos pontos de embarque e desembarque, sobre itinerários, horários, tarifas dos serviços e modos de interação com outros modais. A PNMU também estabelece as regras para o estabelecimento das tarifas serem cobradas.

São muitas as razões para se atuar sobre a mobilidade nas cidades brasileiras. As capitais estão superlotadas. Cidades médias caminham para a mesma direção. Grandes eventos esportivos, como a Copa das Confederações em 2013 e a Copa do Mundo em 2014, além das Olimpíadas do Rio de Janeiro, exigirão um olhar mais cuidadoso para o transporte, tanto dos atletas, quanto dos turistas e pessoas envolvidas na organização.

Para além da questão de espaço está a eficiência no setor. A indústria automobilística avança rapidamente quando trata-se reforçar o marketing que coloca o automóvel como um elemento de sucesso. No entanto, ainda baseia seu negócio em um produto muito ineficiente. Pesa 20 vezes a carga que transporta, ocupa muito espaço e tem um motor que pode desperdiçar entre 65% e 80% da energia produzida pelo combustível que consome.

Também preocupante é que a inovação que domina o setor é incremental, ou seja, busca o aumento da potência e da velocidade dos carros ao invés de pensar na sustentabilidade e reduzir o consumo de combustíveis e de materiais. Nos anos 1990, um automóvel fazia de zero a cem quilômetros em 14,5 segundos, em média. Hoje, leva nove segundos; podendo chegar a quatro. Já o consumo só diminuiu nos países em que os governos impuseram metas nesta direção, como na Europa e no Japão.

O uso privado do espaço público pode servir para o crescimento, mas não para o bem-estar e para o aumento da qualidade de vida. Vale ressaltar que não estamos falando de eliminar o automóvel individual, mas sim de estimular o seu uso racional. Eficiência no uso de materiais e de energia, alternativas reais de locomoção e estímulo ao uso partilhado do que sempre foi individual são os caminhos para sustentabilidade nos transportes.

Espera-se que a nova Política Nacional de Mobilidade Urbana, que entrará em vigor em abril, amplie o horizonte. Será uma lei incentivar o transporte coletivo, público e não motorizado, em vez do individual, particular e motorizado. Só isso já é um avanço e um ponto a mais para o país da Rio+20. Entretanto, as diretrizes da Política não poderão ser diretamente impostas aos municípios, já que estes têm competência para definir as regras do transporte urbano local. O governo federal poderá, no entanto, condicionar o repasse de verbas para projetos municipais de transporte à elaboração de planos baseados na Política. Considerando que este é um ano de eleições municipais, pode ser um trunfo para futuros prefeitos pensar na mobilidade urbana sustentável