terça-feira, 19 de maio de 2015

A pressa é inimiga de um bom plano de mobilidade urbana



É início da manhã em Brasília. O telefone toca e do outro lado um amigo conta a situação da mobilidade urbana no município, onde ele reside e trabalha. Atônito, ouço o relato sem querer acreditar nos fatos. Segundo o meu amigo, em questão de alguns dias surgiu um projeto de lei que institui o plano diretor de mobilidade urbana. O projeto está prestes a se tornar lei municipal. As autoridades públicas locais justificam que a sanção dessa lei é imprescindível para que os recursos federais que estão alocados ao município não sejam “perdidos”. Então, as autoridades sensibilizam os vereadores da urgência de aprovação do projeto de lei, pois caso contrário eles poderão ser responsabilizados pela inviabilização de uma significativa quantidade de projetos para a comunidade local.

Não bastasse o absurdo dessa situação, a leitura do projeto de lei desse município revela um documento que não captura corretamente a essência e os princípios descritos na Lei 12 587/2012 (Política Nacional de Mobilidade Urbana). Há uma confusão no entendimento dos conceitos fundamentais: plano de mobilidade urbana e lei municipal. Nesse caso, criou-se uma lei sem que todo o processo de desenvolvimento do plano de mobilidade urbana fosse conduzido de forma transparente e em alinhamento com as características do município em questão. Consequentemente, o projeto de lei é uma coleção de generalidades que explicitam apenas o óbvio e que muitas vezes já é parte da Lei 12.587/2012. Não há um artigo sequer da lei municipal que especifique o contexto local e muito menos as soluções a serem adotadas. Interessantemente, as autoridades locais parecem desconhecer o fato de que não há obrigatoriedade da existência de lei municipal que institua o plano de mobilidade urbana.

Infelizmente, relatos recentes indicam que outros municípios estão em situação similar. Informalmente, durante o III Encontro dos Municípios com o Desenvolvimento Sustentável, em Brasília, vários prefeitos expressaram preocupação com o término do prazo máximo (12 de abril de 2015) e a consequente indisponibilidade temporária de recebimento de recursos orçamentários federais, conforme Artigo 24, §3º. e §4º. da Lei 12.587/2012. Ademais, levantamento recente realizado pelo Ministério das Cidades indica que 95% dos municípios respondentes não possuem plano de mobilidade urbana. Essa situação é particularmente mais grave nos municípios com população até 100 mil habitantes, nos quais o nível de atendimento ao requerimento legal é de apenas 3% do total.

A adoção de um plano de mobilidade urbana feito às pressas pode ter sérias consequências. Muito mais do que a indisponibilidade temporária de acesso aos recursos orçamentários federais, a inexistência ou a deficiência da elaboração de um plano de mobilidade urbana pode ter inúmeros reflexos de médio-longo prazo para a comunidade. Há inúmeros estudos científicos que demonstram que cidades com sistemas de transportes bem planejados produzem melhor qualidade de vida e de desenvolvimento. Por exemplo, um estudo recente nos EUA demonstrou que sistemas de transporte público estruturantes produzem áreas urbanas 27% mais densas do que outras voltadas para o transporte individual motorizado. Consequentemente, esses sistemas estruturantes permitem a redução de 8% das distâncias percorridas, que por sua vez refletem na diminuição do consumo de combustível e emissão de poluentes.

A construção do plano de mobilidade urbana é um processo, que exige tempo, dedicação e comprometimento contínuo com a melhoria da qualidade de vida da população urbana. Felizmente, podemos constatar que há exemplos exitosos (Belo Horizonte-MG, Campo Grande-MS, Curitiba-PR, Distrito Federal, Joinville-SC, Porto Velho-RO, Ribeirão Preto-SP, Sorocaba-SP e Uberlândia-MG) e material educativo, como a publicação Passo a Passo para Construção de um Plano de Mobilidade Urbana (EMBARQ BRASIL, 2014), que demonstram a essencialidade de atuar sem pressa e com muita inteligência para efetivar um bom plano de mobilidade urbana.
Fonte: NTU Urbano nº 14