quinta-feira, 17 de novembro de 2011

Olhar estrangeiro sobre nossos estacionamentos

O Globo Blog
O americano Michael Kodransky, gerente do programa de redução de tráfego do ITDP (Institute for Transportation and Development Policy) de Nova York, esteve no Rio dias atrás. Uma visão de fora sempre é bem-vinda, sobretudo quando o estrangeiro observa boa parte da cidade. Michael andou a pé de Copacabana até a Lapa, foi à Barra da Tijuca, rodou pela Zona Norte. Falou sobretudo sobre como o Rio não é nada racional em matéria de estacionamento.A entrevista é longa, mas vale a pena percorrê-la até o fim.

Qual a sua impressão sobre a gestão de estacionamentos do Rio?


O Rio não gerencia seus estacionamentos tão bem à luz das melhores práticas globais. Na cidade, os estacionamentos são construídos e vendidos em prédios como um pacote, incluídos no preço do apartamento. Isso aumenta o preço da moradia ao torná-la mais cara para aqueles que não possuem carro. Além do mais, as regulamentações de estacionamentos não são atualizadas desde 1976. Há, por exemplo, exigências mínimas de vagas, que obrigam as incorporadoras a construir uma quantidade básica de vagas em função da área do empreendimento (se comercial, residencial, escolar, etc.). As incorporadoras geralmente perdem dinheiro na construção dessas infraestruturas, visto que são muito caras e em maior quantidade do que aquela desejada pelas próprias incorporadoras. Tais regulamentações induzem o uso do carro, pois tornam o acesso ao automóvel particular muito mais conveniente do que ao transporte público.



Então a opção por sempre construir mais e mais estacionamentos demonstra no Rio um certo descaso pelo transporte público?



Na verdade, não há uma conexão clara de como os estacionamentos influenciam nos planos de desenvolvimento sustentável de longo prazo da cidade ou como eles indiretamente impactam em congestionamentos, qualidade do ar, segurança viária, preço das residências e a qualidade de vida em geral. Quando perguntada sobre o problema dos estacionamentos, a maioria das pessoas na cidade dirá que eles são insuficientes. Na verdade, a regulamentação de estacionamento induz estacionamentos em excesso. Existem contradições na condução dos estacionamentos na cidade. Só para ilustrar, no empreendimento Centro Metropolitano da Barra, perto da futura Vila Olímpica, se o estacionamento fosse todo horizontal, ocuparia 69% da área construída, equivalente ao tamanho de 2,2 Jardins Botânicos. Segundo previsões, ele gerará mais de 50% de viagens de carro, mesmo que estará situado em um corredor de BRT.



Falta então uma visão mais sistêmica sobre estacionamento...



O Rio ainda precisa perceber as oportunidades que podem surgir através de melhores gestão, cobrança e aplicação da regulamentação de estacionamentos, como a desobstrução de espaços públicos por veículos, a mitigação dos congestionamentos, a melhoria da qualidade do ar e o reinvestimento da receita de estacionamentos na revitalização de bairros.



O que você acha do Edifício Garagem Menezes Cortes?



A pergunta é: Faz sentido haver um edifício com vários andares e 3.500 vagas de estacionamento em uma praça pública tão importante e situada em uma localização tão importante? O prédio foi construído antes da estação de metrô, mas hoje em dia a área é bem servida por transporte público. Para um terreno no coração da cidade, faz pouco sentido haver um enorme edifício de estacionamento ao invés de residências ou alguma outra forma de uso mais valiosa. Estacionamento, naquela região, deveria ter sido somente temporário.



Como cidades como Paris resolvem o problema de entrega de mercadorias em lojas de rua?



Elas regulamentam o tamanho dos veículos que podem entrar no centro da cidade. Paralelamente, eles possuem regulamentações, disponíveis na internet, sobre onde os veículos de entrega podem estacionar, bem como os horários e o período em que podem permanecer ali.



A prefeitura planeja instalar um novo estacionamento no Porto do Rio. Qual a sua opinião sobre isso?



Parece-me uma oportunidade desperdiçada de se criar um empreendimento de primeira linha, sustentável e orientado pelo transporte público, pautado nos pedestres, no uso de bicicletas e no transporte público. A cidade não conhece sua atual oferta de estacionamentos embora esteja planejando criar milhares de novas vagas.

De que maneira cidades como Paris, Nova York e Zurique resolveram seus problemas de estacionamento?



Todas essas cidades eliminaram as exigências mínimas de vagas e estabeleceram limites máximos no Centro para novos empreendimentos. A oferta de vagas de estacionamento, tanto de rua quanto privativo, foi congelada. Paris removeu milhares de vagas de estacionamento de rua para dar lugar a estações de aluguel de bicicletas, trilhos de trem, estacionamento de bicicletas e motocicletas e a outras utilidades mais apropriadas e benéficas ao bem-estar público. Zurique também restringe o estacionamento com base na distância entre um empreendimento e o transporte público e cobra tarifas progressivas: a cada aumento marginal no tempo estacionado, cobra-se um custo marginal por isso. Em Amsterdã, em vez de se construir estacionamentos residenciais privativos, a cidade regula melhor os estacionamentos de rua através da concessão de permissões de estacionamento para moradores. Isso serve como um limite baseado na localização. Em resumo, essas cidades estão resolvendo o problema do estacionamento por meio de restrições, esquemas de preços e a devida aplicação da legislação sobre o tema. Algumas cidades estão reinvestindo a receita de estacionamentos no aprimoramento do transporte público. Em Londres, uma porcentagem dos fundos financia o programa Freedom Pass, que permite que idosos e deficientes físicos transitem de graça. Em Barcelona, eles se destinam ao sistema de compartilhamento de bicicletas. Em Budapeste, os empreendedores contribuem com um fundo para ajudar a otimizar o transporte público.



Qual é a relação entre Paris, Nova York e Zurique e seu transporte público e estacionamento?



Para se promover o transporte público, é contraproducente haver muitos estacionamentos nas redondezas e acesso especialmente fácil destes a edifícios residenciais. Herman Knoflacher, da Universidade de Viena, realizou estudos mostrando que, para as pessoas utilizarem efetivamente o transporte público, a distância da residência a uma estação deve ser menor que a distância a uma vaga de estacionamento. Essas cidades têm removido vagas de estacionamento de automóveis particulares e as transformado em espaço para outros meios de transporte.



Você poderia dar os maus exemplos de cidades em relação à questão do estacionamento?



As cidades com os maiores problemas de congestionamento e poluição possuem estacionamentos grátis e/ou baratíssimos em grande quantidade e exigem que as empreiteiras construam muitas vagas de estacionamento em novos edifícios. Essas cidades não reveem suas políticas de estacionamentos há décadas, como Houston, Moscou, São Paulo e Nova Déli.

Cristina Baddini Lucas - Assessora do MDT