domingo, 14 de setembro de 2014

O silêncio dos principais candidatos a presidente sobre mobilidade urbana

 O urbanista Nazareno Stanislaw Affonso, coordenador do Movimento Nacional pelo Direito ao Transporte Público de Qualidade, e o ex-governador do Paraná Jaime Lerner foram os convidados para um seminário que debateu a economia verde e criativa no Museu da República, no Rio na abertura do Green Nation..
Os conflitos da mobilidade existem porque estão envolvidos interesses de atores bem diversos como o pedestre, o passageiro do transporte coletivo, o motorista, o morador e o dono do comércio, lembrou Nazareno. Ele entende que é um grande desafio respeitar todos esses interesses e milita por uma causa: a de minimizar a violência no trânsito.
Por não se sentir respeitado, por não conseguir abrir mão do que acha seu direito ou até por pura irresponsabilidade, o cidadão comum dos grandes aglomerados, quer esteja na pele de motorista, morador, pedestre ou comerciante, pode se tornar um assassino. E 40 mil pessoas morrem anualmente no Brasil vítimas de acidentes de trânsito, que deixam outros 120 mil em cadeiras de rodas.
Aqui vale um parêntesis para contar a vocês como a vida pode ilustrar bem a teoria. Saí do museu e peguei um táxi dirigido por um rapaz visivelmente com sono, sem o cinto de segurança e ansioso. Chamei a atenção dele, disse que deveria parar o carro para dormir um pouco e desci antes de chegar ao ponto que eu queria. Ainda tive que ouvir uns resmungos, provavelmente fui chamada de chata, mas, se tem uma coisa da qual não abro mão, é da minha vida. Quando consigo, me livro de um acidente infeliz. Fecha o parêntesis, voltamos ao encontro.
Jaime Lerner abriu sua palestra tocando num ponto que também venho observando desde o início da campanha política: a total ausência do tema mobilidade urbana (nem vou falar em sustentabilidade) nos discursos e entrevistas dos candidatos.
“Não temos um panorama claro sobre o que eles pretendem fazer nesse sentido. É possível mudar uma cidade, não se precisa mais do que três anos para oferecer mais qualidade de vida a seus moradores. Mas tem que ter vontade política e saber como transformar cada problema em solução”, disse ele.
Como gosta de fazer em suas palestras, dessa vez o ex-governador também contou a história do dia em que, dando entrevista para um jornalista do “The New York Times”, disse a ele que os ônibus em Curitiba passavam pelos pontos de 1 em 1 minuto e foi questionado pela sua própria mulher. Levou os dois à varanda de casa, que dava para uma rua com as canaletas características que conduzem os ônibus e contou: não estava demorando nem 40 segundos.
Hoje, porém, quando muitas cidades no mundo inteiro estão copiando o sistema implantado por Lerner nos anos 70, Curitiba já não é mais exemplo para ninguém. Mal operado, segundo o ex-governador, o método agora não respeita horários, e os passageiros superlotam os tubos de embarque.
“Funcionou muito bem durante mais de quinze anos e ainda é um bom sistema. Mas foi canibalizado para justificar a construção de meia linha de metrô. Como os ônibus passaram a demorar demais, o pessoal voltou a usar carro, e hoje Curitiba é a cidade que tem mais carros do Brasil. É duro assistir a isso. Dói mais do que abandono de mulher amada”, brincou o urbanista, quase um poeta.
E os carros voltaram às ruas de Curitiba. Como não saíram de São Paulo, do Rio, de outras grandes metrópoles brasileiras. Por coincidência, neste fim de semana assisti ao documentário “Entre Rios”, de Caio Silva Ferraz, que mostra a origem da cidade paulista. Para construir cada vez mais rodovias e assim ficar em dia com a indústria automobilística, os empregos e a geração de renda, os dirigentes foram matando, sufocando, os rios que sustentaram a vida de São Paulo durante quase 300 anos desde sua criação.
Nesse mesmo documentário há uma espécie de chamada para a responsabilidade de cada cidadão que ilustra bem o que o organizador do Green Nation quis dizer quando falou sobre o caráter punitivo da sustentabilidade. O pouco dos rios que ainda sobraram na cidade foi sendo poluído pelos próprios cidadãos que não têm medida, jogam nele toda sorte de lixo. “Cabe a nós proteger o que pretendemos valorizar”, diz a voz do narrador.
Jaime Lerner ratificou esse pensamento ao lembrar que “quando uma cidade sabe o que quer, o empreendedor trabalha a favor dela, mas quando ela não sabe, ele se torna um especulador”.
Não custa relembrar que estamos a pouco menos de um mês das eleições e que projetos de sistemas estruturais de transporte público não são benefícios, mas obrigação de quem governa o estado. No dia 3 de janeiro de 2012 entrou em vigor a lei 12.587, na qual está escrito que o transporte público, as bicicletas e as calçadas devem constituir política prioritária de Estado e os governos devem cumpri-la.

Amelia Gonzalez
G1