Há muito
anos, no Brasil, o transporte público vem sendo um tema potencialmente
explosivo. Isso se dá desde a Revolta do Vintém,no Rio de Janeiro, no final do
Império, passando por várias outras situações ao longo do Século 20 e chegando
aos nossos dias.
Entre meados
dos anos 1970 e meados dos anos 1980, houve dezenasde quebra-quebras nos trens
de subúrbio e ônibus urbanos no Rio de Janeiro, em São Paulo e também em outras
capitais, especialmente Salvador, onde, em uma ocasião, 400 ônibus – 2/3 da
frota – foram depredados devido a um aumento de tarifa.
Expressão
das lutas populares “contra a carestia”, as reivindicações por maisqualidade e pelo
barateamento das tarifas tiveram considerável importância para as medidas que
foram sendo tomadas nas últimas décadas: a implantação do Vale Transporte (Lei
no 7.418/1985), investimentos em ferrovias (sobretudo no Estado de
São Paulo, a partir de meados dos anos 1990)e, na maioria dos municípios, a qualificação
da gestão com renovação das frotas dos ônibus.
Apesar de
tudo, manteve-se a essência do eixo da política de estado para a mobilidade
urbana, implantada desde a década de 50: a universalização da propriedade e,
principalmente, do uso do automóvel, com a organizaçãodas cidades para que esse
modo de transporte tivesse todas as facilidades. Os transportes públicos, as
bicicletas e as calçadas continuaram submetidas a uma política de mercado. Foram
desmontadas as estruturas de gestão, de projetos e de investimentos do governo
federal para o transporte coletivo (EBTU e GEIPOT).
Os municípios
ficaram entregues à própria sorte, propondo-se a implantar e gerir a custosa infraestrutura
para os automóveis, tendo, simultaneamente, de administrar – sem recursos
econômicos, de pessoal e de gestão – os transportes públicos. Com raras
exceções, as municipalidades simplesmente ignoraram ser de sua responsabilidade
a implantação e a qualificação da infraestrutura adequada aos modos não motorizados
de transporte e aos pedestres.
Duas décadas. A motivação inicial das
manifestações que presenciamos recentemente estava nos aumentos tarifários.
Propostas como as do Movimento Passa Livre, com a bandeira da tarifa zero,
entusiasmam parte da população, mas não levam em conta totalmente as
complexidades e os custos embutidos na tarefa de transportar 50 milhões ou mais
de pessoas diariamente em todo o País.Assim, é preciso dizer, sobretudo aos
jovens e àqueles que têm, hoje, o poder de decidir as políticas públicas, que propostas
bem claras e operacionalmente viáveis para a mobilidade urbana existem.
Várias
dessas sugestões estão consolidadas pelo menos desde 31 de maio de 1993 –
curiosamente, exatos 20 anos e uma semana antes das primeiras manifestações do
último mês de junho – no relatório final de uma comissão especial para reduzir
as tarifas e promover melhorias nos serviços de transporte coletivo urbano nas
cidades brasileiras.
Instituída
por decreto federal em 30 de abril de 1993, essa comissão especial era composta
por representantes dos ministérios do Trabalho e dos Transportes, do IPEA, da
Frente Nacional de Prefeitos (FNP), Fórum Nacional dos Secretáriose Dirigentes
Públicos de Transporte Urbano e Trânsito, Associação Nacional das Empresas de
Transporte Urbano (NTU) e pela Associação Nacional de Transportes Públicos (ANTP),
que representava a sociedade civil.
Do relatório constavam propostas de desoneração
tributária para os três níveis de governo, incluindo para os insumos metroferroviários;
redução do preço do diesel para os transportes públicos;revisão da planilha
tarifária eexclusão, das tarifas, do pagamento das gratuidades; recursos para
investimentos,prioridade do transporte coletivo no trânsito e a criação de um
Conselho Nacional de Transportes Urbanos.Tais sugestões, como se sabe, não
prosperaram.
Outra tentativa, há dez anos. Uma década mais tarde, exatamente no
dia 23 de setembro de 2003, em ato na Câmara dos Deputados, foram criados o
Movimento Nacional pelo Direito ao Transporte Público de Qualidade para Todos
(MDT), congregando entidades da sociedade civil, e a pluripartidária Frente
Parlamentar do Transporte Público, que reforçavam as bandeiras da qualificação
e do barateamento dos transportes públicos urbanos.
Em novembro 2003,houve
a criação, em nível de governo federal, sob a coordenação da Secretaria de Assuntos Federativos, órgão da
Presidência da República, de um grupo de trabalho encarregado de empreender
nova tentativa de lidar com a equação ‘qualidade versus tarifa’.
Dessa vez,a
iniciativa reunia os ministérios das Cidades,Fazenda,Minas e Energia e do Trabalho,contando
com a participação, novamente, da Frente Nacional de Prefeitos, do Fórum
Nacional de Secretários, e da ANTP, além dos recém-criadosMDT e Frente
Parlamentar dos Transportes Públicos. O grupo reproduziu algumas das propostas
feitas 10 anos antes, acrescentando outras igualmente importantes.
O conjunto
de sugestões incluía: desoneração tributária, redução do preço do diesel em 50%,
revisão da planilha tarifária, extinção das gratuidades dos carteiros e
proibição de novas gratuidades, valorização do vale Transporte. Esperava-se,
com essas medidas uma redução de 20% no valor das tarifas para os usuários.
Agregou-se ainda
uma proposta de aumento 10 centavos de real no preço da gasolina vendida aos
proprietários de automóveis particulares para que se pudesse redução de 10% nas
tarifas do transporte público em todo território nacional; tal sugestão foi rechaçada
pela Petrobras, que tem mantido seu foco em garantir subsídios ao preço da
gasolina (122% em 12 anos) enquanto aumentou o diesel no mesmo período em 250% para um IPCA de 125% (IPEA NT 2/7/2013).
As propostas contidas no relatório final do grupo foram encaminhadas ao governo
federal, mas, como havia ocorrido uma década antes, também não frutificaram.
Sequência. Irmanados, o MDT e a Frente
Parlamentar dos Transportes Públicos seguiram levando suas propostas de
barateamento e de qualificação dos serviços de transportes público para a
sociedade e para os governos. Em seu primeiro manifesto, o MDT apresentou cinco
eixos de luta e, passados dez anos, é possível identificar conquistas
referentes a alguns desses eixos.
Um dos eixos,
concernente ao preço das passagens, diz respeito o “barateamento das tarifas para inclusão social”, mostrando ser
possível reduzir pela metade o custo do transporte para o usuário com medidas
objetivas: 18% de redução de tributos, 20% com os usuários deixando de pagar as
gratuidades, e 12% com a redução em 50% do preço do diesel. Dessas propostas,
algumas foram concretizadas há pouco tempo: medida governamental ocasionou
desoneração tarifária de 7,65%,referentes ao PIS/CONFINS e à redução do pagamentodos
encargos sociais pelas empresas de transporte, que passaram a pagar pelo faturamento
e não sobre a folha de salários.
Há em
perspectiva o projeto de lei originário da Câmara (PLC 310/09) – aprovado no Senado
e que deverá retornar à Câmara para, espera-se, completar rapidamente a tramitação
no Congresso– que ocasionará mais 15% de redução tarifária.
Outro eixo de
luta do MDT diz respeito à mobilidade para todos e quanto a ele é preciso
destacar a aprovação da Lei da Mobilidade Urbana (Lei 12.587/12), que, entre
outros dispositivos, prioriza o transporte não motorizado e o transporte
público no uso do sistema viário.
A Lei de
Mobilidade Urbana também cria as condições para que se atendaum terceiro eixo de
luta do MDT: ” prioridade ao transporte
público no trânsito”. Se implantadas pelas administrações públicas, as vias
exclusivas para ônibus com monitoramento eletrônico de invasão de faixa poderão
garantir o dobro da velocidade para os ônibus, com diminuição de quase 50% no
consumo do diesel, significando somente nesse item,redução de 12% nas tarifas.
De quebra, haverá diminuição da poluição ambiental e melhora efetiva da
qualidade do serviço, com menor tempo de viagem.
Como faz há
dez anos, o MDT e as entidades que compõem o seu Secretariado Nacional têm
buscado contribuir de varias formas para atender ao clamor das ruas por
transportes mais baratos e com qualidade. São ações, sobretudo, de natureza
técnica e política, no campo do esclarecimento quanto aos ganhos que se poderá
obter com a priorização, a qualificação e o barateamento do transporte público
em nossas cidades.
Nesta edição,
trazemos alguns exemplos desse trabalho persistente. Várias entidades
integrantes do MDT fazem parte do Comitê Técnico Nacional de Trânsito,
Transporte e Mobilidade Urbana, do Conselho Nacional das Cidades, que se reuniu
no início de junho; essas organizações levam ao Comitê e ao Conselho as suas
propostas e têm se mostrado dispostas atuar nos espaços participativos oficiais
que podem redundar em avanços quanto ao que recentemente se convencionou
chamarde ‘pacto pela mobilidade’.
Junto com
outras organizações, o MDT participou no final de junho de audiência concedida
aos movimentos sociais pela presidente Dilma Rousseff, ocasião em pôde
apresentar seus pontos de vista e propostas.
Em junho e
inicio de julho varias das entidades que compõem o Secretariado o MDT,lançaram
manifestações públicas sobre o momento político da Mobilidade como a Associação Nacional de Transportes Públicos
(ANTP), a Associação Nacional das Empresas de Transporte Urbano (NTU) Sindicato
dos Engenheiros de São Paulo (SEESP) e o Instituto de Energia e Meio Ambiente
(IEMA). E em julho o MDT junto com o Sindicato dos Engenheiros da Bahia (SENGE-BA)
promoverão em Salvador o seminário ”
Tarifa Zero e a Mobilidade Sustentável” – que debaterá a como construir a
Mobilidade Sustentável ao mesmo tempo que se se analisa os desafios de
implantar a Tarifa Zero e todas as implicações de seu financiamento diante das
condições vividas pelo País.
O otimismo é
um dos ingredientes essenciais das lutas de alcance social. Ao nascer, o MDT
queria contribuir para que o direito ao
transporte público de qualidade fizesse parte da agenda sócio econômica do
País. Hoje, o MDT está otimista em ver que várias de suas principais propostas
vêm, finalmente, ganhando maior espaço na sociedade e diante dos governantes,
caminhando para se transformarem em realidade. Mas tem clareza de que as
dificuldades ainda são muito grandes e que o empenho deve ser redobrado.
Editorial
“Movimentando” junho 2013