segunda-feira, 29 de agosto de 2016

Inovações tecnológicas confrontam: Automóveis x Transporte Público

03/08/2016 ANTP - Ivan Metran Whately



Em todo o mundo, os automóveis despontam com inovações revolucionárias, enquanto o transporte público permanece com uma evolução anêmica. Ressalvados os avanços tecnológicos dos trens de grande velocidade, dos motores lineares e dos progressos em software ferroviário, o transporte público permanece quase o mesmo durante os últimos cinquenta anos. No caso dos ônibus, então, pouquíssima evolução foi introduzida. Surgiram algumas tecnologias para melhorar o desempenho dos motores dos veículos, regulamentações para reduzir a emissão de poluentes e operações para aumentar a produtividade do transporte sobre pneus, tais como: as faixas exclusivas e BRT. Ainda assim, as tecnologias de energia limpa para ônibus só tiveram repercussão em alguns países do norte europeu e a grande maioria das frotas do mundo insiste em queimar combustível fóssil. 
Paradoxalmente, os automóveis mostram avanços em novas tecnologias e na economia do compartilhamento. As várias frentes de inovação são, talvez, impulsionadas pela importância econômica da indústria automotiva na economia mundial. Na expectativa de uma interpretação mais convincente para o que está acontecendo, vale especular para reflexão - mesmo que superficialmente - o que brota na profusão de inovações pelo mundo.
As inovações são numerosas e mostram que a indústria automobilística está se reinventando, desde as novas tecnologias para os veículos com uso de energia limpa, passando por software para itinerários e automatismos para os deslocamentos dos veículos (sem motorista), até ganhos econômicos para compartilhamento de passageiros no uso de automóveis.
A inovação mais divulgada pelo mundo foi a busca por energia limpa que levou a indústria ao aprimoramento das tecnologias, como de veículos: flex, híbridos, elétricos e a hidrogênio. Mas a coisa não ficou na fabricação de automóveis de grande performance, novos serviços ou funções complementares foram incorporados para atender à evolução da sociedade informatizada. O carro dos dias de hoje tem mais a ver com a eletrônica do novo século que com as máquinas mecânicas do século XX e, no âmbito das corporações industriais, as fusões entre montadoras do mesmo ramo, comuns no século passado, começam a ser substituídas por associações com empresas típicas do ramo de informática.
Os automóveis contemporâneos incorporam inovações eletrônicas e a imprensa divulga novidades, como: a Ford se uniu à Amazon para conectar carros a casas inteligentes; a BMW, a Daimler e a Audi adquiriram o serviço de mapas da Here para ficar independentes da Google; a Apple planeja veículos elétricos que seriam também eletrônicos, da mesma forma que produz os seus iPhone; o compartilhamento informatizado de passageiros nos carros é uma preocupação nova que pode ser encontrada na GM ao se associar ao aplicativo Lyft.
Essas e outras informações demonstram que a indústria automotiva está em transformação. Produtos que eram objeto de status ou de estilo pessoal se transformam em outros de maior interesse no software e nos sistemas de entretenimento. Os fabricantes de carros, realmente, estão se voltando para um produto inusitado e atraente para todos os usuários da mobilidade.
Outra inovação noticiada atropela as descritas anteriormente e pode trazer maiores transformações, muito mais revolucionárias: a Ford se associa à Google para a produção de carro sem motorista. Também propalam que já existe, em áreas restritas, o uso de veículos automáticos sem motoristas. Até o presente, ainda não estão resolvidos todos os problemas da automação, como os conflitos no meio urbano, mas há previsão de resolvê-los rapidamente. Talvez, os veículos sem motorista começarão a rodar em nossas ruas até 2018 e se firmarem até 2030. Se isso acontecer, fatalmente as empresas de táxis, os aplicativos tipo Uber e os clubes de carros se fundirão numa grande alternativa à compra tradicional de automóveis. E ainda, as frotas familiares poderão ser reduzidas a 1/3 do tamanho atual.
Quando associados às companhias produtoras dos veículos da mobilidade, os aplicativos revolucionam a organização das atividades urbanas, alteram as maneiras de viajar e se espalham pelas cidades. Introduzem o compartilhamento informatizado de corridas, as redes de carsharing, os clubes de carros e as reservas de corridas. O aplicativo ZipCar da AVIS cresce, as locadoras de veículos aderem aos novos modelos de aplicativos e aumentam as reservas de serviço por 15 minutos que atraem os proprietários de carros para essa alternativa, também acarretando a diminuição da frota. O crescimento do compartilhamento influenciará a redução do número de carros nas ruas, sem que esses passageiros migrem para o transporte público.
Os aplicativos do tipo Uber, ou seus assemelhados Will Go (indiano), Didi Dache (chinês), Caliby, Televo e EasyGo  são concorrentes mais baratos e muito mais eficientes que os táxis. A grande novidade dos aplicativos nas cidades são as corridas da última milha ou as alternativas. Atraentes para os proprietários ou usuários de carros, atendem a pequenos trechos para integração com uma rede de transporte público e, ainda, oferecem variações na prestação de serviço de transporte compartilhado que concorrem até mesmo com o transporte público.
A combinação de estratégia ambiciosa, execução colaborativa e apoio tecnológico confiável, facilita o uso intenso dos aplicativos, consolidando-se, até, como alternativa aos transportes individual e público. Os novos modelos de negócios se beneficiam do contexto mundial das inovações e, no momento, revolucionam a maneira como são organizadas as atividades urbanas. Em Nova York (EUA), por exemplo, a imprensa noticiou que o aplicativo UberPool implantou um  compartilhamento de automóveis, cobrando o serviço por meio de um cartão no valor mensal de US$79,00 para uso por quantas vezes quiser na hora de pico. Enquanto o bilhete de Metrô em Nova York custa US$2,65, o B.U. da UberPool sai por mais ou menos US$2,00 pelas viagens na hora de pico. Essa inovação atraente leva o metrô de Nova York a enfrentar uma concorrência ruinosa que custa menos e oferece transporte porta a porta. Resta saber qual o impacto que terá sobre os 5,7 milhões de passageiros transportados na rede nova-iorquina, ou qual será o choque quando essa inovação chegar a São Paulo e afetar as redes de metrô, ferrovia e de ônibus que já sofrem com redução de usuários.
As inovações são essenciais para o surgimento de cidades competitivas e sustentáveis. Cabe ao Brasil e a todos os países estimularem as inovações e tornarem-se "mais inteligentes", mas fica uma pergunta: estamos prontos para a temeridade do compartilhamento desregulamentado? 
Ivan Metran Whately, Especialista em Planejamento de Transporte, é Diretor do Departamento de Mobilidade e Logística do Instituto de Engenharia.