segunda-feira, 10 de novembro de 2014

Na 8ª Reunião da Mesa-Redonda da Sociedade Civil Brasil-União Europeia, coordenador do MDT analisa rumos da mobilidade no País

Representado por seu coordenador nacional, arquiteto e urbanista Nazareno Affonso, o MDT participou no Palácio do Itamaraty, em Brasília, dos debates da 8ª Reunião da Mesa Redonda da Sociedade Civil Brasil União Europeia. No início da tarde do segundo dia dos trabalhos, Nazareno Affonso atuou no Painel 3 – Mobilidade Urbana como objetivo de desenvolvimento sustentável, ao lado de Jorge Nazareno Rodrigues, conselheiro do Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social (CDES), e presidente do Sindicato dos Metalúrgicos de Osasco e Região, de Anna Nietyksza, conselheira do Conselho Econômico e Social Europeu (CESE) e presidente do Conselho de Administração da Sociedade Eficom.


Além do tema da mobilidade urbana, o documento final engloba recomendações sobre mobilidade do conhecimento, Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) e novos indicadores de desenvolvimento além do PIB e mobilidade urbana. As orientações serão encaminhadas a governantes de ambas as regiões, por ocasião da próxima Cúpula de Chefes de Estado do Brasil e da União Europeia (UE), que será realizada em 2015.
Colocações iniciais. Inicialmente, Nazareno Affonso agradeceu o convite em nome das entidades que representa: Movimento Nacional pelo Direito ao Transporte Público de Qualidade para Todos (MDT), Associação Nacional de Transportes Públicos (ANTP), RUAVIVA Instituto de Mobilidade Sustentável e Fórum Nacional de Reforma Urbana (FNRU). “É com muita honra que recebi o convite para trazer a esta 8ª reunião da Mesa-Redonda da Sociedade Civil União Europeia-Brasil as nossas questões”, disse, informando que trabalha com os temas da mobilidade há mais de quarenta anos, tendo sido assessor de movimentos populares e exercido o cargo de secretário de mobilidade em três importantes cidades do País: a própria capital federal, Brasília, Porto Alegre e Santo André.
Privilégio ao automóvel. Na sequência de sua explanação, Nazareno fez um rápido apanhado a respeito da evolução da mobilidade no Brasil, sobretudo a partir da segunda metade do Século XX, período em que se efetivou um amplo, acelerado e desordenado processo de urbanização. “Fizemos uma opção nos anos 1950 por universalizar a propriedade e o uso do automóvel como política de Estado. A partir dessa decisão, o Estado brasileiro passou a buscar formas de viabilizar esse modal, passando a desenvolver uma série de políticas. Em primeiro lugar, favoreceu a indústria automobilística de várias formas para que se instalasse e crescesse, trazendo para cá as filiais de montadoras de todo o mundo. Como resultado disso, estamos atualmente entre os países com maior número de montadoras do mundo. Junto com isso, foram feitos investimentos que hoje podemos calcular em aproximadamente um trilhão de reais em sistema viário em nossas cidades, dos quais mais de 90% ficam à disposição do automóvel”.
O dirigente do MDT disse também que, além de privilegiar os automóveis, adotou-se no País uma política que concedeu ao transporte público não o caráter de um serviço importante e essencial para a sociedade e para a economia, mas, simplesmente, a feição de uma atividade que deveria ter uma “solução de mercado”. Isso significa que o transporte público, que atende à maior parte da população, em primeiro lugar, passou a ser custeado pelos próprios usuários, que são, atualmente, os principais financiadores dos sistemas existentes nas cidades brasileiras. “Os usuários pagam pelo próprio transporte e ainda arcam com outros custos. Por exemplo, cerca de 20% do valor da tarifa é para garantir as políticas sociais estabelecidas por leis – algumas das quais são justas, como a gratuidade a idosos e a pessoas com deficiência e 50% de desconto na tarifa para estudantes, mas deveriam ser pagas por fundos públicos específicos. Os usuários também e pagam todos os tributos”, disse, prosseguindo: “E, além de tudo isso, os usuários ainda pagam o que podemos chamar de ‘taxa de congestionamento’, ou seja, o custo da ineficiência da operação – calculado em cerca de 20% –, situação decorrente do fato de os ônibus trafegarem no meio do congestionamento dos automóveis. Resumindo, o transporte coletivo é penalizado para que o automóvel circule tranquilamente no Brasil”.
Manifestações e mudanças. O coordenador do MDT assinalou que muitas vezes a população se insurgiu contra a situação do transporte público urbano e suas tarifas. “Houve muitas manifestações no Brasil, motivadas por essa questão. Isso vem desde a época dos bondes, quer dizer, desde os anos 1930, passando por vários outros momentos, com revoltas populares”, disse Nazareno, acrescentando que, recentemente têm sido observadas ações positivas do poder público, com um volume maior de investimentos.
Segundo o coordenador do MDT, com a vinda da Copa do Mundo, houve um acordar do governo federal e ampliaram-se os investimentos em mobilidade, com aumento de R$ 12 bilhões para R$ 143 bilhões o total de recursos disponíveis para os sistemas estruturais do setor. Desse total, há uma parcela menor de recursos do Orçamento Geral da União, uma parcela maior de recursos para investimentos disponibilizados por instituições financeiras federais e contrapartidas de agentes públicos e privados. Há ainda recursos significativos investidos pelos governos estaduais de São Paulo e Rio de Janeiro, os quais, em parte, são provenientes daquele volume disponibilizado pelo governo federal.
Nazareno destacou que esses recursos foram investidos principalmente – cerca de 80% – em sistemas estruturais de transporte urbano sobre trilhos, como linhas de metrô, de monotrilho ou sistemas de Veículos Leves sobre Trilhos, (VLT, e o restante em sistemas de BRT (Bus Rapid Transit), com ônibus modernos em vias segregadas, com paradas que permitem ultrapassagem. “Então, o primeiro alento que nós temos tem sido isso”, disse o dirigente.
Cuidar do transporte no dia a dia. Assinalando que cidades europeias chegam a ter dependência do automóvel maior do que a registrada no Brasil – “Na região de Paris, observa-se uma divisão de 70% para o automóvel contra 30% para o transporte público” –, Nazareno observou que o velho continente vem desenvolvendo há muitos anos uma política clara de qualificação do sistema de transporte quotidiano, tanto os sistemas estruturais quanto aqueles que circulam na rua sem uma estrutura própria, nem vias prioritárias. Ele acrescentou: “No Brasil, infelizmente, a operação de qualidade ocorre somente onde há sistemas estruturais e esses sistemas de maior capacidade não respondem nem por 20% da demanda de transporte público. Assim, defendemos, de forma muito veemente, que parte dos recursos já disponíveis seja aplicada para melhorar os sistemas de ônibus convencionais”.
O dirigente do MDT disse acreditar que, com 10% dos recursos disponibilizados, o País terá condições de mudar, por exemplo, toda a frota de ônibus. “Temos algumas das indústrias mais modernas de ônibus, mas, infelizmente, 93% dos ônibus que circulam no Brasil são ‘caminhões encarroçados’. Nossa indústria está preparada para fornecer ônibus com piso rebaixado, câmbio automático, suspensão a ar, oferecendo qualidade para os usuários. Acreditamos também que podemos implantar para controle de nossos ônibus todo um conjunto de sistemas inteligentes informatizados. É perfeitamente viável aplicar em nossos sistemas de transporte equipamentos que permitam ao usuário saber em quantos minutos irá passar o seu próximo ônibus. O desespero de quem usa o transporte público está justamente em ficar esperando o ônibus sem ter ideia de a que horas ele irá passar, já que na maior parte dos nossos pontos de parada não há sequer um quadro de horário. Nossa esperança é que o governo acorde e passe a cuidar do transporte no dia a dia”.
Sistemas estruturais melhoram. Quanto aos sistemas estruturais, o entendimento de Nazareno Affonso é de que as mudanças positivas já vêm ocorrendo. “Percebe-se uma melhoria significativa na qualidade em várias localidades do Brasil, como, por exemplo, a ampliação da rede metroferroviária em São Paulo, inclusive com a implantação de dois monotrilhos, e no Rio de Janeiro, com nova linha de metrô e uma rede de VLTs. No Rio de Janeiro, Belo Horizonte e Brasília estão em operação ou sendo implantados novos sistemas de BRT, que são sistemas muito qualificados de transporte por ônibus.
Bicicletas. O coordenador do MDT se referiu também às bicicletas, assinalando que apenas recentemente esse modo de transporte entrou na pauta dos governos. “Até algum tempo atrás, as bicicletas eram consideradas um ponto fora da curva, quer dizer, não havia a responsabilidade pública sobre elas, apesar de responderem por mais de 6% das viagens no País, enquanto o automóvel responde por 30% das viagens”.
Ele afirmou: “Agora, um avanço está começando a acontecer e é, em grande medida, resultante da mobilização da sociedade. As administrações municipais acordaram para as bicicletas. Em Brasília, vamos chegar em 400 km de ciclovias. São Paulo está se comprometendo com 200 km. Estão sendo desenvolvidas iniciativas significativas na cidade paulista de Sorocaba. Existem várias experiências com muita qualidade nesse sentido. Acho que isso é algo que já se tornou irreversível e é uma conquista claramente social. E a cada dia há mais engajamento de pessoas nesse sentido”.
Calçadas. Para Nazareno Affonso, diferentemente das bicicletas, as calçadas continuam sendo um problema para o qual ainda não se encaminhou uma solução. “As calçadas foram entregues aos proprietários para que cuidassem delas; então, o que se vê é que eles criaram verdadeiras pistas de obstáculos para os pedestres, em especial os idoso e, sobretudo, para pessoas com deficiência. E isso acontece porque os proprietários querem garantir a melhor condição de acesso para seus automóveis a suas respectivas garagens, dentro das propriedades. O poder público geralmente se isenta de cuidar das calçadas. Então, no geral, mesmo aquelas calçadas que apresentam grande quantidade de usuários não recebem qualquer tipo de tratamento”. Ele assinalou que as calçadas no Brasil, diferentemente das calçadas que conheceu em cidades europeias, são ainda bastante precárias, apesar de existirem dois dispositivos legais bem fortes para garantir acessibilidade para pessoas com deficiência. Um deles é a Lei de Mobilidade Urbana, editada em 2012, e a outra, anterior, um decreto presidencial de 2004, que regulamenta as duas leis de acessibilidade, editadas no ano 2000, e que estabeleceu o final deste ano de 2014 como prazo para a implantação de padrões de acessibilidade em calçadas, veículos de transporte público e prédios públicos. “Infelizmente, o cumprimento desse decreto, avançou, mas não como deveria, mas ainda temos a esperança de que essas leis venham a exercer um papel importante na estruturação das calçadas”.
Matriz de transporte. Nazareno Affonso falou também sobre o tema da matriz do transporte no País. “Com relação à mudança da matriz de transporte, recordo que aqui, no Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social (CDES), foi elaborado um bom trabalho no qual fica claro que o modelo que preconiza mais carros e mais vias, é um modelo que está falido. E por que faliu? Creio que isso é devido fundamentalmente a uma política social de inclusão de 1/4 da população – quase 40 milhões de brasileiros – que passaram ter acesso à compra e ao uso do automóvel. O automóvel deixou de ser um modo de transporte só de elite e isso fez com que esse modelo falisse, porque as cidades estão mais e mais congestionadas, travadas. Em Brasília, na época em que fui secretário, entre 1997 e 1998, havia 530 mil carros e, hoje, já há cerca de 1,5 milhão de automóveis. Isso nos dá uma ideia do crescimento vertiginoso da frota, que aumentou quase quatro vezes mais do que a população. Brasil vem batendo recordes em cima de recordes de fabricação de automóveis”
Diante desse quando, para o dirigente do MDT, o desafio que está colocado diz respeito não apenas à esfera da mobilidade, mas também às esferas do bem estar da sociedade, da eficiência econômica das cidades e da qualidade ambiental. “Estou me referindo à necessidade de uma mudança da matriz de mobilidade no Brasil, com a implantação e qualificação de sistemas de transporte público urbano. Isso engloba a produção de veículos e equipamentos para o que, como disse, nossa indústria está capacitada, mas também envolve um processo de capacitação dos nossos municípios para que possam assumir essa responsabilidade. Propiciar a capacitação dos municípios é uma tarefa que cabe não apenas ao governo federal como também aos Estados.
Mortes do trânsito. Na parte final de sua explanação, Nazareno Affonso fez comentários sobre os objetivos do desenvolvimento sustentável, documento que chegou a ele por meio do CDES. Ele assinalou: “Se eu tivesse que escolher um grande problema de mobilidade no Brasil para ser resolvido de imediato eu escolheria a violência no trânsito. Nós matamos 43 mil pessoas por ano. Isso significa que, no dia de hoje, em que estamos aqui, participando deste encontro, 130 pessoas estão sendo mortas no trânsito do Brasil, outras 500 pessoas estão adquirindo uma deficiência permanente e outras duas mil estão sendo feridas. Se compararmos com qualquer guerra, perceberemos que estamos numa situação muito grave. E todos sabemos muito bem que a solução requer política pública, e que não se trata de problema de educação. O nosso ponto de vista é de que a o quadro se agrava em razão da impunidade. Porque nós temos visto que o poder público não exerce sua fiscalização a contento e o judiciário muitas vezes favorece o infrator. Em São Paulo, para cada multa aplicada, deixam de ser lavradas outras 14 mil. Esse dado nos permite ver que temos condições de dar um salto muito grande e melhorar a nossa condição”.
Nazareno exemplificou o tipo de política pública capaz de derrubar o número de vítimas do trânsito com um programa desenvolvido em Brasília entre 1995 e 1998, pelas secretarias de Transporte, da qual era titular, e de Segurança Pública, apoiado por mais quatro secretarias de Estado. “Em apenas três anos, conseguimos reduzir em 50% o número de mortos e feridos. E como agimos? Implantamos 330 pontos de controle de velocidade, colocamos 700 homens nas ruas, desenvolvemos ações educativas, conquistamos o apoio da imprensa e conseguimos o principal: a adesão da maior parte da sociedade. E tudo começou fundamentalmente com a presença do Estado”.

INFORMATIVO MDT