segunda-feira, 29 de dezembro de 2014

O que esperar da mobilidade urbana em 2015?

Adamo Bazani

Todo início de ano é a mesma coisa. É época de fazer um balanço do que se foi e pensar no que pode estar reservado para os próximos 365 dias que marcam o calendário romano, o qual a maior parte do Ocidente segue.
É assim com todas as áreas: vida pessoal, com o país, a economia, política e com os setores que fazem parte do dia a dia de todos os cidadãos. Entre eles está a mobilidade urbana.
Aliás, mobilidade urbana que virou um termo da moda e um ótimo chavão nos discursos e promessas de políticos.
Mas o que esperar do ir e vir das pessoas nas cidades em 2015?
Pois bem, se a população em geral, os operadores de transporte, a indústria do setor e, especialmente, os passageiros, esperarem e somente esperarem, muito pouca coisa vai acontecer. Exemplo foi a Copa do Mundo, que teve resultados pífios não só em relação ao futebol (dos males o menor), mas, sobretudo, a respeito do tal legado.
As obras de mobilidade para a Copa não foram entregues como o prometido e algumas delas vão ficar prontas somente nas Olimpíadas em 2016. Mas os estádios, inclusive, os elefantes-brancos em cidades onde não há um futebol expressivo, estão em pé. Muitos com serventia contestável.
No entanto, tanto empresários do setor de transportes, passageiros e indústria devem saber bem o que cobrar.
Não adianta apenas falar: "queremos um transporte melhor” porque a resposta vai ser exatamente a mesma: "faremos, eleitores queridos, um transporte melhor”.
Não adianta a população sair às ruas querendo tarifa-zero se não for discutido se isso vai ser possível e de onde virá o dinheiro para bancar os custos de operação. Não adianta o empresário cobrar do poder público melhores condições de operar se ele mesmo não fizer jus em demonstrar planos concretos para também oferecer um serviço de melhor qualidade. Não adianta a indústria do setor de transportes pedir inúmeras desonerações e incentivos se não houver um compromisso formal e que possa ser mostrado em números sobre a possibilidade de se investir no desenvolvimento de ônibus ainda mais modernos e manutenção e até ampliação do número de empregos.
Saber cobrar é fundamental.
E há questões concretas que precisam ser lembradas e que vão melhorar e muito a questão do transporte público nas cidades. Os diversos agentes ligados à mobilidade urbana devem, cada um com sua perspectiva, se unir em prol destas questões.
É burrice achar que empresário de ônibus e população, por exemplo, são inimigos. Um demonizar o outro só vai fazer com que o inferno que é tentar se deslocar nas cidades se torne mais aterrorizante.
Um dos exemplos de questões que devem ser enfatizadas é a PEC 90 que faz com que o transporte público passe de serviço essencial para direito social. Não é questão de terminologia, mas com a alteração, será possível mais fontes de financiamento e recursos direitos para o transporte coletivo que é uma das principais soluções para a diminuição dos congestionamentos que tanto corroem tempo, saúde, dinheiro e qualidade de vida.
As cidades devem se tornar democráticas. A lei da Mobilidade Urbana, número 12.587, de 2012, estabelece que municípios com mais de 20 mil habitantes elaborem seus planos para os deslocamentos dos cidadãos. O limite inicial é de que todas as cidades com este total de pessoas concluam os planejamentos em abril de 2015, mas o Congresso já discute ampliá-lo para 2018. Por quê? Porque boa parte das cidades sequer deu atenção ao assunto. 
Se o mero contribuinte deixa de cumprir alguma lei, ele é severamente punido. Mas se os administradores públicos não fazem a lição de casa, na canetada conseguem mudar de prazo.
Associações de Empresários, Indústrias de Ônibus e Materiais de Ferrovia e Movimentos Populares precisam cobrar esta questão.
"Entre as exigências da Política Nacional de Mobilidade Urbana, os planos devem priorizar o transporte coletivo sobre o individual, com foco na intermodalidade. A definição, além disso, deve contar com a participação popular. A política tarifária deve ter contribuição dos beneficiários diretos e indiretos para custeio da operação dos serviços, e é permitido o subsídio.
O objetivo, segundo o texto da lei, é integrar os diferentes modos de transporte e melhorar a acessibilidade e a mobilidade a fim de contribuir para o acesso universal à cidade.” – diz o texto básico.
Para isso, é necessário criar malhas de transportes que integrem ônibus alimentadores de bairro eficientes, ônibus em corredores exclusivos de alta velocidade, trem e metrô.
Outro ponto para democratizar os deslocamentos é o financiamento dos transportes.
Um carro polui proporcionalmente bem mais por pessoa transportada que um ônibus, mesmo na comparação com um coletivo de tecnologia antiga. Assim, este usuário do carro provoca mais gastos na saúde pública, na conservação e sinalização de vias e ocupa de forma desproporcional o ambiente urbano.
Ele dá mais gasto, portanto, para usar a cidade do que um passageiro que usa ônibus, trem ou metrô. Então, ele deve pagar mais. É justiça, não é perseguir quem usa carro, às vezes por falta de opção de um bom transporte.
Mas para o transporte ser bom, não há varinha de condão e nem apenas boa vontade basta.
É preciso ter dinheiro para investir.
E nada mais justo que as pessoas que usam de maneira desproporcional a cidade compensem quem usa de maneira inteligente, racional.
Assim, a proposta da destinação de parte da Cide – Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico, o tal imposto da gasolina, para o financiamento do transporte público pode, se bem aplicada, ajudar a corrigir ou reduzir esta distorção.
Além disso, as políticas de gratuidades precisam ser tratadas sem demagogias.
Primeiro é preciso entender que não existe gratuidade. Os serviços têm custos e são remunerados de alguma maneira.
Hoje o que se vê nas cidades é a proposta de passe-livre para estudantes. A gestão do prefeito de São Paulo, Fernando Haddad, anunciou a medida, logo em seguida, os municípios do ABC Paulista já declararam que vão adotar a prática que deve se disseminar em todo o País.
A ideia realmente é muito boa. Afinal, torna universal e reduz o custo pessoal do acesso à educação.
Mas de onde vai vir o dinheiro para bancar este direito? Há várias fontes, como destinação melhor de impostos e a própria arrecadação destinada à educação. Pode parecer ruim dizer que as secretarias de educação devem colaborar com passagens de ônibus num país que nem oferece faculdades e escolas básicas suficientes.  Mas ora, o argumento dos políticos não foi esse? Que o transporte até a instituição de ensino faz parte da educação. Então não é justo que os passageiros pagantes e as transportadoras arquem com isso.
Se a educação é universal, assim como o acesso a ela também, o financiamento deve ser universalizado e não cair nas costas de uma parcela da sociedade.
Nesta breve reflexão é possível ver que não precisa tirar coelhos da cartola e nem inventar a roda para melhorar os transportes. Já há em andamento propostas que podem ser concretas.
Basta que as cobranças também sejam concretas. 

Adamo Bazani, jornalista da Rádio CBN, especializado em transportes

quarta-feira, 24 de dezembro de 2014

2014 foi um ano de inúmeras conquistas para a mobilidade sustentável

“O MDT deseja
 que em 2015 a
Mobilidade Sustentável faça
parte da vida de cada
brasileiro e brasileira,
fazendo valer a Lei da
Política Nacional da
Mobilidade Urbana (Lei
12.587/12), trabalhando
para que os investimentos em
sistemas estruturais de
transporte se viabilizem com
qualidade para seus
passageiros, tornando a
cidade mais humanizada e
segura para pedestres e
ciclistas e ampliando o
Direito à Cidade.”
Um 2013 de muita paz. 

Juntos podemos construir um país mais justo e equânime.

Um forte abraço,
da Equipe Direta do MDT


Nazareno Stanislau Affonso- Coordenador Nacional
Raphael Dorneles- Secretário Executivo
Cristina Baddini Lucas- Blog e Facebook do MDT
Alexandre Asquini- Jornalista Movimentando
Paulo Souza – MDT Goiás

Equipe do IBDU - José Leandro, Irene, Pedro de Paula e Diana
 

sexta-feira, 19 de dezembro de 2014

ANTP entrevista Eduardo Vasconcellos - Eduardo Vasconcellos (Ponto de vista)


A entrevista abaixo foi realizada em 2013, portanto em meio às manifestações de luta pela redução da tarifa do transporte público em todo o Brasil. Pela importância do tema, e por sua atualidade, o repetimos aqui.





As manifestações recentes que tomaram conta do país tinham  e ainda têm  como questão central a tarifa do transporte público. No caso de São Paulo nada a estranhar. Pesquisa Datafolha de 2012, que identificava os 11 principais problemas da cidade, reiterava que o transporte público, que há 23 anos era uma das principais queixas dos eleitores paulistanos, seguia no topo das preocupações.

As manifestações de rua partiram como reação ao aumento dado à tarifa, que sofreu aumento de R$ 3,00 para R$ 3,20, tanto nos ônibus, como no sistema Metro-ferroviário da cidade São Paulo. O slogan da redução do valor da tarifa acabou se superpondo a tema da Qualidade do Transporte. Aliás, acabou escondendo este tema. Os manifestantes exigiram que o prefeito e o Governador retroagissem o valor da tarifa ao valor anterior, o que acabou acontecendo não somente em São Paulo, como também no Rio de Janeiro, além de inúmeras capitais e outras grandes cidades do país, uma vez que o problema é comum a todos.

O colapso da mobilidade urbana é evidente, penaliza as pessoas e dificulta seu direito de ir e vir. O transporte público sempre foi negligenciado, mas o recente crescimento da frota de carros e motos só fez piorar esta situação.

Para jogar um pouco mais de luz sobre esta discussão, conversamos com Eduardo Vasconcellos, assessor da ANTP, que deu sua opinião sobre algumas questões relativas ao tema.

Site ANTP - É possível reduzir a tarifa e ao mesmo tempo melhorar a qualidade do transporte? De que forma, ou em que itens? Existem estudos a respeito?

Eduardo Vasconcellos - Se os investimentos estiveram relacionados à arrecadação do sistema, não será possível melhorar a qualidade, pois haverá menos recursos. Mas se os investimentos vierem de fontes adicionais, não haverá problema.

Site ANTP - Em que medida o congestionamento afeta a mobilidade nas grandes cidades, e de que forma prejudica a grande maioria, aqueles que dependem exclusivamente do Transporte Público?

Eduardo Vasconcellos - O congestionamento tem um grande impacto negativo no desempenho do transporte público, pois reduz a velocidade dos ônibus, aumentando a frota necessária para transportar as pessoas. Com isto, aumentam o custo de operação e a tarifa.

Site ANTP -  É possível mensurar que parcela da população, e de qual faixa de renda, será beneficiada com a redução da tarifa? No caso dos trabalhadores que recebem Vale Transporte, quem se beneficia?

Eduardo Vasconcellos - Todas as pessoas que pagam algum valor em dinheiro seriam beneficiadas. Elas são os que pagam 100% em dinheiro (mesmo que carregado em cartões), os que pagam com descontos e os que pagam com vale-transporte (a parte de até 6% dos seus salários).

Site ANTP - Não seria importante colocar o dedo na ferida, ou seja, discutir de fato a recuperação do espaço público, que foi brutalmente apropriado por anos a fio pelo automóvel e, mais recentemente, pela motocicleta, em detrimento do transporte coletivo? E isso como decorrência de várias políticas de incentivo e estímulo de vários governos?

Eduardo Vasconcellos - Sim. Especialmente no caso da cidade de São Paulo ? devido às dimensões da demanda e ao elevado grau de congestionamento ? a discussão central é a eficiência do sistema de mobilidade, especialmente do transporte coletivo. A eficiência do sistema está relacionada à qualidade da distribuição de linhas e da oferta de serviços de transporte, mas também ao nível do congestionamento. O congestionamento cresceu muito nos últimos vinte anos e é causado principalmente pelo uso excessivo do automóvel, que ocupa 85% do espaço físico do sistema viário principal. Isto aumenta os ciclos semafóricos e os tempos de espera, causando grandes atrasos à circulação dos ônibus. Adicionalmente, o uso de 85% do espaço viário pelos automóveis impede que os ônibus tenham uma segunda faixa para utilização, o que os comprime dentro de um espaço exíguo, com a formação de filas que aumentam exponencialmente os seus tempos de percurso. Pode-se estimar que o congestionamento atual de São Paulo encareça o custo total por passageiro em R$ 1,0 a 1,5. Assim, melhorias básicas na eficiência de circulação dos ônibus trariam economia muito superior aos R$ 0,20 que são hoje discutidos.

Site ANTP - Há alguns cálculos para os custos diretos e mesmo indiretos do congestionamento, mostrando, independente das cifras, que a opção pelo transporte individual levou São Paulo (e outras grandes cidades do país) à destruição de vários de seus espaços urbanos. No entanto, há estudiosos que ainda insistem em acreditar em saídas para a circulação do automóvel. Afinal de contas, a quem o congestionamento mais penaliza? É possível mensurar, e em caso positivo, em qual grandeza: tempo, saúde, dinheiro, etc?

Eduardo Vasconcellos - O congestionamento elevado prejudica a todos as pessoas que circulam, porque aumenta os tempos de percurso de todos ? inclusive os pedestres, que têm de esperar mais para cruzar as vias, porque os tempos semafóricos aumentam. Adicionalmente, ele aumenta o consumo de energia dos veículos e a emissão de poluentes por automóveis, ônibus e caminhões. Considerando que há 25 milhões de deslocamentos a pé, em ônibus e automóveis por dia, caso o congestionamento aumente o tempo médio em 10 minutos (considerando todas as viagens), o tempo adicional gasto por dia é de 4,15 milhões de horas. Se os métodos usados internacionalmente forem usados os custos totais do congestionamento (tempo, energia, poluição) atingirão valores entre R$ 8 e 9 bilhões por ano.

A opção de aumento do sistema viário é comprovadamente ineficaz, conforme atestam dezenas de estudos internacionais e a própria experiência de São Paulo. É fisicamente (e socialmente) impossível organizar um sistema de mobilidade baseado no automóvel. O uso excessivo do automóvel precisa ser limitado e o transporte público por ônibus precisa ter alta qualidade e velocidade entre 18 e 25 km/h, trabalhando com linhas paradoras, semi-expressas e expressas.  Sistemas de trilhos devem ser ampliados de maneira a formar um sistema amplo e integrado com os ônibus.

Eduardo Alcântara de Vasconcellos é sociólogo e engenheiro com pós-doutorado pela Universidade de Cornell (EUA), consultor da ANTP - Associação Nacional dos Transportes Públicos.

Campinas recebe 60 novos ônibus acessíveis

Campinas está recebendo mais 60 novos ônibus para o transporte público coletivo municipal.

Com essa renovação da frota, já são 180 ônibus entregues em 2014, e um total de 248 nos últimos dois anos. Os novos veículos são acessíveis, levando o índice de acessibilidade da frota para 70,1%, uma das mais altas do País.

Os novos veículos beneficiam 64 mil passageiros por dia, que utilizam 13 linhas do transporte público. Essas linhas percorrem o eixo da Avenida John Boyd Dunlop, regiões do Swift, Boa Vista, Nova Aparecida e Vila Padre Anchieta.

Os coletivos são da empresa Expresso Campibus, que investiu R$ 18 milhões na nova frota. A apresentação dos ônibus foi realizada no final da manhã de ontem na Pedreira do Chapadão (Praça Ulysses Guimarães).

Os veículos têm capacidade para 72 passageiros, sendo 28 sentados e 44 em pé. Todos os ônibus são dotados de elevador para cadeira de rodas com acionamento elétrico e pneumático, espaço para cadeirantes, assentos preferenciais para idosos, obesos, gestantes e mães com criança de colo.

Os coletivos também possuem cinco portas, permitindo a operação nos dois lados. O sistema de transporte público coletivo de Campinas possui 1.239 ônibus em operação, sendo 992 do sistema convencional e 247 do sistema alternativo.

Deste total, 869 são acessíveis, representando 70,1% da frota. A idade média dos veículos é de 4,5 anos.

Linhas O município tem 202 linhas de ônibus, distribuídas em quatro áreas: Azul Claro, que atende as regiões do Ouro Verde, Vila União e corredor Amoreiras; Vermelha-regiões do Campo Grande, Padre Anchieta e corredor John Boyd Dunlop; Verde - regiões de Barão Geraldo, Sousas, Amarais, Rodovia Campinas- Mogi e corredor Abolição; e Azul Escuro - regiões: Nova Europa, Santos Dumont e aeroporto de Viracopos.

"Na área de Transportes, os desafios são grandes, mas estamos atuando para que o sistema seja mais eficiente. Além da renovação da frota, aumentamos o tempo de integração do Bilhete Único, implantamos o Passe Lazer e vamos criar o Bilhete Único Universitário, que reduz em 50% o valor da tarifa de ônibus para os estudantes", disse o prefeito Jonas Donizette (PSB). (AAN)

quinta-feira, 18 de dezembro de 2014

Levy não descarta "ajuste" tributário e diz que a volta da Cide é uma "possibilidade"

O ministro indicado da Fazenda, Joaquim Levy, afirmou ontem, em entrevista ao "Bom Dia Brasil", da TV Globo, que os ajustes nas contas públicas terão que ser "balanceados" e não descartou mudanças nos impostos.


"Tem que ser um pacote balanceado, é a prioridade. A gente tem que pegar os diversos gastos que já foram feitos, estancar alguns, reduzir outros. E na medida do necessário, a gente pode considerar também algum ajuste de impostos", afirmou Levy.

Segundo ele, ajustes terão que ser compatíveis com o aumento da taxa de poupança do país, hoje em torno de 13%, um nível considerado muito baixo. "Temos que poupar mais para investir mais, e também estar preparado para o mundo que, como vimos nos últimos dias, está mais turbulento".

Ele não descartou a elevação da Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico (Cide), imposto que incide sobre os combustíveis. "É uma possibilidade", apontou. "Há outras".

Quanto ao superávit, ou déficit, fiscal que será apresentando em 2014, Levy afirmou que qualquer que seja o caminho que a presidente Dilma Rousseff achar mais adequado "sempre haverá implicação para o ano que vem".

"Se seu resolver pagar tudo, de repente a dívida aumenta, se houver modulação, significa que vamos ter que ter alguma acomodação.

Não existe solução fácil nesse sentido", disse.

Questionado sobre se teria condições de implementar suas ideias num governo em que há posições divergentes sobre a condução da política econômica, Levy afirmou que existe consenso dentro do governo a respeito do ajuste fiscal.

"Temos um núcleo comum de ideias a respeito da necessidade de ter uma solidez fiscal. Isso hoje já é uma coisa consolidada. E diante de um quadro que exige disciplina, sabe-se o que precisa ser feito".

Levy destacou que janeiro normalmente é um mês de inflação mais alta. Ele citou ainda a situação hídrica, com o custo adicional das térmicas que deve refletir nas contas de luz a partir do uso das bandeiras tarifárias . O preço mais alto da energia, diz, vai acabar ajustando o consumo. Ele acredita que o ajuste fiscal, aliado ao trabalho do Banco Central, vai ajudar a debelar a inflação. "A inflação, até pelo trabalho fiscal, vai entrar no devido momento num processo de queda", disse.

Em relação ao dólar, Levy disse que é preciso ver como a moeda americana vai evoluir. "Há uma tendência de valorização no mundo todo", disse. "Com a queda do petróleo, todo mundo foge para o dólar, há uma tendência de valorização no mundo", apontou.

Para ele, a retomada do crescimento da economia pode ocorrer logo. "A experiência mostra que quando se faz ajustes de maneira firme e equilibrada a reação é muito rápida. Fazer as medidas necessárias, sem esticar demais no tempo, ajuda a preservar emprego e a rearrumar as coisas e recomeçar".

De São Paulo 

A Tarifa-Zero no Interior de São Paulo e a realidade brasileira



A cidade de Dourado, no interior de São Paulo, decidiu oferecer tarifa zero no transporte coletivo para os moradores.
De acordo com o artigo 5º da lei 1.453, editada pela prefeitura, enquanto a cidade tiver condições econômicas de subsidiar os transportes, não haverá cobrança de passagem. A lei passou por votação e foi aprovada pela Câmara Municipal.
Os números de operação da cidade, no entanto, são bem modestos em comparação a outros municípios. São transportados diariamente apenas 200 passageiros pela Viação Paraty, em uma linha de ônibus que atende a maior parte da cidade.
O custo da medida é de R$ 17,3 mil por mês, em média.
Com a passagem gratuita, o número de passageiros e viagens deve aumentar, o que coloca em dúvida se no médio prazo será possível manter a gratuidade. Mas o objetivo, segundo a prefeitura, é atrair mais pessoas para o transporte público.
Antes, a tarifa em Dourado era de 50 centavos.
A realidade de Dourado não pode ser comparada com a de São Paulo, ABC Paulista, Rio de Janeiro, Curitiba ou qualquer outra capital ou região metropolitana, mas levanta a discussão sobre se é possível o poder público participar mais no financiamento do transporte para baratear as passagens.
Em diversos países, o entendimento é de que o transporte público não beneficia apenas o passageiro, mas toda a sociedade, com as gratuidades atuais e ao reduzir o trânsito e a poluição.
Mas atualmente é o passageiro que arca com quase toda a tarifa, inclusive gratuidades, que são direitos adquiridos por cidadãos como idosos, deficientes físicos e algumas classes trabalhistas.
A discussão sobre algumas classes de trabalhadores é mais profunda. Não seria o caso das autarquias públicas e até empresas de economia mista ajudarem no custeio do transporte de seus trabalhadores como fazem já as empresas privadas com o Vale-Transporte?
Quanto aos idosos, portadores de deficiência e estudantes (desconto de meia tarifa ou integral), é um direito social. Assim, a sociedade, pelo estado, deveria financiar estas gratuidades e não apenas o passageiro pagante.
Num país onde há extremas deficiências de investimentos em Previdência Social, Saúde Pública, Educação e Saneamento, falar em subsidiar transporte pode criar reações negativas. Mas também falar em aumentar tarifa provoca o mesmo tipo de reação. Como então atender os dois lados da moeda?
O financiamento do transporte, sejam as atrasadas e necessárias obras de mobilidade, como a própria tarifa para não ser tão pesada ao trabalhador, passa pela criação de recursos extras ou melhor destinação dos impostos atuais. Não é necessário criar mais impostos num país que já é corroído com a alta carga tributária.
Por questão de justiça social e de uso desproporcional do espaço urbano, uma das alternativas consideradas mais adequadas é que o transporte individual financie o transporte público. E para isso há várias alternativas, desde a municipalização de parte da Cide, o chamado imposto sobre o combustível, até a cobrança de pedágios urbanos e estacionamentos após a implantação de uma rede de transportes que atenda bem quem apenas se desloca de carro.
O que não se pode é permitir que o transporte coletivo continue sendo caro para os passageiros, mas também não é possível aceitar demagogias que pregam a não tarifação dos serviços, mas não apresentam soluções de custeio e ainda reclamam quando se fala em subsídio.
Financiar o transporte não passa apenas pela injeção de recursos diretos. Se houver melhores condições operacionais, com ônibus em vias exclusivas que permitem que o mesmo veículo realize mais viagens, os custos tendem a reduzir, o que pode ser transferido para o valor das tarifas.

Adamo Bazani, jornalista da Rádio CBN, especializado em transportes

quarta-feira, 17 de dezembro de 2014

Haddad contrata consultoria de transporte



Dez anos depois, a Prefeitura de São Paulo abre caminho para a capital ter um novo plano de mobilidade. A Secretaria Municipal dos Transportes fechou contrato de R$ 5,4 milhões com uma consultoria da área para reestruturar as 1,3 mil linhas de ônibus existentes na cidade.

A intenção é criar uma rede de referência para o transporte público que inclua as medidas já implementadas pela gestão do prefeito Fernando Haddad (PT) e as prometidas até 2016. Nessa lista, deverá ser levado em conta também o plano estadual de expansão das linhas de trem e metrô.

De acordo com o contrato, o estudo deve ser concluído em um ano e meio – e poderá ser usado apenas em meados de 2016, último ano da gestão petista. Mas, como estabelece o edital, a intenção é estabelecer um programa a longo prazo, que possa servir a cidade num período de até 20 anos.

Os vencedores da licitação terão de considerar dois cenários: a execução das obras previstas pela atual gestão, como a implementação de 150 km de corredores de ônibus e 400 km de ciclovias, e o não cumprimento de tais metas.

O principal objetivo é propor soluções para uma melhor otimização dos 15 mil ônibus que rodam pela cidade. A expectativa é que, ao longo dos próximos 18 meses, a Oficina Consultores apresente propostas para reduzir os gargalos atuais e aumentar a velocidade dos coletivos. Uma nova divisão das empresas do transporte – hoje são oito áreas operacionais – também deve ser apresentada.

Responsável pelo transporte coletivo, a SPTrans afirmou que a "rede integrada de linhas é fundamental para o aprimoramento da mobilidade e das opções de deslocamento da população, homogeneizando os padrões de acessibilidade das diversas regiões e melhorando a qualidade do conjunto de serviços ofertados”.



Plano diretor. As propostas devem estar em acordo com as diretrizes determinadas pelo novo Plano Diretor, aprovado na Câmara no primeiro semestre deste ano. Entre elas, está uma maior concentração de moradores no entorno de estações de metrô e corredores de ônibus.

Trânsito de Belém está à beira de um colapso

Leila Braga mora no Distrito de Icoaraci e precisa se deslocar diariamente para o centro de Belém, onde trabalha a partir das 8h da manhã. Há quatro anos, o trajeto feito de carro, que antes durava cerca de 30 minutos, hoje dura, em média, uma hora.
O motivo é antigo: o velho engarrafamento que toma conta das principais vias de Belém na hora de pico. E como se não bastasse o transtorno na ida ao trabalho, Leila passa o mesmo sufoco na hora de voltar para casa, por volta das 18h.
O expediente se encerra e a servidora começa mais uma jornada de congestionamento e estresse que dura mais uma hora ou mais, de Belém até a Vila.
"Já pensei em mudar de bairro e até de largar o emprego e tentar outro mais perto de casa para ver se me livro desse transtorno”, diz ela.
O problema vivenciado por Leila afeta milhares de pessoas que trafegam no trânsito da Região Metropolitana de Belém. Segundo o Departamento Nacional de Trânsito (Denatran), até o mês de outubro deste ano, Belém tinha uma frota de aproximadamente 211 mil carros, 95.528 motocicletas e 12.558 ônibus.
O excesso de veículos na rua, no entanto, não foi acompanhado de políticas planejadas para o trânsito da cidade, que sofre com a falta de mobilidade urbana. Na opinião da engenheira e especialista em trânsito, Patrícia Bitencourt Neves, o crescimento da frota está entre os principais fatores para o estrangulamento do trânsito vivenciado em Belém.
A consequência, segundo ela, é um cenário de vias congestionadas, falta de estacionamento, acidentes e poluição sonora. Mas o problema não é o único e está longe de ser solucionado.
Falta planejamento com ações integradas de curto e longo prazo, considera Patrícia. Concebido como solução para o engarrafamento na avenida Almirante Barroso, o BRT Belém (Bus Rapid Transit) não conseguiu ser operado da forma como foi pensado e se tornou um mero corredor de ônibus expresso que em nada tem a ver com o BRT de verdade. O BRT foi feito a toque de caixa, mal operado porque nem foi implantado, critica Patrícia.
Para ela, apesar da construção dos elevados no Entroncamento, o BRT de Belém continua sem funcionalidade, uma vez que se trata de uma obra isolada que precisa estar inserida em um projeto maior de mobilidade na cidade.
A engenheira esclarece que um BRT de verdade deve ter estações com linhas contínuas e espaço para ultrapassagem, assim como ter prioridade na via com embarque e desembarque no mesmo nível, além de ser monitorado por uma central de controle que anuncia o tempo de sua chegada em cada estação. Um BRT funcionando nestas condições amenizaria o tempo de permanência das pessoas no trânsito.
Em nota, a Superintendência Executiva de Mobilidade Urbana de Belém (SeMOB) informou que ainda não existe sistema BRT em Belém e sim uma faixa exclusiva de ônibus expressos, inaugurada em 31 janeiro deste ano.
Sobre o planejamento e construção de vias alternativas a superintendência informou que a Prefeitura de Belém já realizou a pavimentação e sinalização de diversas vias, garantindo mais espaço para a circulação segura na cidade.
Zona azul e metrô entre as soluções
Em recente pesquisa divulgada pelo Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada), Belém é a cidade em que o tempo de deslocamento teve o maior aumento percentual. Se em 1992 o tempo médio de deslocamento na capital paraense era de 24,3 minutos, em 2012 foi de 32,8, o que representa uma variação de 35,4%.
Belém só perde para as grandes metrópoles brasileiras como São Paulo, Rio de Janeiro e Porto Alegre.Na opinião de Patrícia Bitencourt, o ideal seria usar o VLT (Veículo Leve sobre Trilhos), uma espécie de metrô sobre trilhos, em fase de implantação em cinco cidades brasileiras. Além disso, outras medidas devem ser tomadas conjuntamente para que Belém tenha um sistema público de transporte eficiente.
Uma delas é a implantação do Sistema de Estacionamento Rotativo, conhecido por Zona Azul, na avaliação dela. Medida também considerada positiva seria a regulamentação da carga e descarga de caminhões que ainda hoje circulam nas vias em horários de pico.
A alternativa pode ser a utilização dos rios para escoar os produtos do Distrito Industrial de Ananindeua até o centro de Belém. A regularização do transporte escolar é outra ação que pode contribuir com o trânsito da cidade desde que ele tenha condições de segurança na condução dos usuários.

"É preciso investir na expansão da rede viária para estimular o sistema de transporte, adotando políticas que permitam às pessoas deixarem o carro em casa”, conclui Patrícia.

Diário 

terça-feira, 16 de dezembro de 2014

Andar a pé: um transporte desvalorizado nos grandes centros


O presente trabalho foi publicado no livro "Brasil Não Motorizado”, coletânea de artigos sobre mobilidade urbana – LA BMOL EDITORA




 
1. Considerações Iniciais
Andar a Pé é a forma mais antiga e sustentável de transporte.   Por ser espontânea à natureza humana,  sem necessidade de qualquer tipo de veículo, motorizado ou não, é sistematicamente subestimada.  Esta forma de deslocamento é ignorada por muitos pensadores e tomadores de decisão nos grandes centros urbanos.  Como consequência, a maioria das ações e políticas de circulação e transporte em nossas cidades não concede a devida atenção à Mobilidade a Pé e à infraestrutura necessária para tal, impondo condições de deslocamentos não condizentes com a qualidade merecida pelo cidadão que opta pela caminhada em suas viagens cotidianas. 
O primeiro indício desta afirmação é constatado na forma como a legislação urbana da maioria dos municípios brasileiros estabelece o tratamento de calçadas em relação ao restante do sistema viário. 
A responsabilidade de construir e conservar  vias para os veículos é do poder público.  Para elas, ele escolhe, utiliza e padroniza o  pavimento mais adequado, cobrando o custo desses serviços de todos munícipes através de impostos.  No entanto, quando se trata de calçadas, o procedimento é completamente diferente:  cada proprietário constrói e mantém a calçada defronte de seu imóvel como quiser, sem ter que atender a qualquer padrão, cabendo ao poder público somente a fiscalização deste procedimento. 
As legislações de algumas cidades são complementadas por decretos e normas regulamentando  larguras mínimas e funções das áreas das calçadas, assim como   suas declividades transversais.  Entretanto, este atendimento depende da capacidade fiscalizadora de cada administração municipal.  Na maioria dos casos, as prefeituras não têm condições de controlar o  cumprimento das regras que elas mesmas estabelecem.                                                               
Esta diferenciação de tratamento se reflete também na forma como o espaço público da calçada é interpretado pelos proprietários dos lotes.  Ao se responsabilizar por "suas” calçadas contíguas, os munícipes têm a equivocada sensação de ter a posse das mesmas.  Como decorrência, julgam-se eles no direito de invadir o espaço público  para solucionar situações de acesso ao seu lote, solução que deveria estar restrita  aos limites de sua propriedade privada.
O resultado deste procedimento tem como consequência uma  profusão de irregularidades comumente observadas nas calçadas em qualquer cidade brasileira:  degraus e rampas transversais, construídas para conceder acesso veicular aos lotes; pisos irregulares e mal conservados; revestimento inapropriado. Também ocorre total predomínio  da preocupação estética sobre a funcional, inibindo a padronização e a adequação dos pisos, resultando na transformação das calçadas numa colcha de retalhos de difícil caminhada.
A sensação de propriedade proporcionada por esta  legislação estimula a invasão do espaço público, sendo comum o observar veículos estacionados sobre as calçadas de forma irregular,  ao invés de apenas ocuparem os recuos dos lotes, ainda no interior das propriedades.  Também é comum a instalação de mobiliários urbanos não autorizados sobre os espaços de circulação. 
Todos estes elementos transformam uma simples caminhada numa verdadeira corrida de obstáculos.  Além disso, esses atributos podem ser responsabilizados pelos frequentes acidentes com pedestres nas calçadas. Estas ocorrências,  tecnicamente denominadas  "quedas”, não entram nos registros de acidentes viários, e têm sua importância e consequências minimizadas nas estatísticas de trânsito.  Entretanto, de acordo com um estudo (*) do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), de 2003, a partir de dados obtidos em quatro cidades brasileiras, entre elas, São Paulo, nove em cada mil habitantes são vítimas de quedas nas calçadas.
No estudo foi também avaliado o custo resultante do conjunto de acidentes com pedestres. O resgate e o tratamento médico, na época, situavam-se  em torno de R$ 2.656,00 por queda.  Ao considerarmos  a população de São Paulo (11 milhões de habitantes), isto significa que a cada ano 1.222 pessoas sofrem acidentes decorrentes da má conservação das calçadas, gerando um gasto anual de R$3.246.222,10 -  isto em valores de dez anos atrás.
Outra situação que reflete a pouca importância dada pelo poder público e sociedade ao transporte a pé nas grandes cidades brasileiras, é a forma como é dividida a utilização do espaço e do tempo de sua infraestrutura viária.  É gritante a desproporção do espaço da via que acomoda o trânsito a pé e o motorizado. Larguras de calçadas sempre são sacrificadas para não haver comprometimento da fluidez do tráfego motorizado.
Esta desproporção também se repete na divisão de tempo dos ciclos semafóricos, cabendo à travessia dos pedestres um tempo  muito menor do que o dedicado à passagem dos veículos. Lamentavelmente, esta divisão  desigual é aceita com naturalidade por todos os usuários das vias, onde se incluem até os mais prejudicados, que diariamente se espremem em calçadas estreitas e perdem  mais de dois minutos para atravessarem uma rua com largura que demandaria um quarto deste tempo.
Esta diferença de entendimento do transporte a pé em relação aos demais modais é responsável pela situação de descontinuidade e ruptura presentes na infraestrutura de caminhada.  Ela dificulta e desestimula o seu exercício cotidiano,  numa situação de paradoxo urbano, uma vez que todo e qualquer deslocamento inicia e termina a pé.  Assim viagens pequenas de até dois quilômetros, que poderiam  perfeitamente ser  realizadas a pé, colaboram para o comprometimento do desempenho do sistema viário congestionando-o ainda mais com veículos levando apenas o  motorista.  Também ocorre a sobrecarga e a superlotação dos sistemas de transporte, com mais passageiros, intensificando o esgotamento dos recursos urbanos e comprometendo a qualidade de vida nas grandes cidades.
Por outro lado o desestímulo da caminhada gera hábitos sedentários na população.  Isto traz como consequência  problemas de saúde, que implicam em gastos públicos da ordem de 90 milhões de reais por ano.  Esta é a cifra veiculada em  matéria do jornal Folha de São Paulo em 2003:
[...] o sedentarismo custou pelo menos R$93,7 milhões aos cofres públicos no Estado de São Paulo em 2002. O valor corresponde a 3,6% do total de gastos em saúde no Estado no ano e a mais da metade do total de gastos hospitalares (R$179,9 milhões) com dez problemas de saúde associados à inatividade. O gasto com internações por doenças cardiovasculares respondem por 85% do custo do sedentarismo.
Muitas pessoas entendem que uma caminhada longa não deve fazer parte da rotina dos  trajetos cotidianos, mas sim representar  atividade esportiva realizada em locais e horários específicos.  Até mesmo no meio técnico, é comum se pensar que a intensificação de viagens a pé representa uma  anormalidade, causada por algum tipo de problema de mobilidade e não como uma opção espontânea de quem a pratica.
É comum encontrar estudos que questionam e propõem formas de corrigir este "fenômeno”, incluindo a utilização da bicicleta.  Não é aventada a  existência de perfis de usuários específicos para as duas modalidades, e que ambas são válidas para substituir a viagem individual motorizada.  Esta última, sim, deve ser combatida, seja  por consumir espaços urbanos valiosos, seja por ser prejudicial à qualidade ambiental das cidades.
O estímulo às viagens não motorizadas, em especial as viagens a pé, contribui  para melhorar o nível de qualidade de vida nas grandes cidades por intervir positivamente no relacionamento e na sociabilidade dos seus moradores. Um famoso estudo de Rogers (2005)  aponta que o nível de relacionamentos pessoais de uma vizinhança é inversamente proporcional à intensidade do tráfego motorizado que circula  nas vias.  De forma esquemática, a  Figura 1 apresenta como se dão estes relacionamentos de acordo com a tipologia das vias onde vive o cidadão.
Figura 1 -  Relacionamento de vizinhança e o tráfego da via
Fonte: Rogers, Richard  - 2005
2. A qualificação da infraestrutura do transporte a pé
A infraestrutura viária que dá suporte ao transporte a pé nos grandes centros urbanos,é constituída pelos espaços públicos que  apoiam a caminhada.  Portanto, deve possuir o mesmo nível de qualidade requerido para o transporte motorizado.  Assim, o atendimento aos  princípios básicos de ergonomia / economia, segurança viária, conforto, continuidade e conectividade, é fundamental ao se planejar,  projetar e restaurar  esses espaços . Além desses aspectos, a infraestrutura deverá possuir outras características igualmente importantes,  por serem consideradas pelo usuário na escolha de seus percursos.  São aspectos mais subjetivos, vinculados à segurança pessoal, à atratividade do ambiente urbano e ao microclima.
O ato de caminhar, por ter como arcabouço o próprio corpo humano, é realizado a partir de um processo em que predomina a liberdade e a sustentabilidade – ou seja, que leva em conta antes de tudo o dispêndio da energia e de tempo.  Assim, as pessoas  buscam espontaneamente  o melhor caminho, o mais curto de extensão e o que consumirá menor tempo para seus deslocamentos.   Entretanto, ao se planejar e projetar a infraestrutura do transporte a pé nem sempre é possível  atender plenamente a estes princípios básicos, seja pelas características do local, seja pela disponibilidade de espaço e de recursos financeiros.  É conveniente, mesmo assim, no processo de planejamento e na formulação de projetos para  espaços de caminhada, observar e contemplar  outros fatores igualmente importantes,  que certamente têm muito a contribuir para qualificar estes espaços.  São eles  :
Segurança viária – é garantida pelo espaço disponível para a caminhada, por sua localização na via;  grau de proteção oferecido em relação à circulação do tráfego geral, assim como pela situação de conservação da calçada, já que quedas são consideradas acidentes de trânsito.  A boa iluminação da calçada e da travessia também é fundamental.
Conforto-  é caracterizado pela boa qualidade e regularidade da superfície do piso, possibilitada também pela ausência de interferências nas calçadas.  Deve-se entender que as interferências não são somente aquelas provocadas por  elementos físicos como a arborização ou o mobiliário urbano, mas também pelos acessos veiculares aos lotes, que devem sempre ocorrer no interior dos mesmos. Ao contrário do que se pensa:  conforto não é luxo e sim necessidade. 
Continuidade -  é a garantia da continuidade do trajeto possibilitada por  uma rede de calçadas contínuas com a mesma  largura útil, conectadas com espaços abertos e praças que possibilitem conexão  inclusive com trechos  oriundos de vias de entorno desses logradouros. Não atender estas características gera como consequência trilhas e passagens forçadas, em locais diferentes dos que foram planejados para a caminhada, e riscos de acidentes de tráfego ou quedas.
Conectividade - é possibilitada pela articulação entre calçadas de lados e direções opostas através de travessias que podem ser em nível (faixas de travessia) ou desnível (passarelas e passagens subterrâneas), sempre respeitando as linhas de desejo de travessia.  Além disso, elas devem  ser confiáveis, visíveis, seguras e confortáveis.
Seguridade - muitos pedestres, instintivamente, rejeitam os espaços de caminhada que facilitam a ocorrência de episódios de violência urbana, optando por se arriscarem no enfrentamento do tráfego motorizado.   Por este motivo é importante que os espaços de caminhada sejam projetados de forma a  terem garantida a  segurança pessoal do seu usuário.  A existência de uma atividade paralela no local, como um comércio ou estabelecimento  prestador de serviços, certamente auxilia  na vigilância indireta do trajeto, melhorando as condições de segurança.  Contribui também a existência de  intervisibilidade e  iluminação.
Atratividade – a atratividade do espaço da caminhada é definida pelo tipo de atividade oferecida pelos lotes dispostos ao longo dos caminhos, tornando o trajeto mais útil ou agradável pela possibilidade de aliar ao deslocamento a pé alguma atividade paralela, como compras, serviços, informação, entre outros.  Este fator é um aspecto importante a ser considerado quando houver necessidade de aumentar um trajeto a pé, pois quebra a resistência do usuário ao aumento do esforço e do tempo requeridos.
Ambiente urbano -  é constituído pela presença de locais de encontro, descanso, contemplação, fruição da paisagem, iluminação e suavização de condições ambientais. São também elementos de extrema importância ao se projetar os espaços de circulação a pé,  por induzir  e  estímular a utilização de trajetos, principalmente se resultarem no aumento de sua extensão.
Micro clima- é constituído pelas condições climáticas do trajeto a pé e  formado pelas características de insolação, ventilação, chuva, visibilidade, luminosidade e sombreamento;  presentes originalmente  ou criados ao longo dos trajetos.

A presença e a harmonização destes fatores atribuem aos espaços urbanos sua "caminhabilidade”, ou de acordo com os conceitos expostos por Ghidini (2011), "a caminhabilidade é uma qualidade do local”.  Continuando, o texto ressalta que:
[...] deve proporcionar uma motivação para induzir mais pessoas a adotar o caminhar como forma de deslocamento efetiva, restabelecendo suas relações interdependentes com as ruas e os bairros. E para tanto, deve comprometer recursos visando a reestruturação da infraestrutura física (passeios adequados e atrativos ao pedestre) e social, tão necessárias à vida humana e à ecologia das comunidades”.Os espaços públicos estão, cada vez mais, sofrendo com degradação, em muitos casos, causados pela circulação de modais de transporte individual, que por sua velocidade, consumo energético e mesmo massa e volume, além da poluição atmosférica e sonora afugentam a vida social e coletiva destes locais.
A rua, elemento básico das cidades, vem sendo o ente urbano mais prejudicado dentro desta lógica. Assim, recuperar a condição e a escala humana é necessário e urgente para a humanização das cidades, de seus bairros, praças e, sobretudo, de suas ruas.
A caminhabilidade ou o simples caminhar, como uma atitude, pode recuperar esta característica fundamental à ecologia urbana, promovendo a equidade e restabelecendo ao ser humano seu compasso ou seu "timing” que há pouco mais de um século vem sendo abalado.
Estabelecer critérios que possam ser regionalizados e adequados a cada realidade, para medir, monitorar e acompanhar como está evoluindo este importante indicador pode representar muito na melhoria futura da sustentabilidade de nossas cidades.

3. Conclusões e Recomendações
O incentivo ao investimento no transporte a pé, apesar da pouca importância que lhe é atribuída,  tanto o meio técnico como o  político-administrativo,  é   fundamental  para  consolidar  ambientes de  qualidade urbana  sonhados por habitantes de qualquer cidade. A conquista deste paradigma requer visão lúcida,  firme e sensível, para garantir o redirecionamento de metas a outros padrões do pensamento e do conhecimento técnico.  E para que eles estejam voltados aos padrões exigidos pela mobilidade não motorizada, em especial para a mobilidade a pé.   
A humanidade  inserida na escala e na lógica da caminhada e em sua visão sistêmica enquanto rede, ao atender os critérios apresentados neste artigo,  certamente irá produzir  resultados espaciais que respeitem e valorizem a forma mais primordial da mobilidade humana.  E isto deverá ser realizado tanto nos pequenos vilarejos,  como nos grandes centros urbanos.  Jane Jacobs formula uma inspirada descrição do balé urbano  cotidianamente   presenciado  nas cidades:
Sob a aparente desordem da cidade tradicional, existe nos lugares onde ela funciona a contento, uma ordem surpreendente que garante a manutenção da segurança e liberdade.  É uma ordem complexa. Sua essência é a complexidade de uso das calçadas, que traz consigo uma sucessão permanente de olhos.  Essa ordem compõe-se de movimento e mudança e, embora se trate de vida e não de arte, podemos chamá-la, na fantasia, de forma artística da cidade e compará-la à dança – não uma dança mecânica, com figurantes erguendo a perna ao mesmo tempo, rodopiando em sincronia, curvando-se juntos, mas um balé complexo, em que cada indivíduo e os grupos têm todos papéis distintos, que por milagre, se reforçam mutuamente e compõem um todo desordenado.
A harmonia espacial requerida para que este balé transcorra  com harmonia no cotidiano urbano é o que vai garantir a presença de vida nas cidades.
Maria Ermelina Brosch Malatesta - Arquiteta formada na Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Presbiteriana Mackenzie, mestrado em Transporte a Pé na FAUUSP e doutorado em Transporte Cicloviário pela FAUUSP. Trabalhou 35 anos na CET SP onde coordenou o Departamento de Circulação e Acessibilidade de Pedestres e o Departamento de Planejamento Cicloviário.  Atualmente consultora em Mobilidade Não Motorizada. E-mail: meli.malatesta@uol.com.br
(*) - Nota do editor: o trabalho atribuido ao IPEA foi, na verdade,
contratado pelo Instituto e desenvolvido pela ANTP
BIBLIOGRAFIA
·         Malatesta, Maria Ermelina Brosch.  "Andar a pé: um modo de transporte para a Cidade de São Paulo”. 256 f.  Março 2008. Dissertação (Mestrado em Arquitetura e Urbanismo) – Área de Paisagem e Ambiente da Faculdade de Arquitetura da Universidade de São Paulo, São Paulo, 2010.
·         Rogers, Richard.  "Cidades para um pequeno planeta”. Editorial Gustavo Gilli. Barcelona .2005. 1ª edição. 158 f.
·         Bradshaw, Chris. "Walkability: a reviewofexistingpedestrianíndices”.  www.freelibrary.com 1993.  Acesso em 20/05/2013 .
·         Gold, Philip Anthony. "Quedas de pedestres no trânsito urbano: um assunto ignorado”. Texto distribuído no seminário Internacional Andar a Pé nas Cidades .  21/09/2012. São Paulo. www.cetsp.com.br. Acesso em 18/03/2013.
·         IPEA, Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada, "Impactos Sociais e Econômicos dos Acidentes de Trânsito nas Aglomerações Urbanas – Síntese da Pesquisa. Brasília. Maio de 1993. 21 f. Acesso em 08/04/2013.
·         Folha de São Paulo.  "Fisioterapia custa  R$ 93,7  milhões a SP”. Caderno Equilíbrio. 28/09/2003. Acesso em 01/05/2013.
·         Ghidini, Roberto, Vice Presidente Técnico-Científico da SociedadPeatonal. "A caminhabilidade: medida urbana sustentável”. 2011.Revista dos Transportes Públicos nº 127 – ANTP. São Paulo. 1º quadrimestre. 2011. Acesso em 28/05/2013.
·         SEHAB / PMSP . "Guia para Mobilidade Acessível em Vias Públicas”. Partezzani, Gustavo. 2003. www.prefeitura.sp.gov.br  . Acesso em 08/05/2013.
·         PMSP / Legislação Municipal. "Lei Municipal 10.508/88 . 1988. www.prefeitura.sp.gov.br . Acesso em 08/05/2013.
·         Jacobs, Jane. "Vida e Morte de Grandes Cidades” Livraria e Editora Martins Fontes. 1960. 10ª edição.  2000. 286 f.


São Paulo paga R$ 369 milhões ao ano por saídas de ônibus não realizadas




A Prefeitura de São Paulo paga R$ 369,3 milhões ao ano por partidas de ônibus e vans não realizadas. Auditoria da Ernst&Young no sistema de remuneração do transporte mostra que 10,5% das saídas diárias não são cumpridas. Segundo o relatório, o Município cobre "vantagens indevidas” da ordem de mais de R$ 1 milhão diariamente para empresas e cooperativas. O desrespeito às partidas programadas ainda pode levar à superlotação e à lentidão.
Nesta quinta-feira, 4, a Prefeitura, que contratou no ano passado a verificação externa, publica no site da São Paulo Transporte (SPTrans) a segunda leva de informações analisadas. Os auditores concluíram que o descumprimento das partidas levaria a uma redução mensal dos custos fixos das empresas e cooperativas de R$ 30.779.467, trazendo potenciais ganhos financeiros.
Os dados foram coletados ao longo de uma semana do ano passado em que não houve problemas climáticos, como chuvas e inundações, manifestações de rua, feriados ou fatores que poderiam influenciar na tabulação. Diante dos resultados, os auditores fizeram sugestões para garantir o serviço.
No futuro, a Prefeitura pode adotar uma forma eletrônica de medição das saídas. As viagens, por contrato, precisam seguir uma quantidade por hora. Além disso, deve ser criado um sistema de bonificação e punição para a verificação dos intervalos entre as partidas, como já é adotado em Londres, com impactos positivos para os usuários.
Atualmente, a fiscalização é feita in loco pelos agentes da SPTrans, o que dificulta a constatação de eventuais descumprimentos contratuais. Questionada à noite, a empresa informou que não tinha o número médio de partidas e acrescentou que 10 milhões de embarques são realizados diariamente.
Apuração. A Ernst&Young avaliou também o cumprimento de 37 itens previstos em contrato dentro dos ônibus e constatou que 20,9% desses requerimentos não foram respeitados. Os auditores notaram, por exemplo, que praticamente nenhum coletivo tinha microcâmeras de monitoramento. Já os triângulos de segurança para acidentes não estavam posicionados de forma acessível aos motoristas em metade da frota.
Nas garagens das empresas e cooperativas vistoriadas, 8% dos itens que os prestadores devem obedecer foram desrespeitados. Os auditores constataram também que 108 coletivos que rodaram entre 2008 e 2013 tinham mais de dez anos de uso, o que é irregular, conforme contrato firmado com a Secretaria Municipal dos Transportes.
Outro ponto criticado pelos auditores é o parcelamento das multas aplicadas aos prestadores por descumprimento de diretrizes contratuais. Essa prática pode dar margem à "discricionariedade” na cobrança, o que não é desejável. Para haver fracionamento das multas, tanto o diretor de Cobrança da SPTrans quanto o secretário dos Transportes precisam dar aval. A SPTrans planeja criar uma empresa reguladora para administrar as contas do sistema, separando gestão e remuneração.
Em relação à frota acessível (para pessoas com mobilidade reduzida) e à certificação ambiental dos veículos, a auditoria não apontou irregularidades.

SPTrans falha na fiscalização e na punição
Outro aspecto criticado pela auditoria é a maneira como se realiza a anotação das infrações: de forma manual
Os auditores da Ernst & Young também apuraram a maneira como a SPTrans fiscaliza e pune as empresas e cooperativas de ônibus por falhas na prestação do serviço. Os técnicos notaram, em um universo de 25 multas aplicadas, que elas levaram seis meses até serem pagas.
Outro aspecto criticado pela auditoria é a maneira como se realiza a anotação das infrações: de forma manual. O processo de digitalização, da emissão dos autos de infração e da avaliação dos recursos impetrados pelos prestadores punidos é demorado e pode levar a erros e perdas, concluíram os auditores. Eles ainda observaram que 10% das multas aplicadas no período avaliado foram canceladas. Isso em virtude de erros ou rasuras no preenchimento.
A Ernst & Young indica ainda que os sistemas de bilhetagem eletrônica, monitoramento e gestão das informações do sistema têm falhas. Isso inclui a documentação, na estrutura organizacional e no controle da rede e dos usuários. Dessa forma, há riscos de perda de dados e conhecimentos. A auditoria sugere mais investimentos em infraestrutura e no aprimoramento da gestão dos processos.
Sobre o Índice de Qualidade do Transporte (IQT), criado em 2009 pela SPTrans, que avalia dez quesitos, como acidentes e reclamações dos usuários, os auditores criticaram a falta de punição e de premiação pelo cumprimento das metas.
Redesenho. De posse da auditoria, a gestão Fernando Haddad (PT) vai redesenhar o modelo de contrato com as empresas e cooperativas. A nova licitação bilionária para o serviço será publicada no primeiro semestre de 2015. A expectativa é de que as considerações finais sejam entregues na semana que vem. E também deem base à análise de um aumento na tarifa de ônibus - prefeitos petistas da Grande São Paulo já chegaram a sugerir uma tarifa única, entre R$ 3,40 e R$ 3,50.
O Estado de SP