segunda-feira, 4 de outubro de 2010

Desafios para o próximo governador de São Paulo

O próximo governador precisa estar disposto a empreender uma espinhosa escalada na questão da Mobilidade Urbana e terá de vencer alguns grandes desafios: A Revista Veja desta semana listou oito grandes desafios. A seguir, mostraremos quais tem a ver com as bandeiras do MDT  e como é possível enfrentá-los. Para elaborar o diagnóstico, foram ouvidos especialistas das mais diversas áreas. Entre as propostas estão a otimização da mobilidade com prioridade ao transporte público como alternativa eficiente ao uso do carro e também a diretriz de aliar o planejamento urbano a melhorias ambientais, reduzindo a poluição do ar.



TRANSPORTE


1. Ampliar a oferta de alternativas ao carro

O problema

Nos últimos dez anos, a frota de veículos do estado cresceu 60%. Com isso, chegou-se a uma média de um automóvel para pouco menos de duas pessoas. O principal nó, porém, está na Grande São Paulo, que concentra quase metade da população paulista. Diariamente, os moradores da região perdem, em média, duas horas e 42 minutos no trânsito. Dos 38 milhões de viagens diárias realizadas aqui, 25 milhões são motorizadas — sendo 41% com automóvel. Pesquisa do Ibope, encomendada pelo Movimento Nossa São Paulo e divulgada em setembro, mostrou que 76% das 805 pessoas entrevistadas na capital têm carro. Um ano antes, esse índice era de 72%. Desde 1950, a população paulistana quintuplicou, enquanto a frota de veículos cresceu oitenta vezes. Todos os dias, 1 280 novos veículos disputam espaço nos 17 000 quilômetros de vias da capital. Resultado: médias diárias de centenas de quilômetros de congestionamento. O trânsito prejudica não apenas os motoristas que ficam parados nos engarrafamentos. Impede também que os ônibus municipais circulem mais rapidamente e emporcalha o ar com poluentes. Ou seja: afeta do pobre ao milionário, sem distinção. Segundo a Cetesb, os 9,7 milhões de veículos da Grande São Paulo despejam todo ano 2,4 milhões de toneladas de substâncias nocivas na atmosfera e são a principal fonte de poluição do nosso ar. “O próximo governador precisará de coragem para restringir o transporte individual e ampliar o coletivo”, afirma o médico Paulo Saldiva, do Laboratório de Poluição Atmosférica Experimental da USP. De acordo com o levantamento do Ibope, 52% dos paulistanos estariam dispostos a deixar o carro na garagem para usar transporte público. Ainda não encontram, no entanto, boas opções para abrir mão desse conforto. A região metropolitana de São Paulo tem hoje um total de 375 quilômetros de trilhos de metrô, trens e de corredores intermunicipais de ônibus. Trata-se de uma extensão pequena quando comparada às redes de Londres, Nova York e Berlim, com cerca de 1 000 quilômetros cada uma. Desde a inauguração da primeira linha de metrô, em 1974, foi construída uma média de 1,9 quilômetro de trilhos subterrâneos por ano — hoje, são 69 quilômetros. Por isso, não raro os 3,7 milhões de usuários viajam espremidos em trens lotados, como ocorre na Linha 3 – Vermelha. Para completar, há apenas um único corredor de ônibus intermunicipal, de 45 quilômetros, o ABD, que liga Diadema a São Paulo, integrando cidades vizinhas.

Estação Sé

A solução

Tão importante quanto investir em transporte público é planejar a metrópole de modo a encurtar viagens e evitar grandes deslocamentos. Estudos assim também apontariam com precisão onde instalar novas linhas de metrô, trens e corredores de ônibus. Essa reordenação, de acordo com o plano diretor de cada cidade, deve ser uma das prioridades na área de habitação e urbanismo. Enquanto isso, o governo tem de correr atrás de anos de déficit de trilhos para atrair os usuários do carro ao transporte coletivo e, dessa forma, dar um alívio a nossos pulmões. Desde 2007, foram concluídos e entregues à população 8,7 quilômetros de metrô (5,1 na Linha 2 – Verde, entre as estações Santos-Imigrantes e Vila Prudente, e 3,6 no trecho da Linha 4 – Amarela, entre as avenidas Faria Lima e Paulista). Ou seja, 2,2 quilômetros por ano, superior à média histórica. Segundo o Metrô, o atual governo deixará, até dezembro, planos para a construção de 66,7 quilômetros de linhas. Parece muito, mas mantendo-se o atual ritmo de investimentos (algo como 4 bilhões de reais ao ano) dá para fazer. Para os especialistas consultados por VEJA SÃO PAULO, é possível deixar 60 quilômetros de trilhos da CPTM com características semelhantes aos de metrô. Já o único corredor intermunicipal teria de ganhar mais 22 quilômetros, totalizando quase 70 para funcionar bem. Com tudo isso, terminaríamos o ano de 2014 com uma rede com 463,7 quilômetros de transporte público, incluindo metrô, trens e ônibus, 24% a mais do que hoje. “Representaria um atrativo e tanto para quem usa carro”, afirma Jaime Waisman, professor de engenharia da USP e consultor na área de transportes. Os caminhões também precisam continuar saindo de cena na Grande São Paulo. É possível iniciar e finalizar o trecho leste do Rodoanel em três anos, ainda na próxima gestão. Só a extensão sul, que liga a Rodovia Régis Bittencourt ao sistema Anchieta- Imigrantes, conseguiu uma redução no fluxo dos grandalhões de 68% na Avenida dos Bandeirantes e de 58% na Marginal Pinheiros.

O custo das intervenções

Construção de 66,7 quilômetros de linhas de metrô: 11,3 bilhões de reais (sem contar gastos com construção de estações e com desapropriações)

Reforma de 60 quilômetros de linhas da CPTM para deixá-los nas condições das do metrô: 5,1 bilhões de reais

Construção de 22 quilômetros de corredores de ônibus intermunicipais: 88 milhões de reais

Construção do trecho leste do Rodoanel: 4 bilhões de reais

Total: 20,5 bilhões de reais


AMBIENTE



Melhorar a qualidade do ar

O problema

Segundo dados do Laboratório de Poluição Atmosférica Experimental da USP, a poluição é uma das causas das cerca de vinte mortes por dia na Região Metropolitana devido a doenças respiratórias, reduz em um ano e meio a expectativa de vida e causa um rombo anual que supera 1,5 bilhão de dólares com despesas em saúde. Quem vive aqui já sente tudo isso na pele, ou melhor, no nariz. Pesquisa do Ibope, encomendada pelo Movimento Nossa São Paulo e divulgada em setembro, mostra que, para 81% dos paulistanos, a poluição do ar afeta muito a qualidade de vida da família e de pessoas próximas. E 96% consideram esse um dos problemas mais graves da cidade. Apesar disso, os índices de qualidade do ar não refletem a situação. Em relatório do ano passado, a Companhia Ambiental do Estado de São Paulo (Cetesb) considera as concentrações de poluentes dentro do normal — apenas o ozônio ultrapassou os parâmetros adotados em algumas ocasiões. Uma das explicações para esse descompasso são os índices de qualidade do ar adotados. Eles permanecem exatamente os mesmos desde 1990. Em 2005, no entanto, a Organização Mundial de Saúde (OMS) passou a recomendar parâmetros bem mais restritivos, já adotados por alguns países europeus. “Até agora, nenhuma pesquisa demonstrou que os pulmões dos brasileiros são mais resistentes que os de outros povos”, afirma o pesquisador Marco Antonio Martins, do Laboratório de Poluição Atmosférica da USP. Nosso padrão para medir a concentração de partículas inaláveis em 24 horas é o triplo do estabelecido pela OMS. No caso do ozônio, ele é 60% maior. Segundo pesquisas internacionais, essa diferença pode aumentar em até 5% a taxa de mortalidade. Para piorar, não temos nenhum parâmetro estabelecido por lei para medir as chamadas partículas finas, substâncias que têm um vigésimo da espessura de um fio de cabelo e são capazes de penetrar nos pulmões, causando doenças. Em abril do ano passado, foi avaliada a concentração de partículas finas em setenta pontos na cidade. Em 56 locais, os indicadores ficaram bem acima do recomendado pela OMS.
20 pessoas morrem diariamente na Grande
 SP por conta da poluição

A solução

Atacar a poluição depende de mudanças no planejamento urbano e de grandes investimentos no transporte público. A medida mais eficaz, porém mais difícil de ser colocada em prática, é reduzir o número de viagens dos carros, caminhões e ônibus (25 milhões por dia na Região Metropolitana). Para isso são necessárias ações de longo prazo, impossíveis de ser implementadas em uma única gestão, como a construção de centenas de quilômetros de metrô. O próximo governador, no entanto, pode garantir certo alívio para os pulmões dos paulistas sem nenhum custo aos cofres públicos, revendo os padrões de qualidade do ar e estabelecendo metas gradativas para atingir os índices recomendados pela OMS — além de adotar índices para as partículas finas. Apesar de parecer simples, a medida requer coragem política, já que mexe com o interesse de indústrias, principalmente a automobilística. Significa também retirar das ruas carros velhos e que poluem muito — medida extremamente impopular. Desde janeiro, a Cetesb discute os novos parâmetros com representantes de secretarias estaduais, pesquisadores e membros da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp). “São vários os interesses envolvidos”, diz Martins, do Laboratório de Poluição Atmosférica da USP. “E a pressão de montadoras, fabricantes de combustível e de peças automotivas atravanca o processo.” Se os índices baixarem, essas empresas terão de instalar motores e bicos injetores mais limpos e caros nos veículos. Tais tecnologias, disponíveis no exterior, encarecem o preço final do produto, sobretudo o de carros populares, e a margem de lucro, claro, se reduz. Isso vale também para produtores de combustível, como a Petrobras, que terá de investir em processos para, por exemplo, tornar o diesel que fabrica menos poluente. A meta do governo federal era reduzir a concentração de enxofre nesse combustível, nas regiões metropolitanas, das atuais 500 partículas por milhão para 50 já em 2009 — na Europa e nos Estados Unidos, o índice é de 10. Diante das pressões da Petrobras e da Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea), a redução foi adiada para 2011. “Com os novos índices, haverá ferramentas para multar as empresas que não cumprirem o cronograma, e isso poderá forçá-las a se adequar”, afirma Martins.

O custo das intervenções

Nenhum. Nesse caso, o governo precisaria apenas definir os novos parâmetros

e criar um cronograma realista de quando eles deverão ser alcançados.

HABITAÇÃO

Favela Paraisópolis


Povoar o centro das cidades com moradores de todas as classes sociais

Favela de Paraisópolis: crescimento desordenado na Zona Sul de São Paulo

O problema

Se as 39 cidades da região metropolitana continuarem crescendo desordenadamente em direção às periferias — e os empregos permanecerem no centro —, seus 19 milhões de moradores terão de percorrer distâncias cada vez maiores de casa ao trabalho. Isso, claro, agrava os problemas com trânsito, poluição... As regiões centrais concentram 65% de todos os postos de trabalho da Grande São Paulo. Mas vem diminuindo o número de pessoas que moram nelas. Um número crescente de paulistanos com bom poder aquisitivo, atrás de sossego, vem se instalando em condomínios residenciais de municípios vizinhos. Apenas na Granja Viana, em Cotia, foram lançadas no primeiro semestre deste ano 1 360 unidades, número quase 50% maior que o registrado em 2009. Já a população de baixa renda se dirige à periferia em busca de terrenos mais baratos e de oferta de programas habitacionais. Estima-se que cerca de 2 milhões de pessoas vivam em condições precárias na Grande São Paulo. Ao mesmo tempo, só os distritos Sé e República, na capital, contam com 40 000 imóveis desocupados.

A solução

É preciso criar um plano diretor metropolitano. “De que adianta um município investir na limpeza de córregos se as cidades vizinhas continuam jogando dejetos neles?”, exemplifica Maurício Broinizi, coordenador executivo do Movimento Nossa São Paulo. Os governos devem planejar onde as pessoas vão morar. Hoje, acontece o contrário. “Primeiro a população se instala e depois se faz a urbanização da área, com ruas, calçadas, luz e saneamento”, diz a urbanista Raquel Rolnik, relatora especial da Organização das Nações Unidas para o direito à moradia adequada. Com o plano diretor, seriam definidas as responsabilidades de cada município em áreas como transporte e saneamento. Depois, esse planejamento teria de ser votado pela Assembleia Legislativa, quando seria criada uma lei de zoneamento para a Grande São Paulo — e definidos os incentivos às empresas que construam ou reformem imóveis nas regiões mais bem abastecidas de infraestrutura. “Não há nenhum país do mundo que tenha conseguido enfrentar seu problema habitacional sem ter destinado terrenos centrais para abrigar quem não tem casa”, afirma Raquel. Para coordenar esse plano, especialistas defendem a criação do cargo de secretário metropolitano. Cidades como Tóquio e Londres têm superprefeitos responsáveis por administrar toda a área das metrópoles.


O custo das Intervenções

Seria o valor empregado para criar e manter uma secretaria. A título de comparação, a Secretaria Estadual do Desenvolvimento conta com um orçamento anual de 1,3 bilhão de reais — ou 5,2 bilhões de reais durante toda a gestão.


Cristina Baddini Lucas - Assessora do MDT