quinta-feira, 20 de dezembro de 2012

Equívoco prorrogado

Ponto de Vista - ANTP


Quais serão os impactos da resolução do CONTRAN que pemite a conversão de multas em advertências para 82 infrações previstas no CTB?

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Antenor Pinheiro | Coordenador da ANTP Centro-Oeste
O Conselho Nacional de Trânsito (CONTRAN) prorrogou para julho de 2013 os efeitos da Resolução 404/12 que, dentre outros itens, facultará aos motoristas brasileiros o direito de cometer infrações leves e médias de trânsito em troca de advertências por escrito. O feito da prorrogação decorreu de sugestão da Associação Nacional de Transportes Públicos (ANTP) por meio do Fórum Nacional de Secretários e Dirigentes de Transporte e Trânsito reunido em Vitória mês passado. Mas embora o gesto de prudência tenha empurrado para adiante os efeitos da benevolência, continuam não esclarecidas as graves dúvidas que emolduram tais deliberações.

Com a prorrogação editada (Resolução 424/12) mantém-se a sobreposição da medida, já que o próprio Código de Trânsito Brasileiro (CTB), que é lei, a prevê como exclusiva faculdade da autoridade de trânsito (Art. 267). Agora este status muda: o motorista infrator terá o direito de requerer formalmente a conversão da multa pela advertência, que será deferida ou não pela autoridade de trânsito – esta a tênue diferença.

Como dúvida, mantém-se o grave dilema em garantir a não pontuação dos infratores (mesmo que) advertidos, subvertendo a Lei Federal que determina exatamente o contrário (CTB, Art. 259). Portanto, ao não retificar o erro original no bojo da prorrogação, o CONTRAN insiste em não pacificar o malfeito que poderá ensejar conflitos de ordem legal, além de alimentar a cadeia da impunidade. Sobra assim, o que de fato interessa ao infrator: confusão na interpretação da aplicabilidade de pontuação e nenhum efeito pecuniário como punição.

Outro aspecto intocado na nova odisseia é o direito ao recurso. Mantido o texto contraditório, o CTB, que é lei, será mais uma vez maculado, pois que na Resolução editada elimina-se o direito do cidadão ao recurso diante das penalidades a ele aplicadas – o que inclui as penalidades de advertência.

Sem querer ser jurista, nos preocupa que uma lei federal (CTB) seja alterada por resolução colegiada, vez que a essência de pelo menos dois de seus preceitos (Artigos 259 e 267) foi ampliada em sua abrangência, além de não reclamar regulamentação por serem autoaplicáveis.

A questionada Resolução prorrogada é exemplo de contrassenso neste país que matou nos últimos mil e cem dias 120.779 pessoas e remeteu outras 396.782 mil aos centros cirúrgicos dos hospitais brasileiros – brutalidade explícita que entristeceu famílias e sorveu 106,7 bilhões de reais dos sistemas de saúde e previdência públicas (www.chegadeacidentes.com.br).

Comutar infrações leves e médias em penalidades de advertência é alimentar a violência no trânsito, pois tecnicamente todo acidente de trânsito é precedido de ao menos uma infração cometida. No CTB 42,1% das infrações se enquadram nesta insensatez. A Resolução prorrogada garante a cada um dos 45 milhões de motoristas habilitados brasileiros o direito de cometer anualmente até 82 distintas situações de infrações de trânsito sem que isso lhe intimide nas perigosas condutas. Bastará ao infrator requerer perante a autoridade competente e esta lhe deferir, a seu exclusivo critério, a anistia travestida de advertência. Logo, é certo que milhares dessas infrações cometidas justificarão também milhares de acidentes delas decorrentes.

Os defensores das medidas já se apresentaram creditando o feito a uma política de educação para o trânsito. Falsa premissa de quem faz vista grossa ao quadro epidemiológico no qual está inserido o país no quesito “mortalidade no trânsito”, segundo a Organização Mundial da Saúde/OMS. Na verdade, o que advogam é a institucionalização da “quebra de multas” e o estímulo à impunidade, o que sem dúvidas ainda mais afastará o Brasil da meta mundial de redução de acidentes.

Mas não é esta a questão central. O agravante é aferir o que esse passivo premiado representará no imaginário de uma população, principalmente jovem, cujo ato de dirigir está inexoravelmente associado à sua autonomia individual. Estamos num país em que o transporte individual motorizado é expressão de liberdade civil, onde a carteira de motorista (CNH) tem mais valor que o título de eleitor e equivale ao rito de passagem que assinala o ingresso da adolescência na sociedade adulta (Figueiredo, Dáquer e Souza, 2004). Logo, ampliado o lastro da impunidade estimulada pela Resolução prorrogada, a individualização dos interesses sociais ainda mais prevalecerá sobre o já fragilizado senso coletivo que deveria, num país civilizado, nortear a construção da cidadania plena, sempre!


* Antenor Pinheiro é jornalista, Superintendente de Desenvolvimento Urbano e Trânsito da Secretaria de Estado das Cidades/GO e Coordenador da ANTP Regional Centro-Oeste.