Ponto de Vista - ANTP
Quais serão os impactos da resolução do CONTRAN que
pemite a conversão de multas em advertências para 82 infrações
previstas no CTB?
Antenor Pinheiro | Coordenador da ANTP Centro-Oeste |
O
Conselho Nacional de Trânsito (CONTRAN) prorrogou para julho de 2013 os
efeitos da Resolução 404/12 que, dentre outros itens, facultará aos
motoristas brasileiros o direito de cometer infrações leves e médias de
trânsito em troca de advertências por escrito. O feito da prorrogação
decorreu de sugestão
da Associação Nacional de Transportes Públicos (ANTP) por meio do Fórum
Nacional de Secretários e Dirigentes de Transporte e Trânsito reunido
em Vitória mês passado. Mas embora o gesto de prudência tenha
empurrado para adiante os efeitos da benevolência, continuam não
esclarecidas as graves dúvidas que emolduram tais deliberações.
Com a prorrogação editada (Resolução 424/12) mantém-se a
sobreposição da medida, já que o próprio Código de Trânsito Brasileiro
(CTB), que é lei, a prevê como exclusiva faculdade da autoridade de
trânsito (Art. 267). Agora este status muda: o motorista infrator terá o
direito de requerer formalmente a conversão da multa pela advertência,
que será deferida ou não pela autoridade de trânsito – esta a tênue
diferença.
Como dúvida, mantém-se o grave dilema em garantir a não pontuação
dos infratores (mesmo que) advertidos, subvertendo a Lei Federal que
determina exatamente o contrário (CTB, Art. 259). Portanto, ao não
retificar o erro original no bojo da prorrogação, o CONTRAN insiste em
não pacificar o malfeito que poderá ensejar conflitos de ordem legal,
além de alimentar a cadeia da impunidade. Sobra assim, o que de fato
interessa ao infrator: confusão na interpretação da aplicabilidade de
pontuação e nenhum efeito pecuniário como punição.
Outro aspecto intocado na nova odisseia é o direito ao recurso.
Mantido o texto contraditório, o CTB, que é lei, será mais uma vez
maculado, pois que na Resolução editada elimina-se o direito do cidadão
ao recurso diante das penalidades a ele aplicadas – o que inclui as
penalidades de advertência.
Sem querer ser jurista, nos preocupa que uma lei federal (CTB) seja
alterada por resolução colegiada, vez que a essência de pelo menos dois
de seus preceitos (Artigos 259 e 267) foi ampliada em sua abrangência,
além de não reclamar regulamentação por serem autoaplicáveis.
A questionada Resolução prorrogada é exemplo de contrassenso neste
país que matou nos últimos mil e cem dias 120.779 pessoas e remeteu
outras 396.782 mil aos centros cirúrgicos dos hospitais brasileiros –
brutalidade explícita que entristeceu famílias e sorveu 106,7 bilhões de
reais dos sistemas de saúde e previdência públicas (www.chegadeacidentes.com.br).
Comutar infrações leves e médias em penalidades de advertência é
alimentar a violência no trânsito, pois tecnicamente todo acidente de
trânsito é precedido de ao menos uma infração cometida. No CTB 42,1% das
infrações se enquadram nesta insensatez. A Resolução prorrogada garante
a cada um dos 45 milhões de motoristas habilitados brasileiros o
direito de cometer anualmente até 82 distintas situações de infrações de
trânsito sem que isso lhe intimide nas perigosas condutas. Bastará ao
infrator requerer perante a autoridade competente e esta lhe deferir, a
seu exclusivo critério, a anistia travestida de advertência. Logo, é
certo que milhares dessas infrações cometidas justificarão também
milhares de acidentes delas decorrentes.
Os defensores das medidas já se apresentaram creditando o feito a
uma política de educação para o trânsito. Falsa premissa de quem faz
vista grossa ao quadro epidemiológico no qual está inserido o país no
quesito “mortalidade no trânsito”, segundo a Organização Mundial da
Saúde/OMS. Na verdade, o que advogam é a institucionalização da “quebra
de multas” e o estímulo à impunidade, o que sem dúvidas ainda mais
afastará o Brasil da meta mundial de redução de acidentes.
Mas não é esta a questão central. O agravante é aferir o que esse
passivo premiado representará no imaginário de uma população,
principalmente jovem, cujo ato de dirigir está inexoravelmente associado
à sua autonomia individual. Estamos num país em que o transporte
individual motorizado é expressão de liberdade civil, onde a carteira de
motorista (CNH) tem mais valor que o título de eleitor e equivale ao
rito de passagem que assinala o ingresso da adolescência na sociedade
adulta (Figueiredo, Dáquer e Souza, 2004). Logo, ampliado o lastro da
impunidade estimulada pela Resolução prorrogada, a individualização dos
interesses sociais ainda mais prevalecerá sobre o já fragilizado senso
coletivo que deveria, num país civilizado, nortear a construção da
cidadania plena, sempre!
* Antenor Pinheiro é jornalista, Superintendente de
Desenvolvimento Urbano e Trânsito da Secretaria de Estado das Cidades/GO
e Coordenador da ANTP Regional Centro-Oeste.