sexta-feira, 11 de março de 2016

De 'área morta', Minhocão se transforma em calçadão do centro de São Paulo em 20 anos


06/03/2016  - Portal R7

De segunda a sexta-feira o cenário em volta da estação Marechal Deodoro é o mesmo. Por volta das 21h30, um veículo da CET (Companhia de Engenharia de Tráfego) estaciona na alça de acesso ao Elevado Costa e Silva e fecha para carros a principal ligação entre as zonas oeste e leste da capital.
Assim que o bloqueio é instalado, dezenas de pessoas sobem ao Minhocão. E é assim que o cenário de uma das obras mais polêmicas já realizadas na cidade de São Paulo se transforma completamente.
O trecho de 2,8 km — que recebe em média 12.800 veículos no horário de pico — passa a dar lugar a pedestres, cachorros e ciclistas. Uma pesquisa do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) divulgada em 2010 estima que 232 mil pessoas sejam afetadas diariamente pelo Minhocão.
Uma reportagem do jornal Folha de S. Paulo de 1994 mostrava que as madrugadas no Minhocão tinham um cenário bem diferente. A própria Polícia Militar do Estado de São Paulo classificava o local como um dos “pontos mortos” da cidade devido à falta de fiscalização. Na época, as noites do elevado Costa e Silva eram conhecidas como um lugar de uso indiscriminado de drogas e sexo explícito.
A reportagem do R7 foi ao Minhocão durante três madrugadas e testemunhou a mudança do ambiente.
A estudante Micaele de Oliveira Pereira, de 22 anos, moradora da região, afirma que a ocupação da área é um fenômeno relativamente recente.
Ela vai ao Minhocão todos os dias durante a noite para passear com a sua cachorra e caminhar.
As amigas Andreia Vale e Isabela Silva Torres também usam as noites do Minhocão para fazer exercícios. Para Andreia, o lugar é o “calçadão do centro”.
— Eu penso que o Minhocão é como se fosse o calçadão do centro. A gente não tem praia, não tem nada, o Ibirapuera é muito longe e o parque da Água Branca está fechado a essa hora. Aqui a gente pode vir caminhar à noite, fazer uma atividade básica.
Segundo a publicação de 21 anos atrás, o 77º DP, um dos que cuida das ocorrências na região, registrava cerca de oito reclamações por mês por problemas ocorridos na madrugada.
A SSP (Secretaria de Segurança Pública) informou que, hoje, não existem queixas com relação às madrugadas. Nos anos de 2014 e 2015, o elevado registrou 70 ocorrências, uma média de 2,9 por mês: 31 delas não criminais, como perda de documentos, e 39 criminais.
Os 39 crimes que aconteceram no elevado nos últimos dois anos foram: 6 lesões corporais culposa por direção de veículo; 11 roubos; 2 roubos a interior de veículo; 2 furtos em interior de transporte público; 3 fugas de local de acidente; 1 roubo de veículo; 1 furto de veículo; 1 omissão de socorro; 2 lesões corporais dolosas; 3 furtos em interior de veículo; 1 furto a transeunte; 6 ocorrências não especificadas.
A estudante Micaele afirma não ter medo no local, mas diz preferir deixar pertences como carteira e celular em casa pois já presenciou dois assaltos por lá. Ela diz que é comum ver a polícia no elevado.
— Comparado com antigamente, eu me sinto mais segura agora.
Mudança no horário de fechamento
A via fica bloqueada para trânsito entre 21h30 e 6h30 durante a semana. Aos sábados, fecha às 15h30, só voltando a abrir na manhã de segunda-feira.
A associação Parque Minhocão quer inclusive que o horário de fechamento seja antecipado para as 20h.
Segundo o engenheiro Athos Comolatti, um dos líderes do grupo, mais pessoas irão ocupar a via e as famílias que moram nos prédios do entorno do Minhocão serão beneficiadas com a mudança.
— Como benefício entendemos que os moradores que habitam nos prédios que margeiam o Minhocão passarão a ter o silêncio antecipado para as 20h, um horário compatível com o jantar e a TV. Um segundo benefício é para aqueles que utilizam o Minhocão como área de esporte e lazer. Poder antecipar para as 20h é um ganho muito grande pois ganha-se uma hora e meia. Assim as pessoas podem fazer seu esporte e voltar para casa mais cedo, se assim quiserem. Esse horário das 20h é compatível com o rodizio veicular, o que comprova que não irá afetar o trânsito.
O Parque Minhocão está colhendo assinaturas por um abaixo-assinado para viabilizar o projeto. Eles conseguiram antecipar o fechamento aos sábados depois de levantarem mais de 7.000 assinaturas.
— Juntamos 7.000 assinaturas físicas e a Prefeitura acionou a CET para testar a ideia, concluiu pela viabilidade da mesma e com isso foi implementada.
Paulo Santana é um dos membros da Minhocães, que reúne moradores locais que desejam ter um espaço para brincar com seus cachorros. Para ele, o espaço do Minhocão à noite é essencial.
— É um parque em meio a uma selva de pedra mesmo, porque a gente não tem muita opção de lazer. Nosso lazer, tanto aos finais de semana, é aqui, tanto para passear com os cachorros quanto para praticar esporte mesmo.
Todos os dias eles se reúnem em cima do Minhocão para brincar com os animais e trocar experiências sobre a ocupação do espaço.
Segundo diz, a área já é um parque, e o número de frequentadores à noite só vem aumentando.
— Hoje em dia o espaço do Minhocão é um ponto cultural. E tem aumentado bastante [o número de pessoas], tem dias que é quase impossível você andar aqui porque realmente é bastante gente.
As madrugadas do Minhocão servem como um contraponto ao restante das ruas da cidade neste horário. Ciclistas, pedestres, cachorros, casais e inclusive crianças utilizam o espaço para exercício, lazer ou simplesmente para curtir a noite de São Paulo.