terça-feira, 12 de julho de 2016

De volta ao começo

29/06/2016  - Valor Econômico
Após um longo período de decadência e esvaziamento, os centros das grandes cidades brasileiras voltam a atrair investimentos. O principal motivo é a boa infraestrutura urbana instalada nessas regiões e a oportunidade de reduzir drasticamente o tempo perdido no trânsito de casa para o trabalho. Em São Paulo, a região atrai cada vez mais moradores, órgãos públicos e serviços, como restaurantes e bares. No Rio de Janeiro, a região portuária deve ganhar novo impulso com o projeto Porto Maravilha. 
O sonho de grande parte dos paulistanos é morar próximo a uma estação de metrô. No Centro, o morador não tem apenas uma, mas dez estações à disposição, duas de trem (Luz e Júlio Prestes), terminais de ônibus, serviços, ciclovias, parques, praças, hospitais, escolas e universidades a poucos quarteirões de casa. O Centro também oferece equipamentos culturais e de consumo (museus, shopping centers e cinemas) e uma agitada vida diurna e noturna, com bons restaurantes e bares, muitos deles abertos recentemente. 
"A cidade nasceu aqui. Por isso sempre contou com uma infraestrutura urbana privilegiada desde os primeiros tempos", explica o vice-presidente da Associação Viva o Centro, Marco Antonio Ramos de Almeida. Fundada há 25 anos pelo BankBoston (vendido ao Itaú em 2006), a entidade reúne empresas e entidades privadas que atuam na recuperação do Centro Velho de São Paulo. 
Segundo Almeida, é natural que a região volte a atrair investimentos e moradores, pois já possui uma infraestrutura consolidada e subutilizada por conta do esvaziamento da área ocorrido até meados do ano 2000. "O Centro possui desde uma excelente rede de transportes até postes com fiação elétrica subterrânea, passando por diversos equipamentos culturais, como a Sala São Paulo, o Teatro Municipal e a Pinacoteca", diz Ramos de Almeida. 
O arquiteto e urbanista Carlos Leite tem opinião semelhante. Por ser antiga, a região é a mais estruturada da cidade e a mais preparada para novos investimentos. "É um luxo para a cidade um lugar que tem tantas estações de metrô, unidades de saúde, creches e equipamentos culturais à disposição da população", diz Leite. Ele defende um adensamento maior das regiões centrais e uso misto do espaço urbano (comercial e residencial). 
De acordo com o urbanista, os números mostram a necessidade de repovoar o Centro. Em São Paulo, os distritos Sé e República contam com 153 vagas de trabalho para cada morador local. Isso causa o enorme movimento pendular casa-trabalho, com a população dos bairros mais distantes obrigada a deslocar-se para o Centro todos os dias, o que afeta a mobilidade urbana. "É muita oferta de trabalho para pouca gente que mora ali", diz Leite. 
Segundo dados da Viva o Centro, os distritos Sé e República concentram 85 mil habitantes. Em toda a região central (que reúne outros bairros, como Bela Vista, Bom Retiro e Santa Cecília) são cerca de 500 mil moradores - menos de 5% da população total da cidade de São Paulo, que é de 11,3 milhões de habitantes, segundo o IBGE. É pouco, mas tem melhorado ano a ano desde 2000, quando o Centro contava com apenas 67 mil moradores. 
"Há uma consciência atual de que as cidades não vivem bem caso o seu centro não funcione bem, mesmo que a pessoa não more lá. Afinal, o centro é referência para todos os cidadãos", afirma Valter Caldana, diretor da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Presbiteriana Mackenzie. 
A Prefeitura de São Paulo afirma que várias ações estão sendo realizadas para recuperar a região e incentivar o desenvolvimento econômico e social da região. Entre eles a reforma de calçadões, renovação da iluminação pública e incentivo ao ciclismo urbano, além de atividades de cultura e lazer nos espaços públicos. O poder público também investe em ações para aumentar a população do Centro, principalmente das camadas mais populares e que mais dependem do transporte coletivo. 
No começo do ano, o governo do Estado de São Paulo e a Prefeitura lançaram um programa para a construção de 1,2 mil moradias populares na região da Luz. O conjunto habitacional, que será erguido em regime de parceria público-privada (PPP) no terreno da antiga rodoviária, prevê investimentos de mais de R$ 1 bilhão nos próximos cinco anos. As primeiras unidades devem ser entregues até dezembro. 
Segundo o secretário estadual da habitação, Rodrigo Garcia, além de diminuir o déficit habitacional, o programa é uma maneira de incentivar a requalificação da área, que fica vizinha à Cracolândia. "Com mais famílias morando ali, mais pessoas vão circular pelas ruas durante a noite, surgirão novos estabelecimentos comerciais, restaurantes e será criado um círculo virtuoso que vai melhorar toda a região", afirma. 
No Rio de Janeiro, a meta é elevar a população da região central dos atuais 32 mil para 100 mil habitantes em dez anos. O incentivo à habitação, que prevê a construção de dez mil moradias de interesse social, integra o projeto Porto Maravilha, programa de revitalização urbana em uma área de cinco milhões de metros quadrados na zona portuária. 
Parte dos projetos, como o Museu do Amanhã e o Veículo Leve sobre Trilhos (VLT), já foram inaugurados, impulsionados pela Olimpíada Rio 2016. 
Também já foram entregues à população a recuperação de locais históricos como o Cais do Valongo, principal local de desembarque de escravos na cidade, e a Praça Mauá. 
Segundo a prefeitura do Rio, até 2026 estão previstos investimentos de R$ 8 bilhões, a maior parte por meio de PPPs. "Desde a década de 80 a administração municipal pensa em como recuperar essa área. Em 2010, finalmente, o projeto saiu do papel, tornando-se referência de revitalização ao recuperar uma região degradada por cinco décadas", diz Alberto Silva, presidente da Companhia de Desenvolvimento Urbano da Região do Porto do Rio de Janeiro. 
A preocupação em recuperar e incentivar o desenvolvimento da região central também chegou às cidades de menor porte. Em São José dos Campos (SP), a prefeitura investe R$ 8,6 milhões em obras, como construção de ciclovias e um boulevard na Orla do Banhado, como é conhecido o trecho que abrange as avenidas São José e Madre Tereza. "O Centro não está morto, mas ficou durante anos esquecido. Vamos modernizá-lo, valorizando as atividades econômicas existentes e estimulando o uso do espaço pela população", diz o prefeito, Carlinhos de Almeida (PT). 
Jovens e casais sem filhos buscam apartamentos compactos 
O mercado imobiliário aposta firme na revalorização do Centro de São Paulo. Na região da Praça da República, por exemplo, foram lançados 1.254 apartamentos residenciais no ano passado. Em 2011, foram apenas 341. Na Sé, foram lançadas 622 unidades em 2015, comparado a 399 apartamentos no entorno do marco zero entre 2011 e 2014. Os dados são do Secovi-SP. 
O preço do metro quadrado na região também disparou nos últimos anos - de R$ 7,4 mil em 2011 para R$ 9,7 mil no ano passado. Para efeito de comparação, o metro quadrado na região da Consolação custava R$ 13,6 mil em 2015. Na mesma época, o preço no Jardim Paulista era de R$ 12 mil. 
"Os distritos centrais estão entre os que mais lançaram unidades nos dois últimos anos", diz o economista-chefe do Secovi-SP, Celso Petrucci. Segundo eles, alguns fatores contribuíram para o cenário positivo. O primeiro deles foi a Operação Urbana Centro - legislação que permite maior aproveitamento do terreno para construções do que em outras regiões. 
O segundo é a boa infraestrutura oferecida pela região, o que tem atraído compradores em busca de moradia perto do trabalho e acesso fácil a serviços públicos e equipamentos culturais e de lazer. "São pessoas que não precisam de muitos metros quadrados para viver e sim de facilidade de serviços e menos trânsito para ir trabalhar", diz. 
O perfil do público da região é, em sua maioria, de pessoas jovens, solteiras em busca do primeiro imóvel, casais sem filhos ou idosos que procuram apartamentos menores e com acesso fácil aos mais variados tipos de serviços, bares, restaurantes e opções culturais. "Geograficamente, o Centro é um ponto muito desejado", afirma o CEO da Vitacon Incorporadora, Alexandre Lafer Frankel. A construtora investe em apartamentos compactos de até 14 metros quadrados no Bom Retiro.
"Acreditamos que não faz sentido uma pessoa ficar parada no trânsito apenas para ter uma sala maior. Por isso fazemos imóveis compactos, com inteligência de espaço, que têm como diferenciais a localização e os serviços compartilhados", diz Lafer. Segundo ele, além do preço mais acessível do que em outros bairros nobres, a região atrai interessados em adquirir imóveis como investimento, seja para revender ou alugar. 
O processo de revitalização do Centro, diz o construtor, precisa ser mais acelerado por parte do poder público para que a região se torne realmente atrativa para o mercado imobiliário. "Muitas coisas ainda não saíram do papel, como a revitalização da Luz. Se essa revitalização do Centro já tivesse ocorrido plenamente, as transformações seriam mais rápidas", diz.
Mas nem só os jovens estão migrando dos bairros para a região central. A Brookfield Incorporações investe em empreendimentos destinados aos mais variados tipos de clientes no Centro. Ainda este ano deve ser lançado o segundo empreendimento da construtora na região do Glicério, a 15 minutos da Praça da Sé. Serão apartamentos de até três quartos e lazer completo nas áreas comuns, muito procurados por famílias maiores e com filhos. O primeiro prédio no Glicério foi entregue no ano passado e também era destinado aos mais diversos públicos, de solteiros a famílias com filhos. 
"As pessoas que trabalham no centro adoram morar lá. E agora oferecemos a oportunidade para que isso aconteça com prédios novos e modernos", explica o diretor de incorporações da Brookfield, José de Albuquerque. Ele lembra que um dos maiores transtornos do paulistano são as horas perdidas todos os dias no trânsito e o que atrai no Centro, além da proximidade ao emprego, é a infraestrutura existente a poucos quarteirões de casa.
Outra região que tem atraído muitos clientes, segundo ele, é o Baixo Augusta. A Brookfield foi a responsável por dois empreendimentos no terreno do antigo Hotel Ca d'Oro, na Rua Augusta. "Quando fizemos o lançamento do empreendimento, que tem cerca de 900 unidades, vendemos tudo em uma semana", lembra Albuquerque.