segunda-feira, 18 de julho de 2011

Sobre carros e lobos

Revista Vida Simples
Por que somos tão selvagens no trânsito
Rush. Era com essa palavra inglesa que no Brasil de décadas atrás nos referíamos aos horários de pico no trânsito - o começo e o fim do dia. O rush, naquela época, era traduzido em uma pessoa chegar 15 minutos mais tarde a algum lugar. Sim, míseros 15 minutos eram sinal de que as coisas não iam muito bem. Falar em atraso semelhante hoje equivale a dizer que (ufa, graças a Deus!) chegamos na hora, fomos pontuais. O tempo gasto em deslocamentos nos grandes centros urbanos tem piorado ano a ano. Moradores de cidades como São Paulo, por exemplo, perdem cerca de 2 horas e 40 minutos diários dirigindo num ritmo de tartaruga. É um teste de paciência que poucos tiram de letra e com bom humor.




Não é fácil perceber-se privado da mobilidade em um ambiente em que deveria ocorrer o inverso. O automóvel, afinal, foi inventado para transportar as pessoas com mais rapidez que um cavalo, carroça ou trem e não para imobilizá-las, como praticamente acontece hoje nas cidades mais populosas do mundo. Não é novidade o fato de que, abarrotadas de veículos, elas estão quase parando. Mas poucos percebem que junto com isso há uma transformação social que não se resolve com políticas de mobilidade urbana: as pessoas estão cada vez mais desumanas no trânsito e não dá para engatar a marcha à ré e fugir dessa realidade.



O incrível é que esse comportamento foi anunciado há tempos. Em 1950, quando o Brasil somava 426 mil veículos (hoje somente a capital paulista conta 7 milhões), a Walt Disney Company lançou o curta-metragem Motor Mania retratando como o boapraça Pateta se transformava em um "monstrorista" ao simples girar da ignição de seu carro. Bastava ele pisar no acelerador para arreganhar os dentes, eriçar os pelos e sair dirigindo como um desvairado, metendo a mão na buzina, xingando e costurando os outros motoristas (para assistir ao filme, digite "Pateta no Trânsito", no YouTube). Visionário que era, Disney não só fez uma crítica ao comportamento ao volante como também já preconizava como as relações entre os motoristas se agravariam.





Na defensiva

Essa mudança sobre rodas é reflexo do comportamento individual das pessoas, aliado ao sistema de trânsito de cada país e à eficiência (ou não) da fiscalização e punição dos infratores. "Na Suíça, os condutores param diante da faixa de pedestres ou das placas ‘Pare’ até quando não tem gente por perto", conta Patrícia Cabral, que vive mudando de país devido às transferências do marido, executivo de multinacional. Em contrapartida, em países megapopulosos como a Índia, a situação é completamente inversa. Nova Délhi, que foi ranqueada em uma pesquisa da IBM como a quinta cidade com o trânsito mais desgastante do mundo (seguida por São Paulo), é um desafi o até para os mais destemidos. Além dos elementos básicos do trânsito - pedestres, bicicletas, motocicletas, carros, vans, carretas, ônibus e caminhões -, há riquixás, carroças, charretes, vacas, cachorros, elefantes, cavalos, camelos, cortejos fúnebres a pé e, claro, um mar de pessoas que, sem espaço nas calçadas, invade as ruas de caminho rente ao meio-fio. Tudo isso embalado por um buzinaço incessante de enlouquecer qualquer um.



No livro Por Que Dirigimos Assim?, o jornalista norte-americano Tom Vanderbilt cita uma explicação do ex-líder de policiamento de trânsito de Nova Délhi sobre o caos nas ruas: "A presença de uma vaca em uma área urbana congestionada não representa um perigo (...), também força o motorista a desacelerar. O impacto geral é reduzir a tendência de exceder a velocidade e de um comportamento imprudente e negligente ao volante." Ao ler isso, entendi por que não vi um acidente de trânsito grave quando estive na Índia. Presenciei discussões entre motoristas (o do nosso riquixá quando ele raspou num carro novinho, por exemplo) que não resvalaram para a agressividade, fi caram só em alguns xingamentos.



Em outros países, a situação não é bem essa. Aqui mesmo, no Brasil, uma discussão mais acalorada entre condutores pode resultar em agressão física e até em tiroteio. Por que isso acontece? Não porque a sociedade ocidental ande armada até os dentes, mas porque as pessoas, principalmente quem as que dirigem carros, saem de casa com um pensamento bélico na mente. "Elas têm a sensação de que em algum momento vão ser sacaneadas enquanto estão dirigindo e já se previnem contra isso", diz Pedro Paulino, psicólogo do Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo. Ou seja, já giramos a chave predispostos a sermos atacados e a nos defender - "e reagir contra qualquer tipo de violência é inato do ser humano", justifica Paulino.





Selva no asfalto

O resultado é um rosário de mau comportamento. Motoristas que fecham cruzamentos, que jogam farol alto no carro da frente porque ele está devagar, que aceleram tão logo o semáforo abre forçando a barra para o pedestre atravessar correndo. Sem falar nos apressados crônicos que fazem conversões proibidas, dirigem na contramão e não ficam felizes se não sentam a mão na buzina vez ou outra. É um imbróglio tremendo que embute valores de hierarquia social e de pseudoproteção.



No artigo "A Ideologia Social do Automóvel "(publicado no livro Apocalipse Motorizado), o filósofo austro-francês André Gorz escreve: "Quando foi inventado, o carro tinha a finalidade de proporcionar a alguns burgueses muito ricos um privilégio totalmente inédito: o de circular muito mais rapidamente do que todos os demais. Ninguém até então tinha sequer sonhado com isso: a velocidade de todas as charretes era essencialmente a mesma, fosse você rico ou pobre; as carruagens dos ricos não eram muito mais velozes do que as carroças dos camponeses e os trens carregavam todos à mesma velocidade (eles não possuíam velocidades diferentes até começarem a competir com o automóvel e o avião). Assim, até a virada do século, a elite não viajava a uma velocidade diferente do povo. O automóvel iria mudar tudo isso: pela primeira vez as diferenças de classe seriam estendidas à velocidade e aos meios de transporte".



E assim criou-se a hierarquia social no trânsito ainda tão visível em países como o nosso. Sair pela cidade a bordo de um SUV (utilitário urbano), como aquele carrão da propaganda em que o motorista se gaba de "ficar mais alto que os outros" e se sentir poderoso, dá ao condutor a falsa ideia de que ele pode mais e está mais protegido. Por "poder mais" entenda que ele se acha no direito de colar no motorista da frente porque é grande e de espremer um carro forçando a entrada em sua frente sem sequer acionar a seta de direção. Enquanto isso, quem dirige um automóvel com motor 1.0 ou com mais de cinco anos de uso é encarado como uma mosca chata zunindo ao redor da cabeça.





Você é o trânsito

"O que falta é as pessoas perceberem que cada uma é uma parte do trânsito e que as relações entre elas deve ser de colaboração", afi rma o sociólogo e consultor de trânsito Eduardo Biavati. Isso nada mais é que a metáfora da engrenagem. Cada peça com seu lugar e função e o entendimento comum de que tudo está interligado. Não dá mais para cada pessoa achar que está sozinha na rua; também não há como fechar os olhos para realidades tão simples como o espaço que os ciclistas vêm conquistando. Eles fazem parte do sistema trânsito e não é passando com o carro por cima de uma dúzia deles que a situação vai retroceder. "O ciclista tem seus deveres e direitos assegurados pelo Código Nacional de Trânsito", afirma Thiago Benicchio, biker de carteirinha e fundador da ONG Ciclocidade.



Segundo Benicchio, o motorista atento a pontos básicos pode garantir a harmonia na sempre atribulada relação veículo-bicicleta: manter distância lateral de 1,5 metro do ciclista, não buzinar, dirigir em velocidade reduzida perto do ciclista e não ultrapassá- lo para entrar numa rua à direita ou à esquerda. "Se as pessoas não fazem isso com um caminhão, devem entender que ultrapassar um ciclista em velocidade elevada para entrar à direita na sua frente é muito mais perigoso, devido ao deslocamento de ar", explica.



O maior problema nessa equação, como dito acima, está no fato de as pessoas não se encararem como iguais. Em vez disso, parece que todos saem às ruas com uma venda nos olhos ou com os olhos voltados para o seu próprio umbigo e totalmente vulneráveis aos fatores que os fazem perder a educação. Daí a partir para o ataque basta um vacilo do motorista da frente. "Estudiosos da agressividade apontam que fatores como aglomerações, calor, barulho e poluição correlacionamse a episódios de agressão. Se pensarmos que um congestionamento pode reunir muitos desses fatores, o trânsito é potencialmente estressor, levando muitas pessoas, já expostas a outros estressores, ao seu limite emocional", explica Cláudia Aline Soares Monteiro, da Universidade Federal do Maranhão, autora de estudo sobre a agressividade do motorista brasileiro.



Segundo ela, todos reagem diante de situações que perturbam e essas reações variam. "Uma pessoa agressiva pode não reagir agressivamente diante de algo estressante por estar em uma situação em que não há possibilidade de agressão, ou por ter aprendido a reagir de forma não agressiva na resolução de seus problemas. Enquanto que alguém calmo pode ter uma reação agressiva por estar em uma situação que permite e até incentiva isso." Resumindo, o trânsito é um ambiente em que as pessoas não somente externam sua irritação e impaciência com um congestionamento, mas também se aproveitam (inconscientemente) para descarregar outros incômodos. O cenário, diga-se de passagem, é totalmente favorável, porque em geral os motoristas estão sozinhos no carro e escondidos atrás da película escura, garantindo seu anonimato.





Sem saída

Mas se simplesmente aceitarmos essa situação porque ela é assim, e ponto, onde vamos parar? Mesmo que houvesse fiscalização e punição eficientes, só isso não seria suficiente. Não é a lei que ensina às pessoas valores de cordialidade e de respeito aos outros. Isso vem do berço. É com a família que aprendemos a ser educados, e nosso comportamento como motoristas é um espelho da forma como nossos pais dirigem. Afinal, as crianças aprendem por repetição e copiam os adultos. Fechar um cruzamento, avançar sobre um pedestre e não dar passagem não tem nada a ver com o excesso de veículos, com a enchente ou a falta de transporte público de qualidade que desanima qualquer um a trocar o carro pelo ônibus. "Além da educação, o modo de vida que adotamos, cujos valores se pautam na competitividade, na velocidade e no consumo, nos tem feito desconsiderar as noções de convívio social, de respeito ao espaço público, de coletivo e de ética", afrma Gislene Maia de Macedo, psicóloga da Universidade Federal de Pernambuco, que estudou a irritabilidade dos motoristas paulistanos.



No livro Fé em Deus e Pé na Tábua, o sociólogo Roberto DaMatta aponta o individualismo sobre rodas como um grande problema do trânsito. "A tão falada questão da educação não diz respeito somente a cultivar a paciência diante dos sinais e respeitá-los", escreve. "Trata-se de ensinar que o sujeito ao lado existe como cidadão. Que ele, por ser desconhecido, não pode ser tratado como um inferior ou um débil mental." A mensagem de DaMatta é que devemos olhar ao redor e observar.



Leon James, professor de psicologia da Universidade do Havaí, também defende a importância de observar o outro e a si próprio. Anos de pesquisa acerca das atitudes dos motoristas norte-americanos levaram- no a concluir que a condução colaborativa é uma boa medida para melhorar o convívio nas ruas. "É preciso que as pessoas treinem para ter uma nova visão do trânsito. A solução para sofrer menos é adotar uma atitude de tolerância em relação aos outros, baseada na conscientização de que a competição prejudica a todos", afirma.



O professor não está pedindo para a vida ser só sorrisos nas ruas. O que ele propõe é que cada um identifique em si os três pontos que ele batizou de Estratégia AWM (Acknowledge/ reconhecer, Witness/testemunhar, Modify/modificar). Nessa identificação, James ensina que a pessoa deveria pensar: Eu reconheço que sou um motorista/ciclista/ motociclista ou pedestre agressivo e tenho que mudar para ser um cidadão e uma pessoa melhor; eu testemunho quando tenho sentimentos e pensamentos agressivos enquanto dirijo; eu modifi co minhas emoções e pensamentos enquanto dirijo. "Também é importante o motorista se colocar no lugar do pedestre, que sofre com calçadas mal conservadas, com a ausência de faixas para a travessia e com a agressividade de quem dirige", diz Eduardo Biavati. O especialista em segurança no trânsito também enfatiza que existe uma grande margem de transformação na mão das pessoas. É questão de colocar em prática. Para exemplifi car, ele cita a obrigatoriedade do uso do cinto de segurança no Brasil. No começo, muitos resistiram e hoje é hábito. Com a cordialidade e a educação no trânsito pode ser igual. Quem sabe a princípio pareça meio boboca dar passagem ou não ultrapassar o carro que está mais lento, mas, com o tempo, vai que a gentileza pega de vez. É uma ideia nirvânica demais? Pode ser. Mas certamente é uma das saídas para o caos no trânsito.

Cristina Baddini Lucas - Assessora do MDT

Livros


Fé em Deus e Pé na Tábua, Roberto DaMatta, Rocco
Por Que Dirigimos Assim?, Tom Vanderbilt, Campus/Elsevier
Apocalipse Motorizado, Ned Ludd (org.), Conrad





Duas rodas, mente e coração

Outras Palavras

Assim como o auditório do Teatro Paulo Autran, os bicicletários do Sesc Pinheiros, no Largo da Batata, em São Paulo, ficaram lotados na última terça-feira (12/7). Pode-se dizer que o principal responsável pelo número de pessoas era David Byrne, guitarrista da banda Talking Heads, cicloativista, escritor e organizador do Fórum “Cidades, bicicletas e o futuro da mobilidade”, realizado no local. Mas o que mais parecia reunir os participantes era o tema, tão presente na vida dos paulistanos: a mobilidade urbana. Muitos dos que participaram do encontro compartilham a ideia de que a bicicleta é a melhor alternativa ao trânsito caótico, à poluição e à ocupação das ruas – sentimento crescente em grandes cidades nos últimos anos.




Além de Byrne, estavam presentes Arturo Alcorta, cicloativista do site escoladebicicleta; Marcelo Branco, secretário de Transportes do município de São Paulo e Eduardo Vasconcellos, da Associação Nacional de Transportes Públicos (ANTP). Os participantes tinham apenas quinze minutos para falar sobre mobilidade urbana, e abrangeram diversos assuntos ligados ao tema. As bicicletas e a cidade de São Paulo ficaram no centro das discussões na maior parte do tempo.



David Byrne baseou sua apresentação em algumas fotos de lugares por onde passou, de Los Angeles à Itália, ao centro de São Paulo. Começou comentando algumas fotos de seu país, mostrando avenidas largas, prédios altos, ruas vazias… Um modelo urbanístico que, segundo ele, é insustentável e isolador. Baseou-se em projetos de arquitetos e urbanistas do século 20, que tinham como principal objetivo tirar as pessoas das ruas. A cidade imaginada pela General Motors – maior empresa do mundo à época – é a que mais produz calafrios, com suas avenidas largas monumentais. Mas também as visões de urbanistas mais ligados ao mundo da cultura e das artes – Le Corbusier, Frank Lloyd Wright e Fuller – submetem-se ao mesmo ideal: prédios muito altos, ninguém na rua, avenidas que facilitam o fluxo de automóveis e um grande e generalizado tédio. Praticamente citando Jane Jacobs em seu livro “Morte e vida de grandes cidades”, Byrne contesta: seres humanos gostam de estar na rua e é lá que devem ficar; temos de devolver a cidade às pessoas. Estamos usando muito espaço para a infra-estrutura necessária para automóveis, é só prestar atenção em quanto espaço morto é reservado apenas para estacionamentos.



Ilustrando formas de como fazer isso, ele mostra fotos de favelas brasileiras pintadas por artistas plásticos, resignificando o espaço urbano; sistemas de bicicletas compartilhadas (como em Paris e Buenos Aires); ruas mais estreitas, que encorajam as pessoas a estar e transitar por elas… E termina com um dado de Nova York, sua cidade: apesar de parecerem contraditórios, os números mostram que quanto mais pessoas usam bicicleta como meio de transporte, menos acidentes ocorrem. Esse tipo de mudança, acredita Byrne, é mais bem-vindos na América Latina que na do Norte.







Praticamente contradizendo David Byrne, Arturo Alcorta fez sua fala voltado pra o Norte. Contou que acabava de voltar de Nova York, com uma péssima impressão de nosso país. Estava assustado com a “incapacidade dos brasileiros” de conseguir transformar suas cidades para o bem. Para este cicloativista, perdemos a noção do que é mobilidade e, acima de tudo, do que é uma cidade. Existentes há séculos, elas foram feitas para juntar pessoas, não para afastá-las. Como construir uma cidade nos dias de hoje? A resposta: com união, estrutura, legitimidade, de acordo com sua necessidade, respeitando o passado e buscando resultados perenes.



Mais adiante (e menos fixada no norte…) a fala de Alcorta reforça a de Byrne: temos que trazer as pessoas para as ruas por meio da informação, da cultura e da participação. Com a falta de interesse atual, não conseguiremos mudar. Em seu site, o debatedor, ciclista há décadas, reúne textos que ajudam pessoas que queiram aprender a andar de bicicleta na cidade. Tira dúvidas e oferece dicas essenciais, ajudando quem tem interesse pelo assunto mas ainda está inseguro. No final, expõe o nome de Meli Malatesta, a responsável na Prefeitura de São Paulo pelas ciclovias da cidade.



Provavelmente por ter sido vaiado de leve nas apresentações e percebido o tom do encontro, o secretário Marcelo Branco resolveu mudar sua fala. O que a princípio seria uma propaganda das poucas políticas de integração da bicicleta em São Paulo, virou uma conversa breve e até franca sobre a incapacidade histórica da maior cidade do país com relação à mobilidade urbana.



Branco manteve no projetor, durante sua breve exposição, um slide com uma frase de Jan Gehl, arquiteto e urbanista dinamarquês que transformou Copenhage nos anos 60 – com um projeto que convertia uma grande avenida da cidade em uma rua apenas para pedestres. Mas o exemplo do urbanista ficou apenas na citação. Ao que parece, os projetos para São Paulo, ainda são muito tímidos. O secretário explicou que a Companhia de Engenharia de Tráfico (CET) foi criada nos anos 1980, especificamente para melhorar o fluxo do transporte individual. É muito difícil e leva tempo para transformar essa visão, segundo ele. Tentou demonstrar que entende a necessidade do incentivo das bicicletas na cidade, dizendo que é necessário dar ao cidadão o direito de escolher esse meio de transporte. Alegou que é importante compartilhar as vias no trânsito, pois segundo ela as ciclovias são uma forma de segregação. Defendeu a chamada “ciclofaixa de lazer”, e a “rota de bicicleta”, que consiste em pintar bicicletas nas ruas e propor aos motoristas que diminua a velocidade.



O mais aplaudido na conversa foi Eduardo Vasconcellos, da ANTP. Ligando sua fala à do Secretário de Transportes, começou dizendo que devemos abandonar conceitos antigos, principalmente o da eficiência. Precisamos começar a pensar na cidade e na mobilidade urbana com equidade, acima de tudo. Afirmou repetidamente que se todos são iguais, um ônibus, com o menor número de pessoas que tenha, deve ter muito mais prioridade que um automóvel individual: aí, sim, teremos uma cidade igualitária. Mostrou como nossos valores estão invertidos quando pensamos apenas no fluxo dos automóveis na cidade. E trouxe muitos dados: com relação ao consumo de espaço na mobilidade, enquanto um pedestre ou um ônibus ocupam 1m² do espaço público (relativo ao número de pessoas, no caso do coletivo), uma bicicleta 2m², e uma moto, 8m², um automóvel individual ocupa nada menos que 50m². Além disso, uma família de classe alta que tenha dois carros é responsável por 16 vezes mais acidentes que uma que não tenha nenhum. Isso é uma profunda falta de democracia e uma privatização do espaço público da cidade.



Como afirma Eduardo, isso só acontece porque é a classe dominante quem domina o transporte individual — e tira proveito dele — enquanto os demais sofrem as consequências. A opção está ligada a um projeto que associa desenvolvimento a automóveis, começou a ser imposto na década de 1940 e continua vigente até hoje — essa elite conserva poder. “Nós perdemos o primeiro tempo”, brinca Eduardo, mas temos que continuar jogando o jogo para não perder o segundo: lutando sempre pela democracia, cidadania e equidade. Sugere também algumas ideias para São Paulo, como baixar a velocidade em todas as vias, tirar das ruas 30% dos automóveis e dedicar esse espaço ao transporte público. Não será fácil, nem conseguiremos em dez anos, mas temos que seguir.



E o que fazer? Os quatro debatedores dizem, quase com as mesmas palavras, que devemos sempre imaginar qual futuro queremos. Mas apresentam alternativas que estão quase sempre nas mãos de governantes. David Byrne talvez esteja certo, ao dizer que a arte e a cultura levam as pessoas às ruas. Elas gostam de estar lá e talvez só precisem perceber isso: basta reparar nas marchas que estão se multiplicando pelas cidades brasileiras, uma apropriação doespaço urbano para reivindicar direitos. Mesmo a Virada Cultural de São Paulo ou a avenida Paulista, completamente lotada de gente na época do Natal, quando os prédios se enfeitam, são sinais. Se as ruas se mostrarem atrativas às pessoas, para que elas vão querer se trancar em condomínios fechados, automóveis e shopping centers?



Mas talvez a melhor lição do Fórum tenha sido a de Arturo, ao criticar a plateia por ter vaiado o secretário dos Transportes: não sejamos bipolares, as coisas não são boas nem ruins, são humanas. Ao tomar uma posição “nós contra eles” em relação ao pensamento mais ortodoxo, perde-se diálogo e todos, de alguma forma, são prejudicados.



Cristina Baddini Lucas - Assessora do MDT