terça-feira, 28 de junho de 2016

Ônibus merecem tapete vermelho nas cidades, diz ex-secretária de Nova York

19/06/2016 

Folha de SP

Conhecida por multiplicar a rede cicloviária de Nova York, a ex-secretária de Transportes da cidade Janette Sadik-Khan tenta agora chamar atenção para um meio "menos sexy", mas que é "a força motriz" do transporte público: os ônibus.
Para a urbanista, prefeitos de grandes cidades deveriam "estender um tapete vermelho" para os coletivos e implementar mudanças para que eles sejam rápidos e atraentes para a população.
Sadik-Khan falou à Folha durante sua passagem por São Paulo para lançar seu novo livro "Streetfight: Handbook for an Urban Revolution" (em tradução livre, "Briga de rua: Manual para uma Revolução Urbana", ed. Viking). Na obra, ela desenvolve suas ideias sobre urbanismo e conta como conseguiu –na maioria das vezes– aplicá-las à cidade mais rica do mundo.
Na entrevista, ela defende que executar projetos rápidos e baratos, como pintar pistas para ônibus e bicicletas, é mais eficiente para mudar a cidade do que realizar grandes obras. Ela ainda diz como usou sua rede de contatos para fazer diferentes departamentos e governos trabalharem de forma coordenada –algo raro, segundo ela– e afirma que aplicativos como o Uber são "promissores", desde que mantidas as exigências de segurança.
Veja os melhores trechos:
Folha - No seu livro, a sra. escreve que os ônibus não recebem muita atenção de planejadores urbanos, e que merecem uma "nova imagem". Por onde começar?
Janette Sadik-Khan - Os ônibus merecem tapete vermelho, pois levam a maior parte dos passageiros em diversas cidades pelo mundo. Mas eles precisam ser mais rápidos e mais confortáveis. Em algumas regiões de Manhattan, era mais rápido andar a pé do que estar dentro de um ônibus. Adotamos o sistema de corredores de ônibus (BRT), que Curitiba criou e que se popularizou. Em Nova York, seria muito difícil fazer um corredor isolado em cada avenida, então espalhamos uma rede de câmeras que multa o carro que invade o espaço do ônibus. Nada mais educativo que uma multa. Também colocamos "transponders" (localizadores) nos ônibus e sincronizamos eles com os semáforos. Quando eles estão se aproximando de um cruzamento, o sinal verde se mantém por alguns segundos a mais para que o ônibus não precise esperar. Essa coordenação é fundamental.
A sra. também diz que os ônibus são tão sexy "quanto um vestido amish [minoria religiosa, que usa trajes longos e folgados]". Como deixá-los atraentes?
Eles não podem ser vistos com a última alternativa de quem não tem outra opção. [Em Nova York,] decidimos fazer um concurso de design, para que o tecido das poltronas fosse bacana, que a pintura do ônibus e até o neon na frente chamassem atenção. Tinha que ser 'cool'. Não faz sentido ficar esperando dez minutos no ponto, sem fazer nada, e depois ficar numa fila para embarcar, para pagar a passagem. Pegamos máquinas de venda de passagens do metrô e as levamos para a superfície. O ideal é que a pessoa já pague pela passagem antes do ônibus chegar. O embarque e o desembarque têm que ser velozes. De ser um vestido amish, o ônibus tem que virar o biquíni do transporte.
Há cerca de 7 anos, as empresas de ônibus de Nova York foram estatizadas. Esse é o melhor modelo?
E a chave para o transporte público funcionar é coordenar os serviços. Não pode haver duplicidade e nem variação da qualidade de acordo com o interesse quem opera a linha. E claro que as empresas vão sempre querer as linhas que são mais lucrativas. Então [, no modelo privado,] o serviço pode não ser oferecido em áreas críticas na tentativa de maximizar o lucro. Isso não é eficiente, não é estratégico.
Os ônibus e o metrô são da autoridade metropolitana, a rede de bicicletas e de ciclovias é municipal, os trens são estaduais. Como trabalhar em conjunto, quando autoridades de partidos diferentes ou departamentos até da mesma gestão pouco conversam?
O cultivo de relações pessoais é fundamental. Sempre ajuda se você conhece seu colega em outro setor, pega o telefone e pede ajuda para quebrar um galho. Trabalhei no Departamento [Ministério] de Transportes federal no governo de Bill Clinton, quando conheci boa parte das autoridades com quem eu teria que me relacionar quando fui para a prefeitura na gestão Bloomberg. Esses contatos ajudaram a acelerar programas.
No livro, a sra. demonstra frustração com a demora da construção da linha de metrô sob a Segunda Avenida, de Nova York. A sra. é contrária à expansão do metrô, por ser cara e lenta?
Não. Toda a cidade tem que estudar sua demografia, suas finanças, seu solo e decidir o que é melhor para si. Em Nova York, o sistema de metrô é a nossa coluna vertebral. Na verdade, o sucesso econômico da cidade se deve a termos um sistema de transporte coletivo tão eficiente, que leva milhões de pessoas todos os dias em poucos minutos. Imagine fazer pistas e vias expressas para toda essa gente. Los Angeles, Atlanta e São Paulo investiram muito para o carro e os congestionamentos estão aí.
O que você acha do Uber e da desregulamentação que tem promovido nos serviços de táxi pelo mundo?
Eu acho que aplicativos como Uber e Lyft [seu principal concorrente nos EUA] são uma promessa incrível, tanto para melhorar as conexões com o transporte público nos primeiro e último quilômetros de um trajeto quanto para prover serviço em áreas que não teriam outras opção de transporte.
Mas é importante equilibrar o jogo entre táxis e esses aplicativos. Não devemos deixar de lado as regulamentações importantes que já existem de segurança e de qualidade dos veículos.
A sra. defende a execução de obras rápidas e baratas, como a pintura de faixas de bicicletas e ônibus. Aqui, as ciclovias pintadas foram criticadas como "improviso". O que você diria para esses críticos?
Pense em como as cidades mudaram na últimas décadas: a economia, o número de pessoas, os negócios, a tecnologia. E pense no que foi feito em planejamento urbano nesse mesmo período. Nossas ruas ainda estão na versão 1.0 e, diferentemente de um iPhone, não vão se atualizar sozinhas. Então, a ideia de testar as coisas, "pintar mudanças", é ótima. Se não funcionar, muda-se de volta, tudo bem. Mas as cidades que nem tentarem ficarão atrás das que estão fazendo algo. E, hoje em dia, pessoas e companhias mudam de lugar com muita facilidade. Portanto, melhorar a qualidade de vida das pessoas não é só uma coisa legal de fazer, é crítico para a economia.