quarta-feira, 1 de junho de 2016

Formando comportamentos no transporte público

Site da ANTP

Claudio de Senna Frederico

Não é de hoje que o projeto do VLT do Rio me interessa e, simultaneamente, me entusiasma e me preocupa. 
Começando pelo entusiasmo: creio ser um dos únicos projetos plenamente justificados em utilizar um meio de transporte urbano tão caro em proporção a sua capacidade no Brasil. E a justificativa é a mesma que ouvi há muitos anos de cidades europeias para manterem os bondes, também muito caros. Em primeiro lugar queriam manter as características de uma cidade e não apenas obter transporte. Em segundo lugar, eram suficientemente ricos para escolher soluções caras. E, finalmente, o transporte individual em automóveis era ainda mais caro e destruía suas cidades, apesar de mesmo assim ser utilizado. 
No caso do Rio, e em alguns poucos outros casos, o primeiro argumento é amplamente aplicável pela recuperação e potencialização de um projeto urbano – o Porto Maravilha e outros. O segundo argumento não se aplica a nenhuma cidade no Brasil – não temos dinheiro sobrando – mas o terceiro, infelizmente, se aplica ao mundo inteiro. 
No entanto, pela necessidade de sermos módicos com nossos recursos, são poucos os projetos que podem justificar os gastos do VLT e, creio, o do Rio é um dos melhores. 
Quanto às preocupações, estas são em parte resultado de meu entusiasmo, pois desejo que o VLT Carioca seja bem-sucedido na sua implantação e tenha saúde para permanecer assim por muito tempo. 
Sem dúvida que existem dois pontos de maior fragilidade no projeto. O primeiro, intrínseco a um sistema que trafega no viário em espaço aberto, é o conflito com pedestres, ciclistas e veículos motorizados em geral. Mas não é sobre este que pretendo tecer considerações neste documento. 
O segundo ponto de risco é a decisão de não haver controle da cobrança efetiva da passagem utilizando alguma das formas até agora usuais no país. Mas também não é sobre isto que vou escrever a seguir, pois existem motivos razoáveis para ser assim e as dificuldades estão em assegurar ou facilitar que o comportamento adequado dos passageiros seja obtido. 
Tenho sempre afirmado que o transporte público de passageiros é fundamentalmente operado pelos seus passageiros, que precisam se comportar de forma adequada e colaborativa. 
Para que isso ocorra, é necessário que saibam o que é esperado deles, o que também deve ser uma ação razoável (nada de ter que empurrar o veículo), e que estejam motivados para “operar” o sistema corretamente, tornando isto um hábito automático e uma pressão social sobre os demais recalcitrantes (novamente, são os passageiros e sua pressão social os maiores “fiscais e instrutores” do serviço). 
A mesma situação foi enfrentada inicialmente pelo Metrô de São Paulo na década de 70 do século passado. Um sistema de transporte totalmente novo foi implantado em meio a uma péssima fama generalizada dos outros meios públicos (não somente transporte) e, em especial, com características físicas que poderiam levar os novos usuários a ver nele apenas outro “trem de subúrbio” e levá-los a se comportar com a mesma agressividade que apresentavam lá. Era preciso “ensinar” os futuros passageiros – tanto em seu componente factual quanto, principalmente, no emocional – como deveriam colaborar e ao mesmo tempo reforçar aspectos positivos associados ao novo comportamento desejado, como modernidade, segurança e crescimento pessoal. 
Assim nasceram as visitas controladas, que ocorriam nos finais de semana ainda durante a obra e até mesmo sem trem para viajar. 
Vamos nos debruçar sobre os detalhes de como foram organizadas para depois passarmos ao paralelo com o VLT do Rio. 
Apesar de inicialmente ter sido proposta a divulgação de um horário e local para que quem quisesse pudesse visitar o que, essencialmente, era uma obra em andamento, foi decidido que isso em nada se assemelhava ao que se desejaria do público mais tarde e, portanto, não seria um bom “treinamento”. A decisão foi por organizar o evento da forma mais semelhante a uma viagem futura e sob uma representação rigorosa do controle da corporação operacional (que, aliás, também precisava ser treinada junto ao público). 
Um número limitado de “bilhetes” graficamente iguais aos futuros, mas sem tarja magnética, era distribuído antecipadamente aos que desejassem participar do programa. A cor mudava a cada semana, para que só fossem válidos em um dia específico. Na ausência de sistemas magnéticos, foram instalados relógios registradores semelhantes aos relógios de ponto nas futuras linhas de bloqueio, aonde operadores fiscalizavam o cancelamento dos bilhetes que permaneciam com os passageiros (ligeira diferença da realidade futura) como souvenir. Havia um clima de que de fato os bilhetes estavam sendo automaticamente verificados e cancelados (ensaio realista emocional). 
Mesmo antes das visitas com viagens nos trens, os visitantes percorriam a estação aproximadamente da mesma forma que no futuro, utilizando as escadas rolantes para descer e subir das plataformas e liberando as áreas já vistas para os que vinham atrás. Aliás, as escadas rolantes eram o maior sucesso e dificuldade de treinamento, lembrando que na primeira linha de São Paulo foram instaladas mais escadas rolantes do que existiam naquele momento em todo o país. 
Pessoas que apareciam sem bilhete ou com bilhetes para outros dias eram obrigadas a ir a uma bilheteria e de forma geral tinham seus bilhetes trocados por novos ou recebiam da cota do dia que tinha sobrado. Todo o aparato visível procurava funcionar como no futuro, com anúncios sonoros, assistência social, achados e perdidos e agentes de segurança visíveis.