quarta-feira, 7 de agosto de 2013

Da tarifa ao Plano - A Contribuição dos Trilhos para a Mobilidade


O aumento das tarifas de transporte coletivo nas cidades ou a sua redução a zero foram os motivos iniciais que levaram multidões às ruas nas cidades brasileiras.
As manifestações e os diversos atos reprováveis que em algumas delas ocorreram, culminou com a recente declaração da Presidente Dilma de convocar governadores e prefeitos para um pacto, em prol da construção de um Plano Nacional de Mobilidade Urbana.
Este tema é recorrente para a Associação dos Engenheiros e Arquitetos de Metrô - AEAMESP e todos nós sabemos que no Brasil, a opção rodoviarista e o processo de industrialização que se consolidou nas décadas de 1950 e 1960 promoveram uma concentração urbana acelerada e desordenada. As metrópoles expandiram-se, conurbaram-se com cidades próximas e geraram demandas de serviços e atividades que fugiram do controle dos municípios.
Como a produção de riquezas é realizada majoritariamente nas áreas urbanas, onde habita a maioria da população, a mobilidade requerida para a movimentação de bens e pessoas passou a gerar deseconomias prejudiciais à sociedade: acidentes, congestionamentos de trânsito, altos custos de transporte, poluição do ar, doenças respiratórias, violência, entre outros aspectos negativos.
Ao mesmo tempo em que o uso do automóvel facilitou os deslocamentos, contribuiu também para os problemas de circulação, devido à incompatibilidade entre as necessidades de mobilidade e a infraestrutura de transporte disponível. O viário e as redes de transporte coletivo - concebidos no antigo padrão da metrópole industrial, com fluxos pendulares - não mais atendem às demandas atuais de deslocamentos que são caracterizadas por cadeias de viagens, em geral ao longo das 24 horas do dia.
Além disso, há que se considerar também o processo de exclusão social e a segregação espacial da pobreza que provocou o deslocamento da moradia da população de baixa renda para as áreas periféricas das cidades, fato que contribui para o aumento das distâncias das viagens e consequentemente de seus custos.
As cidades continuam crescendo desordenadamente. Mesmo em municípios menores, os congestionamentos já fazem parte de seus dia-a-dia. Em alguns centros urbanos, a sociedade vive à beira do insuportável. Deslocar-se no meio urbano e mesmo chegar ou sair de muitas cidades tornou-se um grande desafio, que demanda paciência e perda de tempo.
No País, não é possível ir de uma cidade a outra pelo modo ferroviário, pois as viagens ferroviárias deixaram gradativamente de fazer parte do nosso cotidiano a partir dos anos 60 do século passado e as gerações mais recentes, acostumadas somente com o transporte rodoviário e aéreo, desconhecem que existe esta alternativa. Os grandes sistemas de trens urbanos e a malha ferroviária foram sendo sucateados, com grande degradação dos serviços – processo que só recentemente começou a ser estancado e, em alguma medida, revertido.
As políticas de uso e ocupação do solo, transporte e trânsito não convergem. De modo geral, os municípios vivem buscando soluções que só oferecem mais lugar para os carros e as motocicletas. No âmbito Federal tomam-se decisões para continuar a privilegiar o transporte individual, ora com desoneração tributária, ora com incentivo ao crédito ou até mesmo segurando os preços dos combustíveis, apesar das variações da cotação do barril de petróleo no mercado internacional.
Neste contexto de dificuldades crescentes, o transporte público coletivo, nos seus diferentes modos - seja nas ligações urbanas, regionais ou de longo percurso - passa a ter um papel mais relevante na matriz de transporte e torna-se agente de transformação socioeconômica.
Garantir a mobilidade urbana, preservando o meio ambiente e a saúde humana é o grande desafio que os gestores públicos têm para o setor de transporte, independentemente do porte de suas cidades.
Desde abril de 2012 está em vigor a Lei Federal N.º 12.587 que estabelece as diretrizes da Política Nacional de Mobilidade Urbana no País. O texto é abrangente e compreende aspectos como a regulação dos serviços de transporte público coletivo, as atribuições da União, dos Estados e dos Municípios quanto à matéria e, ainda, os direitos dos usuários.
Apesar das novas regras exigirem que os municípios com população acima de 20 mil habitantes elaborem, no prazo de três anos, os Planos de Mobilidade Urbana, integrados e compatíveis com o Plano Diretor, sob pena de serem penalizados com a suspensão dos repasses federais destinados às políticas de mobilidade urbana, não há instrumento de financiamento permanente para o setor, já que os governos, em geral, não gostam de criar tributos com destinação exclusiva.
Por isso, nós da AEAMESP sempre propusemos que investimentos permanentes em projetos de infraestrutura, principalmente em sistemas estruturantes sobre trilhos de alta e média capacidade, continuassem sendo feitos pelas três esferas de governo para melhorar o transporte, a mobilidade e a acessibilidade para todos.
No mundo, está mais do que comprovado que as cidades que optaram por resolver seus problemas de mobilidade utilizando meios de transportes não motorizados e coletivos sobre trilhos, conseguiram revitalizar regiões degradadas em seus centros urbanos, não agrediram o meio ambiente e produziram níveis de qualidade de vida melhor para seus cidadãos ao reduzir, ainda mais, os níveis de poluição e consequentemente o de doenças respiratórias.
A sociedade não pode mais admitir que ao se adotar uma solução de transporte, ela somente resolva o atendimento aos fluxos de demandas. A solução deve considerar atributos de serviço, tais como conforto, segurança e rapidez e ser parte de um plano de desenvolvimento urbano, decorrente da integração das políticas de uso e ocupação do solo, de trânsito e emprego. A solução deve levar também em consideração os aspectos ambientais, ao utilizar fontes renováveis de energia e adotar tecnologias que ofereçam maior rendimento energético.
Solução ideal é aquela que propicia as maiores contribuições ou benefícios econômicos e socioambientais, além de diminuir os tempos das viagens e promover melhoria na circulação do trânsito.
Neste aspecto e com vistas ao Plano de Mobilidade que se pretende construir, os sistemas sobre trilhos têm uma grande contribuição a dar para as cidades, por torná-las cada vez mais competitivas e ao mesmo tempo mais humanas para os seus cidadãos.

Engº José Geraldo Baião - Presidente da Associação dos Engenheiros e Arquitetos de Metrô - AEAMESP
Ponto de Vista ANTP

Sem Planos, os municípios não podem atender aos pedidos do povo nas ruas por melhores transportes públicos


As manifestações que explodiram em nossas ruas deixaram clara a insatisfação da população com os transportes públicos em nossas cidades. Até agora, nada, ou quase nada foi feito nos municípios como resposta aos protestos. Presenciamos que o setor continua estagnado, com raríssimas exceções, refém da falta de planejamento e de recursos financeiros.
É preciso ir mais fundo na situação atual das cidades para entender o que está de fato acontecendo e por que as administrações públicas não atendem às demandas da população. Há incapacidade dos gestores de transporte? Há falta de vontade política? Há falta de recursos para elaboração de planos e projetos para esse setor? Acho que a resposta é um pouco de cada uma das questões anteriores.
A maioria das administrações municipais não consegue superar as dificuldades que a população enfrenta no dia a dia dos deslocamentos pelas cidades e fica evidente que, em geral, elas não definem uma Política de Mobilidade Urbana visando equacionar as ações e apropriar os recursos financeiros para isso.
Parece incrível, mas essa é a realidade. A maioria das cidades brasileiras não tem claramente definida uma Política de Mobilidade Urbana e o corpo técnico de suas entidades gestoras raramente desenvolve estudos para gestão dos transportes, tampouco conta com a participação da sociedade nas decisões. A consolidação desses preceitos resultaria em um Plano de Mobilidade Urbana, sem o qual os municípios não têm como avançar na implantação de sistemas de transporte público para responder aos anseios da sociedade.
Para dar suporte aos municípios no processo de elaboração dos Planos Diretores de Transporte e da Mobilidade, obrigatórios para as cidades com mais de 500 mil habitantes, fundamental para as com mais de 100 mil habitantes e importantíssimo para todos os municípios brasileiros, o Ministério das Cidades criou o Guia PlanMob e disponibilizou o seu uso. Sua concepção segue os princípios estabelecidos na Política Nacional de Desenvolvimento Urbano e na Política Nacional de Mobilidade Urbana Sustentável, principalmente na reorientação do modelo de urbanização e de circulação das nossas cidades. Mas esta importante ferramenta, devido às suas características de documento técnico, não é de fácil manuseio e interação com os técnicos ou gestores de transporte. Pode não ser isso, mas a maioria dos municípios continua sem planos.
Pouco adianta a presidente Dilma Rousseff oferecer R$ 50 bilhões para investimentos em projetos de Transporte nos municípios. Se a cidade não tem o seu Plano de Mobilidade Urbana, não pode fazer jus a uma solicitação de financiamento, uma vez que a Lei da Mobilidade Urbana, promulgada em janeiro de 2012, restringe a concessão de recursos financeiros aos municípios que tenham o seu plano elaborado até janeiro de 2015. Se o município não tem plano, não recebe dinheiro. Os prefeitos, certamente, sabem disso, mas devem encontrar dificuldades técnicas, por parte dos quadros administrativos municipais, na elaboração de planos e projetos para esse setor.
A ANTP recentemente anunciou o lançamento de um Curso de Ensino a Distância de Mobilidade Urbana com o propósito de aprimorar os conhecimentos básicos dos gestores de transporte sobre o assunto. Para estruturação e montagem desse curso, a ANTP convocou técnicos colaboradores da entidade que, juntamente com o SENAC, produziram um material de alto valor didático, que poderá contribuir para aperfeiçoamento, atualização e mesmo formação do pessoal que administra o trânsito e os transportes nas cidades brasileiras. Um curso dessa natureza pode ser facilmente disseminado pela internet, levando a experiência em transportes da ANTP, acumulada por mais de trinta anos, a todo o país e, quiçá, cooperar com os esforços para vencer o aparente obstáculo da falta de planos em nossas cidades. Poderá também ser um instrumento introdutório para assimilação do Guia PlanMob pelos técnicos municipais.
O curso não poderá ser usado como resposta à insatisfação da população com os transportes públicos em nossas cidades. Mas poderá, sem dúvida, ser um importantíssimo primeiro passo para os gestores públicos terem maiores elementos na definição dos requisitos necessários à elaboração de um Plano de Mobilidade Urbana para suas cidades.

Ivan MetranWhately, Consultor em Planejamento de Transporte; Diretor do Departamento de Mobilidade e Logística do Instituto de Engenharia. 
Ponto de Vista - ANTP