Artigo de
Antenor Pinheiro no Semanal
da ANTP reflete sobre as nuances culturais e econômicas da
implantação de um ramal ferroviário entre Goiânia e Brasília e o
predomínio do transporte individual motorizado.
A primeira questão que se apresenta para ser superada é de ordem
econômica, pois qualquer proposta de infraestrutura ferroviária atrai
automática resistência do poderoso setor industrial automobilístico e
seus derivados (autopeças, borracha, vidros, lubrificantes,
combustíveis, betumes, minérios etc). Basta recorrermos à história,
especialmente a partir de 1950, e verificar que foi este o setor que
mereceu incentivos prioritários no pós-guerra para que fosse consolidado
como base do novo modelo econômico brasileiro, até hoje predominante
como opção nas políticas de transportes brasileiras.
Este molde de gestão, desde então adotado como indutor do
desenvolvimento econômico brasileiro, resultou dois vetores
diametralmente opostos, hoje consolidados e em contínua progressão. De
um lado incrementou magnificamente o sistema rodoviário brasileiro, que
passou de aproximadamente 38 mil (1950) para 1,6 milhões de quilômetros
de extensão (2000). Na outra ponta, a mesma política desestimulou o
sistema ferroviário, que regrediu de 35 mil (1945) para 29,7 mil
quilômetros de extensão em rede (2000), conforme anota Juciara Rodrigues
em seu “500 Anos de Trânsito no Brasil” - praticamente a mesma
quilometragem ferroviária do Japão que, além de ser 23 vezes menor que o
Brasil, possui topografia adversa, montanhosa em 71% de seu território.
A segunda questão que se nos apresenta tem nuança cultural. No
Brasil, transporte sobre trilhos é pouco aceitável porque remete à idéia
de velocidade moderada, custos vultosos, estética proletária, ambiente
rural, filmes “western” e cheiro de carvão, tipo coisa ultrapassada.
Trata-se de inculcação ideológica competentemente construída pelo
marketing da indústria sobre rodas, cuja ação inicial se notabilizou com
a deliberada destruição dos sistemas de bondes urbanos de São Paulo e
Rio de Janeiro, culminando com o sucateamento da indústria de vagões e
locomotivas e a privatização de seus setores estatais.
Essa aparente obsolescência muda um pouco na medida em que se
popularizam as novas tecnologias de transportes sobre trilhos, sobretudo
os europeus e asiáticos - o “trem-bala”, o “shinkansen” japonês e
outros sofisticados de altas e médias velocidades e “designers”
arrojados. De fato, esses modernos modais nos permitem retomar a
simpatia pelo sistema, cuja eficiência já é experimentada há muito nos
ambientes urbanos metroviários existentes nas grandes cidades
brasileiras e hoje se reflete no avanço da construção da Ferrovia
Norte-Sul e seus ramais.
Portanto, o novo burburinho do “trem pequi” surge nesse contexto
fático, num país que continua priorizando o transporte rodoviário,
sobretudo o individual motorizado, com sucessivas isenções tributárias, e
com menos trilhos hoje que 50 anos atrás. A isso se agregam as demandas
acumuladas dos transportes sobre rodas, espelhadas nas rodovias mal
conservadas, nos altos custos sociais traduzidos na expressiva
acidentalidade viária, mas também na capital do Estado, cujas políticas
de mobilidade carecem de profissionalização continuada. Bastante típico
de uma passagem de nível sem barreira no momento em que a locomotiva se
aproxima.
Antenor Pinheiro é jornalista, coordenador da ANTP Regional
Centro-Oeste e superintendente da Secretaria de Estado das Cidades/GO