sexta-feira, 3 de janeiro de 2014

Mobilidade X Cidade



Nosso país é predominantemente urbano: cerca de 80% da população brasileira mora em cidades. O processo de urbanização das cidades brasileiras caracteriza-se pela segregação territorial. A população é gradativamente expulsa dos centros para as periferias, numa lógica de exclusão social que concentra a oferta de serviços públicos e empregos no centro, distribuídos de forma desigual, aumentando assim a demanda por transporte público para atender aos deslocamentos entre grandes distâncias. O sistema de transporte geralmente não supre a demanda adequadamente. Como resultado
os mais pobres ficam segregados espacialmente e limitados em suas condições de mobilidade.

As pessoas precisam ter acesso ao que a cidade oferece: trabalho, comércio, estudo, lazer, serviços públicos, e outros. Deslocam-se pela cidade utilizando meios diferentes: a pé, de bicicleta, de carro, de moto, de ônibus, de trem, de metrô, e de barco, especialmente na região norte.

Encontram facilidades e dificuldades, mas não podem deixar de fazer esses deslocamentos.Sem o acesso aos serviços públicos essenciais, e o transporte é um deles, as pessoas estão limitadas para
desenvolver suas capacidades, exercer seus direitos, oupara acessar oportunidades.

A localização dos equipamentos urbanos, dos loteamentos e conjuntos habitacionais, das fábricas, comércio, e as relações territoriais urbanas em geral, devem ser pensadas de forma integrada à disponibilidade de serviços de transporte, e prover o mínimo necessário para uma vida digna.

A mobilidade Urbana deve ser garantida para todos e todas: homens, mulheres, crianças, idosos, pessoas com deficiência ou mobilidade reduzida, gestantes, obesos, sem discriminação. A liberdade de ir e vir, direito garantido

pela Constituição Federal, é o princípio que norteia a mobilidade urbana e deve ser exercido com autonomia e liberdade pelos indivíduos. É preciso pensar a mobilidade urbana na perspectiva do direito à cidade, estruturado em três eixos:

• o direito de ir e vir e circular livremente nos diferentes espaços da cidade;

• o direito ao espaço público, ao seu uso e apropriação;

e

• o direito a acessar os serviços e equipamentos públicos.

POR QUE PENSAR A MOBILIDADE? 

Tradicionalmente, o trânsito, o transporte público coletivo e a distribuição de bens e mercadorias, são tratados de forma desarticulada, como se todos esses deslocamentos não fizessem parte de um mesmo conjunto.

As cidades foram transformadas em espaços para a circulação do automóvel. A frota aumentou, o sistema viário foi adaptado e ampliado e órgãos governamentais foram criados para garantir boas condições de fluidez. Com a carência do transporte coletivo e as facilidades dadas para a compra e posse de veículos, o uso do transporte individual foi intensificado, aumentado os congestionamentos,
os acidentes e a poluição ambiental.

Para contrapor essa visão segmentada, desenvolveu se o conceito de Mobilidade Urbana, que tem como objetivo explicitar como está sendo praticada a circulação no País, identificando os privilégios aos automóveis, principalmente na apropriação do sistema viário, as exclusões sociais, os direitos violados, entre outros. Através desse conceito, podem-se formular as bases de uma Mobilidade Urbana sustentável, em contraposição à existente, que denominamos de Mobilidade Urbana da exclusão social.

Em poucas palavras: a mobilidade urbana é o atributo das cidades que se refere à facilidade de deslocamentos de pessoas e bens no espaço urbano, tanto por meios motorizados quanto não motorizados. Resulta da interação entre os deslocamentos de pessoas e bens com a cidade.

Com a abertura das economias e o acirramento da concorrência mundial, nossas cidades ficaram em real desvantagem. A maioria delas não tem um plano de transporte ou este não leva em consideração o transporte “porta a porta”: falta racionalização e integração nos sistemas de transporte.

A situação é crítica: nossas calçadas perderam espaço físico para os carros e foram esquecidas como um meio de circulação de pessoas. É uma verdadeira aventura utilizá-las, pois além da falta de conservação, grande parte delas foi transformada em acessos para os automóveis,criando obstáculos aos pedestres e sendo responsáveis por mais de 20% dos acidentes de percurso.

Nas grandes cidades, as principais artérias viárias estão congestionadas e tem sido priorizadas para os carros, temos poucos corredores de ônibus, nenhum de Veículo Leve sobre Trilho – VLT e uma rede de metrô e ferrovia urbana muito abaixo da necessidade.

A alegação que investir em uma rede estruturadora de transporte coletivo é cara e que nosso país não tem condições de fazê-lo é falsa. Sua construção, além de requalificar as cidades, torná-las mais efi cientes e diminuir a exclusão social, propicia retorno aos três níveis de Governo, em montante maior do que o investido. Dispor de sistemas de Transporte Público compatíveis com as necessidades das cidades e com a renda da população garante a movimentação das pessoas de forma rápida e eficiente, permite às empresas nelas instaladas se tornarem mais competitivas e seus funcionários mais produtivos, formando um ciclo virtuoso de desenvolvimento com geração de empregos e renda, qualidade de vida e inclusão social.

Um plano de circulação deve levar em consideração todos os tipos de transporte e a necessidade da população, que é a de sair de sua casa e chegar ao seu destino final, utilizando os meios a sua disposição, sejam eles a calçada, a bicicleta, a moto, o carro ou o transporte público.

A mobilidade se torna sustentável quando se valoriza o deslocamento do pedestre, priorizando o transporte
público coletivo e o transporte não motorizado, como a bicicleta; quando se reduzem drasticamente os
níveis de poluição dos transportes motorizados; quando associam-se à política de uso do solo prioridades como
as moradias em áreas que concentrem oportunidades de trabalho e serviços públicos, aproveitando-se o acesso facilitado ao transporte público coletivo já existente e os imóveis sub-utilizados nas áreas dotadas de infraestrutura urbana.

A atual política de mobilidade excludente adotada pelos administradores públicos tem resultado em indicadores
sociais, econômicos e ambientais extremamente preocupantes, como exemplificados a seguir:

a. Recordes diários nas grandes cidades de congestionamentos de trânsito que aumentam os custos e
o tempo de viagem no transporte coletivo urbano;
b. Exclusão de 37 milhões de brasileiros do sistema de transporte público coletivo por falta de condições
econômicas para arcar com as despesas de transporte;
c. O trânsito tem gerado 380.000 vítimas de acidentes por ano, sendo 35.000 óbitos e mais de 100 mil
pessoas portadoras de deficiência;
d. Anualmente, acidentes e vítimas geram um custo de 12,3 bilhões de reais para o Governo, que são
pagos por toda a sociedade; 78,9% deste custo é de responsabilidade dos automóveis, que representam
apenas 27,3% dos deslocamentos.

A luta pela Mobilidade Urbana Sustentável com inclusão social vem tendo avanços localizados, especialmente
devido a alguns fatores: municipalização do Transporte Público e do Trânsito, as experiências de sucesso de algumas Prefeituras e Estados; criação da Secretária Nacional de Mobilidade e Transporte no Ministério das Cidades; articulações do setor através de suas entidades nacionais e de articulações como a do próprio MDT, e com o engajamento decisivo do Fórum Nacional da Reforma Urbana, da Frente Nacional de Prefeitos e do Fórum Nacional de Secretários de Transporte no tema. Esse esforço conjunto tem crescido, impulsionado pela crise anunciada da atual Mobilidade com o excessivo número de automóveis nas ruas, tornando inviável o deslocamento nas grandes e médias cidades brasileiras.

Países como França, Espanha, Holanda, Inglaterra, tem priorizado os investimentos e subvenções das tarifas,
com soluções que qualificam o transporte público coletivo e restringem a circulação de veículos particulares,
como forma de produzir cidades ambientalmente sustentáveis. Para se chegar a uma Mobilidade Sustentável, é necessária a atuação do poder público, com uma política de Estado (e não apenas de Governo) voltada às demandas e propostas advindas das mobilizações e dos espaços democráticos de participação da sociedade.
As principais propostas e reivindicações, com o objetivo de alcançar um modelo sustentável para a mobilidade
urbana:
• O direito de acesso ao transporte público coletivo
de qualidade para todos, com tarifas acessíveis e acessibilidade universal;
• Reverter o atual modelo de Mobilidade Urbana, restringindo e disciplinando a circulação do transporte
individual motorizado (carros e motos), com gestão integrada de trânsito e transporte;
• Priorizar o uso das vias para o transporte público coletivo e os modos não motorizados de transporte (a
pé ou bicicleta).
• Utilização de combustíveis limpos.

Texto da Cartilha do MDT

Políticas articuladas para cidades inteligentes




O morador da maior metrópole do país, São Paulo, gasta em média duas horas e quarenta minutos preso no vai-e-vem do trânsito da cidade. Neste tempo todo, ele não trabalha e consequentemente não produz, e ainda, perde horas do dia que poderiam ser gastas com descanso, lazer ou no convívio familiar. A raiz do problema do trânsito na capital paulistana é que a mobilidade urbana da cidade foi centrada no carro e não no transporte público.
Para o economista Ladislau Dowbor, professor de pós-graduação da PUC e doutor em Ciências Econômicas pela Escola de Estatística e Planejamento de Varsóvia, não existem nas cidades brasileiras políticas articuladas e inteligentes. Falta governança, que de maneira mais clara, podemos entender como a ausência de boas administrações.
Nesta entrevista, Dowbor defende a criação de políticas mais eficientes para o uso da água, planejamentos de longo prazo e uma maior participação dos cidadãos no sistema decisório. Para isso, o economista acredita que as pessoas precisam ter também um melhor conhecimento dos problemas da cidade.
Quais são os principais problemas enfrentados pelas cidades brasileiras?O principal problema é de governança. Não é falta de recursos, mas o processo decisório referente a estes recursos. São Paulo tem uma renda per capita de 30 mil reais e investimentos ridículos em metrôs e transporte público de massa em geral. Isso gerou grandes investimentos na área individual, cada um tenta resolver o seu problema comprando um automóvel; levou a cidade a ter mais viadutos, pistas nas marginais e mais automóveis. Hoje a cidade está com sobrecustos imensos. O paulistano perde em média no trânsito duas horas e quarenta minutos. São Paulo tem todos os engenheiros necessários para resolver o problema de mobilidade. Por que não se tomam essas medidas? O custo individual para milhões de pessoas obrigadas a usar o carro no mesmo horário, indo para os mesmos lugares, é catastrófico.
Em que outras áreas os municípios ainda precisam de atenção?Ainda existe uma situação extremamente precária na área de saneamento. Não se investe em saneamento. Inaugurar um viaduto é bonito, mas inaugurar esgoto não rende voto. O principal vetor de doenças é a água contaminada. O resultado é que se gasta muito mais com a saúde do que se deveria gastar para resolver o problema dos esgotos. Nós temos que gerar um sistema decisório coerente com as necessidades das populações. As tomadas de decisões acabam sendo feitas para agradar o interesse de corporações que investem financeiramente nas campanhas eleitorais. Esse é o ponto-chave. Precisamos democratizar o processo decisório.
E como é possível ter um sistema de governança participativo?Isso já está na nossa Constituição. O povo exerce através de seus representantes ou através de um conjunto de mecanismos definidos na própria Constituição. Tem sido pouco utilizado porque no Brasil existe um fraco conhecimento por parte da população de seus problemas. Nós temos iniciativas como Minha escola, meu lugar, em Santa Catarina, onde se insere no currículo escolar o estudo da própria cidade onde a pessoa vive. Dessa maneira cria-se cidadania consciente sobre os problemas da comunidade. Não existem sistemas adequados de informação. Nós temos iniciativas muito interessantes e relativamente recentes, como o IRBEM, indicador de bem-estar em São Paulo, dinamizado pelo Instituto Ethos e pelo movimento Nossa São Paulo e a rede deCidades Sustentáveis. Gradualmente nós temos que gerar uma sociedade muito mais informada dos problemas porque a população não informada, não participa.
Como esses estudos e trabalhos produzidos pela sociedade civil e o terceiro setor são utilizados pelos governos e os tomadores de decisão?Essa é uma grande dificuldade. Dos 5.565 municípios brasileiros, pouquíssimos têm sistemas adequados de informação organizada para um gerenciamento racional de informações. Isso é uma grande fragilidade. O que está dinamizando os processos, e nos deixa mais otimistas, é que com as novas tecnologias de informação e comunicação fica muito mais fácil gerar um sistema tanto dos problemas das cidades como do uso de recursos. O potencial da geração da transparência é extremamente poderoso. Um bom exemplo é o caso do Piraí Digital, no Rio de Janeiro, onde toda a cidade tem acesso à banda larga e à internet. A penetração das tecnologias permite a circulação da informação. Outro caso é o da Favela de Antares, também no Rio, que generalizou o acesso à banda larga e com isso surgiu uma nova economia local.
O acesso à tecnologia permite a descentralização e o barateamento da administração municipal?Sem dúvida nenhuma. Em São Paulo temos os Poupatempos (centrais de atendimento de vários serviços municipais), mas cada bairro deveria poder resolver seus problemas administrativos localmente sem precisar ir para as regiões centrais da cidade. A tecnologia permite a descentralização, mas como tudo está ligado em rede, não há desarticulação ou dispersão de dados ou do processo. Nas empresas essa realidade já é arroz com feijão. Há muitas companhias nos Estados Unidos que têm os serviços de secretariado na Índia – se fala inglês e está online, não muda grande coisa, né? Então, na realidade, você pode descentralizar radicalmente um número de serviços, o que significa que as pessoas não precisam sair do seu bairro para resolver os problemas. Em vez da pessoa ligar o carro ou pegar o ônibus para resolver o problema, quem viaja são os bits, o que é muito mais barato.
As cidades brasileiras não foram planejadas levando em conta o meio ambiente. Há tempo de reverter esse quadro?Não apenas existe tempo, mas é absolutamente necessário. Nós aplicamos aqui nos anos 80 e 90 coisas que foram feitas nos anos 50 e 60 na Europa. Veja os bons exemplos dos rios Sena, na França, ou o Tâmisa, na Inglaterra. Não é porque são países relativamente mais ricos que aqui a gente não pode fazer. São Paulo é uma cidade extremamente rica e seria plenamente viável, mas transformou seus rios em esgotos. A mobilidade urbana centrada no carro cobriu os córregos e os vales e impermeabilizou a cidade. Já existe um plano de interligar os rios Tietê, Pinheiros e as represas de Guarapiranga e Billings e ter um hidrovia percorrendo a cidade. Óbvio que não vão podemos continuar jogando esgoto no rio, como se faz hoje.
Como podemos melhorar a questão da água?As cidades brasileiras perdem hoje 40% da água que produzem. Guarulhos, em São Paulo, perde 48%. É um desperdício de recursos. Tóquio, no Japão, perde somente 3%. As cidades precisam ter um plano integrado da água. Temos o exemplo de Londrina, por exemplo, que conseguiu limpar os rios e riachos e simultaneamente foi arborizando as beiras e hoje essa área serve de lazer para a população, além de propiciar a melhoria climática e da qualidade do ar. Acho que isso é perfeitamente viável.
Também é preciso haver uma mudança cultural no comportamento do cidadão brasileiro?Sim, dos cidadãos, das empresas e sobretudo assegurar que os governos municipais respondam aos objetivos de qualidade de vida. O exemplo da água é evidente. Sabemos que o investimento com o saneamento básico traz uma economia de 4 reais na área da saúde. Então não se está gastando, mas liberando recursos para outros setores. Podemos ter cidades mais arborizadas e silenciosas. Eu estive agora na China discutindo justamente a questão das cidades e lá grande parte das motos são elétricas, ou seja, menos poluentes e silenciosas. Mas nem sempre a solução está somente na mão do cidadão. O governo precisa oferecer políticas públicas e as empresas precisam responder a essas demandas. Na realidade, a área empresarial, a comunidade e os movimentos sociais e o governo têm que gerar políticas articuladas e inteligentes.
Há falta de um planejamento de longo prazo?Este é um problema essencial. Nós temos que ter planejamento, uma visão de longo prazo e sistêmica. Com o planejamento, as propostas são discutidas pela sociedade antes que se façam as coisas. É mais democrático porque todos os atores sociais participam da decisão. Além disso, é necessário uma coerência sistêmica no que se faz. Precisamos trabalhar com horizontes móveis, planos diretores de 10, 20 e 30 anos.
G1