segunda-feira, 29 de outubro de 2012

Obra viária não basta; prefeito deve ter estratégia

Terra
Não é fácil esquecer uma experiência de passar mais de duas horas parado no trânsito, seja dentro de um carro ou, pior, amassado em um ônibus ou em um vagão de trem. Como isso não é tão raro para grande parte dos paulistanos, não surpreende que o transporte público tenha sido o terceiro lugar na lista de queixas dos eleitores. Em pesquisa Datafolha de junho deste ano, 15% dos entrevistados consideraram o tema como o principal problema da cidade.

Pensando nisso, o Terra foi atrás de especialistas para para discutir medidas práticas que o próximo prefeito pode tomar para melhorar o transporte.

Para quem está dentro de um automóvel, a situação não tem como melhorar a curto prazo, diz Renato Boareto, coordenador de mobilidade urbana do Instituto de Energia e Meio Ambiente. Com o aumento da renda média e do crédito da população, além de incentivos fiscais, como redução de IPI, a frota de automóveis só tende a aumentar - e mais rápido do que qualquer prefeito consegue construir ruas e avenidas.

"É importante fazer (obras viárias), mas não se resolve o problema de mobilidade urbana só com elas. É como combater a obesidade aumentando o cinto da calça. Você só melhora o trânsito quando você deixa de usar o carro. Como fazer a pessoa não usar o carro? Estimular o uso do transporte público e desestimular o uso do transporte privado", diz ele. "Em São Paulo, os empreendimentos têm um mínimo de vagas de estacionamento; em outros países, tem um número máximo", exemplifica.

"A cidade tem que ter um Plano Diretor para saber para onde ela pode crescer, onde ela pode adensar, onde pode ou não fazer construção", defende Ailton Brasiliense, presidente da Associação Nacional de Transportes Públicos (ANTP). O prefeito, complementa Boareto, deve ter sensibilidade para lançar mão do investimento mais adequado para cada região. "É um equívoco pensar em apenas uma modalidade numa cidade complexa como São Paulo."

Ônibus e metrôs

Atualmente, São Paulo tem 74,3 km de linhas de metrô e 260,7 km de trem, incluindo trechos da região metropolitana, além de 101,7 km de faixas exclusivas de ônibus, e mais 120 km de corredores - infraestrutura insuficiente para quase 12 milhões de moradores. Com orçamento limitado, explica Ailton Brasiliense, não adianta priorizar apenas um ou outro; o prefeito tem que ter um planejamento, que leve em conta a demanda de transporte.

"Temos vários locais que precisam de maior fluxo. Se a demanda é 15 mil, 25 mil, dá pra fazer ônibus. Agora, se a demanda é 40 mil, 50 mil, a forma mais barata de transportar é o metrô", afirma ele. Por uma faixa de ônibus à direita da via, explica o presidente da ANTP, podem passar 8 mil pessoas por hora - mesma capacidade de três faixas de automóveis. Já um corredor exclusivo, como um BRT, leva até 16 mil passageiros em uma hora. O metrô, apesar de ser várias vezes mais caro do que os outros, suporta demandas até 60 mil passageiros/hora e é, segundo Brasiliense, o meio mais barato de se transportar tal quantidade de pessoas.

Ciclistas e pedestres

Louvada por ser mais barata, não poluir, ter menor impacto no trânsito e estimular o exercício físico, a bicicleta deve ser pensada com cautela enquanto política pública, defende o presidente da ANTP. "Tem que dividir o espaço entre calçadas, transporte público, transporte de cargas, carros, motos e bicicletas. Em vias de alta densidade, esquece de botar bicicletas, tenho que ter espaço para transportar as pessoas de ônibus", diz ele.
Especialista do Instituto de Energia e Meio Ambiente, Renato Boareto também não recomenda o uso das bikes em grandes avenidas ou viagens muito longas, principalmente se fora de ciclovias ou rotas sinalizadas. "Tendo o cuidado com a segurança e com a implantação de ciclofaixas, por exemplo, a abordagem da bicicleta em São Paulo tem que ser a partir da microacessibilidade nos bairros: estimular viagens de 2 a 4 km de distância e bicicletários no metrô e terminais de ônibus. Assim haverá uma riqueza no modo de transportes."

A preocupação com a segurança de ciclistas, pedestres e dos próprios motoristas é uma das razões que leva os especialistas a defenderem a redução no aumento da velocidade máxima de algumas vias. Segundo Brasiliense, como a velocidade média dos carros está muito abaixo do limite de algumas vias, como as marginais ou a avenida 23 de maio, a redução teria pouca diferença no tempo de deslocamento - e ganha-se ao ter menos acidentes e com menor gravidade.

"Que cidade você está construindo? Uma em que a pessoa tem medo de ser atropelada na calçada? Uma cidade em que as pessoas gritam 'Cuidado com o carro!' está errada", diz Boareto.

Política e planejamento

O próximo prefeito terá um desafio adicional. Em janeiro de 2012, o governo federal sancionou a Política Nacional de Mobilidade Urbana (Lei 12.587), que cobra os municípios de organizarem os transportes, serviços e infraestruturas para garantir a qualidade do deslocamento de pessoas e cargas. As cidades que não tiverem criado um plano até janeiro de 2015 ficarão impedidas de receber recursos orçamentários federais destinados à mobilidade urbana.

"O prefeito terá que buscar coerência na expansão da infraestrutura. O desafio vai além da discussão técnica; é um desafio político. Não é disputa de quem vai fazer mais quilômetros disso ou daquilo, mas é a coerência do conjunto de projetos com os resultados que se pode ter", afirma Boareto. Segundo ele, as políticas devem, no geral, incentivar o uso do transporte público e não-motorizado.

"A cidade é muito dura com as pessoas que moram aqui. Você é obrigado a acordar muito cedo, nunca sabe quanto tempo leva para chegar ao destino, está sempre tenso", afirma Brasiliense. "Tem muita gente pensando em sair de São Paulo, porque acha que ela não pode melhorar. Mas ela pode."