quinta-feira, 13 de dezembro de 2012

Coordenador do MDT critica persistência do choque entre política em favor dos automóveis e a Lei de Mobilidade Urbana


“Enquanto há uma política de estado que busca universalizar a propriedade e também o uso do automóvel como modo principal de deslocamento urbano, a Lei de Mobilidade Urbana coloca como prioridade o transporte não motorizado, o transporte público e somente em último lugar o transporte feito por automóvel”, disse em São Paulo, durante a realização da edição regional Sudeste do Seminário Nacional de Mobilidade Urbana. Ele enfatziou que, a partir de agora, os governantes precisam implementar políticas públicas coerentes com a nova legislação referente à mobilidade nas cidades. 

Ao participar no dia 29 de novembro de 2012, em São Paulo, da edição regional Sudeste do Seminário Nacional de Mobilidade Urbana – um dos cinco seminários definidos pelo Conselho Nacional das Cidades para divulgar a Lei de Mobilidade Urbana (Lei nº 12.587/12) –, o coordenador nacional do MDT, Nazareno Affonso, apontou e criticou o choque que se estabelece entre uma política de estado em favor dos automóveis e a Lei de Mobilidade Urbana.

“Enquanto há uma política de estado que busca universalizar a propriedade e também o uso do automóvel como modo principal de deslocamento urbano, a Lei de Mobilidade Urbana coloca como prioridade o transporte não motorizado, o transporte público e somente em último lugar o transporte feito por automóvel”, disse, mostrando que, a partir de agora, os governantes precisam implementar políticas públicas coerentes com a nova legislação referente à mobilidade nas cidades.

Nazareno assinalou que a Lei de Mobilidade Urbana permite que se recupere um patrimônio público “que foi usurpado”, com a apropriação “absolutamente antidemocrática das vias” pelos automóveis.

O grande número de automóveis em grandes e médias cidades brasileiras acaba fazendo com que os ônibus tenham que enfrentar congestionamentos que ampliam o tempo de viagem e aumentam o custo do transporte, o que se reflete no valor da tarifa. “A Lei de Mobilidade Urbana está dizendo que essa situação mudou, e que, a partir de agora, será preciso haver democracia na utilização da via, com melhores calçadas, espaço para circulação de bicicletas e garantia de fluidez ao transporte público no trânsito. Tudo isso está em nas  mãos do Poder Público e da sociedade civil, com a nova lei”.

Especificamente sobre a fluidez do transporte público, ele chamou a atenção para experiência recente do Rio de Janeiro com o Bus Rapid Service (Serviço Rápido de Transporte), que reserva duas faixas das vias, monitoradas eletronicamente, para que os ônibus transitem com rapidez.  “Temos também que adotar em nossas cidades políticas de estacionamento muito claras, que impeçam os automóveis particulares de obstruir a vias. Uma política assim deve desestimular, via custo, o uso corriqueiro do automóvel para os grandes deslocamentos, e, ao mesmo tempo, favorecer a utilização desses veículos particulares como alimentadores dos sistemas troncais de transporte urbano, com locais seguros para estacionar junto às estações dos corredores de ônibus e sistemas de trens urbanos e de metrôs. Uma política de estacionamento será o primeiro pedágio urbano de fato em nossas cidades”.

"Contagiar a sociedade". Nazareno Affonso parabenizou o esforço das entidades de São Paulo pelo êxito na organização do encontro na mobilização de representantes de diferentes segmentos da sociedade para participarem do evento. Ele ressaltou a importância da série de seminários sobre a Lei de Mobilidade Urbana: “Queremos contagiar a sociedade brasileira com o tema da mobilidade sustentável”, disse, sublinhando a longa trajetória até que a lei entrou em vigor em abril de 2012: “Essa lei tem dentro dela a luta que fizemos no movimento popular por muitos anos. Ela compreende uma série de pontos que faziam parte da articulação nacional das lutas de transporte, nos idos de 1987 88 e abrange aspectos que temos defendido dentro do setor”.

Segundo o dirigente do MDT, para que a lei caminhasse, houve um esforço de todas as entidades que integram o Comitê de Mobilidade e Transporte, do Conselho Nacional das Cidades. “A elaboração da primeira minuta aconteceu dentro do governo. Esse texto foi posteriormente encaminhado para a Câmara Federal. Nessa Casa, nos deparamos com uma imensa dificuldade para fazer com que essa matéria entrasse entrar na pauta e pudesse começar a tramitar normalmente”.

Nazareno destacou que foi preciso vencer também a resistência de um setor específico no interior do governo: “Com o projeto inserido na pauta, tivemos um adversário permanente: o Ministério da Fazenda, o mesmo que garante subsídios a compra dos automóveis através de renuncias fiscais, comprometendo o orçamento dos municípios. Durante todo o processo de tramitação do projeto lei esse ministério foi um insistente adversário”, disse, prosseguindo: “Para que se possa ter uma ideia do grau de dificuldade que enfrentamos, basta ver que estávamos na última Comissão no Senado, com tudo acertado do ponto de vista político e de entendimento quanto à importância da futura lei, incluindo o posicionamento favorável do relator, quando o Ministério da Fazenda emitiu um relatório de 30 páginas, buscando alterar mais de dez artigos. Se uma modificação com essas proporções acontecesse, necessariamente, o texto deveria regressar à Câmara Federal. Na prática, voltaríamos à estaca zero. Teríamos que reiniciar todo um longo processo de negociação política e o atraso seria imenso”.

Para evitar que as mudanças sugeridas pelo Ministério da Fazenda pudessem ser acatadas, foi necessário empreender nova mobilização: “Tivemos que mobilizar a sociedade civil, a Frente Nacional de Prefeitos, todas as entidades do setor, para que o texto não fosse desfigurado – ou mutilado, termo que usamos na ocasião. No final das contas, conseguimos aprovar a lei que se opõe a um tipo de política que vem vigorando há muitos anos no Brasil e que ainda favorece francamente os veículos individuais”.

Segundo Nazareno, pode-se afirmar que o Ministério da Fazenda é o motor de todas as facilidades – incluindo investimentos e desonerações – que ajudam a atulhar as cidades com um número crescente de automóveis. “Logicamente, o Ministério da Fazenda age consoante uma lógica de política econômica, mas sem levar em consideração as consequências humanas e as externalidades negativas em nossas cidades: sobretudo, congestionamentos, redução da velocidade comercial do transporte público, poluição e ocorrências de trânsito com milhares de mortos e feridos”.

No final de seu pronunciamento, o coordenador nacional do MDTvoltou a realçar a importância da mobilização social para que a Lei de Mobilidade Urbana se efetive: “Está na mão da sociedade fazer vingar essa lei. Eu fico muito feliz quando eu vejo essa plateia e essa disposição de luta, e nós vamos ter que contar muito com a sociedade civil, com os setores organizados. No Fórum Nacional da Reforma Urbana trabalhamos muito, junto com outros setores, pela aprovação da Lei de Mobilidade Urbana, uma lei feita por toda sociedade brasileira e que precisa ser colocada em prática”.

 Boletim Informativo Movimentando - MDT