sexta-feira, 11 de novembro de 2011

Vejam a atualidade dessa campanha do MDT de 2005

O MDT – Movimento Nacional pelo Direito ao Transporte Público de Qualidade para Todos - lançou, em junho/2005, uma campanha de conscientização da população chamada Ação Nacional Tarifa Cidadã, onde detalha os itens das planilhas que definem o custo da tarifas e os impactos sociais e econômicos causados pela crise no transporte público. Mostramos a viabilidade de medidas relacionadas a justiça tributária, custeio para as gratuidades e preço justo dos combustíveis (itens que correspondem a quase a metade do valor que o usuário desembolsa).

Nazareno Stanislau Affonso, coordenador Nacional do MDT, explicou nesta entrevista como surgiu esta idéia, sua viabilidade e o que a campanha pretendeu. 
Arquiteto Urbanista e mestre em Estruturas Ambientais Urbanas, ele já foi Secretário de Transportes de Brasília/DF (95-97), Porto Alegre/RS(93-94) e Santo André/SP (89-92). Tem uma história de mais de dez anos de atuação junto aos movimentos reivindicativos por melhores condições de transportes no país e participada coordenação do Fórum Nacional da Reforma Urbana, é superintendente da Associação Nacional de Transportes Públicos (ANTP) e tem vários trabalhos publicados na área de mobilidade urbana.



Cristina Baddini Lucas - Assessora do MDT

1-De quem é esta campanha?

É uma iniciativa do Movimento Nacional pelo Direito ao Transporte Público de Qualidade para Todos (MDT). Seu objetivo é inserir na agenda social e econômica do país o transporte público como um direito para todos, com tratamento idêntico a outros serviços essenciais como educação e saúde. A Frente Parlamentar do Transporte Público, com cerca de 150 parlamentares de todos os partidos, é o aliado político principal do MDT na Câmara Federal e o Senado. A Secretaria Executiva do Movimento é exercida pela Associação Nacional de Transportes Públicos (ANTP), que conta com o apoio de um secretariado constituído pelas suas entidades fundadoras.

2-O que se pretende a curto, médio e longo prazo?

Baratear as tarifas e melhorar a qualidade do serviço de transporte prestado à população. 
A curto prazo, a idéia é sensibilizar e conscientizar a po pulação e a sociedade em geral sobre os problemas do transporte público urbano e a necessidade de medidas efetivas para ampliar as oportunidades de acesso para toda população. O usuário do transporte precisa saber o que ele está pagando na tarifa e demonstrar que é possível pagar menos. Este é o objetivo da primeira etapa da campanha, que começa dia 19 de junho com a veiculação de mensagens em emissoras de rádios, TVs e jornais . 
A expectativa do MDT é que essa campanha amplie a ação já em desenvolvimento coordenada pela Frente Nacional de Prefeitos, que há mais de um ano vem debatendo e construindo propostas para a efetivação de um pacto federativo com o Governo Federal e com os Governos Estaduais.O objetivo é promover o barateamento das tarifas, através da redução dos custos do setor. Além dessas propostas que viabilizam a a redução dos custos dos insumos(combustível,tributos e gratuidades pagas pelos usuários) são necessárias medidas de racionalização e integração que exigem planejamento de cada município, bem como o cambate ao transporte clandestino. Essas medidas terão resultados a médio prazo. É necessário também que sejam criadas estruturas que permitam a ampliação e a manutenção destas conquistas, com a uniformização dos cálculos tarifários e uma política de priorização do transporte público no trânsito, além da capacitação permanente dos orgãos gestores e das empresas operadoras para a redução dos custos operacionais. 
E a longo prazo,reestruturar o setor com a mudança da política de mobilidade do país priorizando, de forma permanente, o transporte urbano nos investimentos públicos e, assim, prestar a população um serviço de melhor qualidade.. 

3-Que tipo de pressão será feita para conseguir os objetivos propostos?

Entendemos que essas metas só serão alcançadas se houver sensibilização e pressão dos setores repr esentativos da sociedade para a grave crise que vive o transporte do país . Isso porque as metas dependem de recursos públicos e vontade política para incluir nas agendas política , econômica e social o transporte público de qualidade para todos, como uma prioridade nacional.
Por isso, o MDT tem estado, desde o início, ao lado da Frente Nacional de Prefeitos, e da Frente Parlamentar de Transporte Público, trabalhando na elaboração de propostas concretas e viáveis. Com a campanha, pretendemos disseminar a idéia da tarifa justa e cidadã para que a sociedade civil, através dos movimentos populares e trabalhadores, possam melhor se organizarem e reivindicarem seus direitos. 
O eventual impacto que a campanha poderá causar na sociedade passa pelo pressuposto que toda ação de conscientização contribui para que as manifestações populares sejam dirigidas de forma pacífica e articulada com as instituições da República. Por isso o MDT vê essa campan ha como um instrumento que contribuirá para um melhor diálogo entre governo e representantes da sociedade, qualificando melhor os debates que possam surgir. 

4- De onde sairá o dinheiro para pagar a publicidade?

O dinheiro sairá do próprio MDT, que tem o apoio financeiro e voluntário das entidades filiadas (são vários tipos de contribuição, de acordo com a possibilidade de cada uma). O orçamento para a fase inicial da campanha nacional é de R$ 400 mil e esta verba vem sendo arrecadada pela entidade desde o início do ano. No desdobramento, haverá uma série de ações regionais que ainda não tiveram o orçamento consolidado, mas que serão custeadas regionalmente pelas entidades que participam do movimento. 

5- Qual o interesse das empresas de ônibus em participar desse movimento

Quanto maior o preço da tarifa, menor o número de usuários do serviço. Estudos mostram que a cada aum ento de 10% no valor da tarifa, cai automaticamente em cerca de 3% o número de usuários do serviço. Nos últimos dez anos, o país registrou uma diminuição média sistemática de 30% no volume de passageiros do transporte público urbano. O transporte público tem perdido muitos passageiros para os automóveis nos últimos anos em todo mundo e o Brasil não é uma exceção. Por um lado, a população tem reivindicado mais qualidade para se manter fiel ao serviço. Por outro lado, a renda do brasileiro tem perdido poder aquisitivo e tem crescido a participação do emprego informal na economia , esse último reduzindo a amplitude do vale-transporte, restrito aos trabalhadores com carteira assinada. Assim, os empresários têm trabalhado contra a perda de usuários em seu sistema e desenvolvido ações para trazê-los de volta. 

6- Como é possível conciliar num mesmo movimento entidades com perfis tão diferentes como movimentos populares, poder púb lico e empresários do transporte?

Estamos unidos em torno de interesses comuns, unidos por uma crise onde todos perdem: 
o empresário que vê seu negócio diminuir, o governo que não tem recursos adequados para gerir um serviço de qualidade à população, os usuários que vão sendo excluídos com os aumentos tarifários devido a sua baixa renda, a economia do país que torna as cidades menos sustentáveis e reduz as oportunidades de novos negócios com os congestionamentos dos automóveis, os trabalhadores de transporte que perdem seus empregos, a inflação que cresce a cada aumento tarifário, o meio ambiente que sofre os efeitos da poluição e a população como um todo que perde qualidade de vida e direito aos benefícios de viverem em cidades. A união que se constituiu ao redor do MDT é em prol dos direitos do cidadão para que os interesses corporativos (empresariais,governamentais e dos trabalhadores), aqueles regionalizados ou munici pais se curvem perante os interesse mais amplos da sociedade.O MDT é, portanto, o resultado de um longo esforço social e que só agora, com a crise grave das cidades, vem a público se expressar. 

7- A campanha começa agora e termina quando se alcançar o que?

Entendemos que mudar a política de privilégio aos automóveis é uma luta longa e, por isso mesmo, cultural, o que torna movimento contínuo. O MDT está focado em dois grandes eixos: um é o barateamento das tarifas e e o outro os recursos permanentes para reestruturar o setor e investir em grandes sistemas de massa como metrôs, trens urbanos e corredores exclusivos de transporte, para melhorar a qualidade dos serviços. Nesse momento estamos priorizando o barateamento das tarifas, mas sem nos descuidarmos da luta pela CIDE para os transportes públicos, que será nossa prpóxima meta.. A campanha irá se modificando e se aprofundando de acordo com a evolução do movimento . Logo não há previsão de término. 

8- Qual o próximo passo depois do lançamento?

A idéia é mobilizar centenas de entidades e milhares de militantes dos movimentos populares para reivindicarem o direito a habitação, ao transporte e ao saneamento básico, das autoridades federais. Lá, o tema do barateamento será uma das prioridades. A meta do MDT é clara: vai continuar junto com os os setores organizados da sociedade e governos, sugerindo, acompanhando e reforçando uma agenda positiva da sociedade em prol do direito pelo transporte público de qualidade. . 

9- Como o movimento é político, quais as articulações estão sendo feitas e com quem exatamente vão negociar?

Os relacionamentos estão sendo arti culados bem antes da campanha. Em nível municipal com os prefeitos, através da Frente Nacional dos Prefeitos (que congrega cerca de 300 das maiores cidades brasileiras). Nos Estados, mantemos um bom entendimento com os responsáveis pelas Regiões Metropolitanas no Fórum Nacional de Secretários de Transporte.. No nível federal, os contatos estão estreitados com o Conselho das Cidades e com a Secretaria de Mobilidade e Transporte do Ministério das Cidades, bem como com a Secretaria Nacional de Assuntos Federativos do Governo Federal.. No Legislativo, o MDT já participou de várias audiências públicas na Comissão de Desenvolvimento Urbano e terá ações negociadas através da Frente Parlamentar do Transporte Público, que congrega cerca de 150 deputados com todas as representações partidárias. 

10- É uma campanha de oposição e crítica ao governo Lula?

Não. A crise de mobilidade no Brasil começou na década de 50, quan do a sociedade optou pelo automóvel e pelo rodoviarismo como a principal forma de mobilidade do país. Esse modelo está falido e vem se agravando a cada ano. Esse governo tomou uma grande decisão ao criar o Ministério das Cidades e nele Conselho das Cidades e a Secretaria Nacional de Mobilidade e Transporte. Estreitou os laços com a Frente Nacional de Prefeitos e assim ampliou a importância das questões urbanas e de transporte público para o país. A campanha é uma colaboração a essa disposição do Governo de priorizar as questões sociais onde o transporte público, muito mais que problema, é uma solução para a sustentabilidade das cidades e para a inclusão de milhares de brasileiros nos direitos aa cidade. Consideramos que é o momento adequado a se juntar nas metas expressas na política de mobilidade e de trânsito do país já aprovada pelo Governo, onde o tema do Barateamento das tarifas é uma de suas principais prioridades.

11- Porque só agora essas entidades decidiram iniciar este movimento?
O MDT foi lançado em setembro de 2003, mas as entidades filiadas discutem esses problemas desde a década de 90. Foi um processo gradual de amadurecimento, passando pela estruturação de entidades nacionais do setor, amadurecimento técnico das propostas até concluírem que precisavam se unir ao redor de um Movimento social que fosse além do setor para fazer frente a política dominante de mobilidade centrada no uso dos automóveis. O movimento eclode nesse momento porque a situação chegou a um nível insuportável para todos os envolvidos. 

12-Que itens podem ser alterados para a redução do preço final da tarifa?

Basicamente estamos propondo a redução dos tributos, custeio das gratuidades por toda a sociedade e preço justo do diesel. 

13- O objetivo é diminuir impostos das empresas?

Nossa campanha repudia qua lquer movimento contra impostos. O que queremos é justiça tributária para reduzir em 18% os tributos que incidem sobre o preço das passagens. O transporte público é tão essencial quanto a cesta básica e é um direito de todos, como a saúde e a educação. Mas hoje os tributos cobrados sobre os transportes pelos municípios, estados e governo federal ainda não levam em conta essa realidade. Queremos que a tarifa tenha um tratamento tributário justo, como o dispensado à cesta básica, aos táxis, aos automóveis de pessoas com deficiência e à agroindústria. Nossa proposta prevê que tudo que for abatido dos impostos vai ser automaticamente reduzido da tarifa, não fica com o empresário, apenas deixa de ser paga indevidamente pelo usuário.

14- O percentual de redução de impostos corresponderá ao percentual de redução do preço da tarifa? 
Esse é o compromisso do MDT. A planilha é montada em uma equação matemática e qua lquer redução na composição do custo, é refletido imediatamente no preço final da tarifa. Por exemplo: O óleo diesel mais que dobrou de preço nos últimos 4 anos e hoje ele representa mais de 25% do total da tarifa. Uma redução de 50% no preço do diesel para o transporte público significa uma economia de 12% no preço da passagem. Na área de tributos, é possível reduzir 18% das tarifas apenas aplicando a mesma política que já existe para os serviços essenciais. As gratuidades representam, em média, 19% do total da tarifa e é paga por quem utiliza o transporte. 
15- O movimento é contra as gratuidades?
Somos favoráveis às gratuidades sociais (idosos, deficientes físicos, descontos para estudantes, etc) mas questionamos algumas que não têm embasamento social como, por exemplo, as dos carteiros, militares, oficiais de justiça, entre outras. Hoje existem mais de 30 tipos diferentes de gratuidades e quem paga por elas são os usuários do transporte público. O correto seria a sociedade como um todo arcar com isso, através de custeios previstos nos orçamentos públicos voltados a esses benefícios. Queremos que a população tome conhecimento de que hoje é ela que paga esta conta e que os políticos e governantes sejam mais responsáveis na concessão de gratuidades, indicando as respectivas fontes de custeio. 
16- De onde saiu este número de 37 milhões de excluídos?

Estudos do IBGE e do IPEA definiram em 37 milhões de pessoas a população abaixo da linha de pobreza no Brasil que reside em centros urbanos e não tem acesso aos serviços públicos de forma regular. 

17-Se o valor da tarifa diminuir, significa que toda essa gente terá condições de acesso ao transporte público?
Boa parte das pessoas que deixaram de utilizar o serviço de transporte público porque as tarifas ficaram pesadas demais para seus salários vai r etornar ao sistema de transporte se houver o barateamento. Para aqueles que ainda dependem de programas governamentais para sobreviver, propomos o Vale-Transporte Social, que possibilitaria o uso do transporte público na busca de emprego, emergências médicas, educação e lazer. Além do que, uma tarifa mais baixa possibilitaria ampliar os beneficiários desse vale-transporte social.

18-Se o valor das tarifas são determinadas pelos Prefeitos, não é uma incoerência eles apoiarem a campanha?

Os prefeitos, há mais de dez anos, discutem esse problema que vem se agravando. Embora o preço final seja definido por eles, grande parte dos itens que compõem a planilha tarifária fogem de seu controle. Muitos já adotaram medidas possíveis no âmbito municipal, como rever gratuidades, diminuir impostos municipais, racionalizar a operação, entre outras medidas. Mas eles ficam à mercê de outros componentes, como o aumento do preço dos combustíveis e do aço taxas e impostos estaduais e federais, que não permitem reduzir o custo final. Apoiar esta campanha é mostrar que eles não são os únicos responsáveis pelos aumentos tarifários. Se não houvesse inflação, muitos aumentos tarifários não teriam acontecido no país e se o diesel não tivesse acompanhado os preços mundiais, nossas tarifas estariam 12% mais baratas. 

19-Há municípios que estão conseguindo manter tarifas a um custo suportável para a população. Se os critérios para elaboração da planilha são os mesmos, porque algumas cidades conseguem manter custos baixos e outras não?

Além dos custos dos insumos, o cálculo das tarifas depende também de detalhes localizados, como a produtividade (número de passageiros por viagem), idade das frotas, número de linhas, extensão dos trajetos (quilômetros percorridos), sistema de gestão etc. Há também a falta de orgãos gestores para fiscaliz arem os serviços, alguns municípios não contam com órgãos bem estruturados e sistemas de transporte bem racionalizados com prioridade no sistema viário e planilhas bem elaboradas. São características que variam de cidade para cidade e é por isso que os valores são diferentes. 

20-O ex-Ministro das Cidades já havia se posicionado favoravelmente ao barateamento das tarifas, mas de quem depende a decisão final?

A decisão final caberá aos Ministros da Fazenda e do Planejamento (que priorizam e definem a alocação de recursos) e das Minas e Energia (que define os preço do Diesel e da Energia Elétrica). É uma decisão política do governo, que depende da avaliação de setores técnicos. Tem também as gratuidades que estão divididas nos três níveis de governo, apesar das mais significativas(idosos e estudantes) serem responsabilidade dos Governo Federal. Mas acreditamos que a mobilização da sociedade é fundamental par a que o tema integre a pauta de prioridades da nação.