quinta-feira, 14 de julho de 2016

Pedestres


A UITP (International Association of Public Transport), em 1961, já afirmava em documento que “a utilização de automóveis particulares nas zonas centrais é um luxo que nenhuma cidade pode permitir-se por muito tempo”. Já se antevia naquela época o estrago fenomenal que a propagação do carro como veículo de transporte privado viria a provocar na vida das cidades. Mas os carros se multiplicaram numa proporção assustadora, e provocaram o divórcio inevitável entre o cidadão e sua cidade.
Foi com o crescimento e alargamento das cidades, fenômenos que tiveram forte cumplicidade com os automóveis, que o ato de caminhar tornou-se “obsoleto”. E ao deixar de caminhar, o cidadão deixou de “enxergar” a cidade. O que antes se vislumbrava na velocidade do passo, tornou-se dependente da dimensão do para-brisa e da pressa do motorista. O cidadão de carne e osso passou a andar envelopado por uma carcaça metálica. Se ao caminhar o cidadão usa pouco espaço, ao utilizar-se do carro sua voracidade abocanha dez vezes mais área de vias públicas. As ruas foram privatizadas, os espaços destruídos, as cidades definidas em função do veículo em lugar das pessoas. A relação entre renda e poluição quedou determinada pela posse do automóvel: quanto mais rico o cidadão, maior seu consumo de energia e maior a emissão de poluentes.
Em São Paulo, na década de 1960, já se podia detectar com clareza fortes manifestações de que os automóveis tinham vindo para ficar. O Plano Urbanístico Básico (1968) procurava orientar a estrutura urbana para acolher o crescente volume de veículos. E o Plano Fontec, de organização do trânsito (1966), apostava que os congestionamentos podiam ser domados pela ciência da engenharia. O espaço público, então, tornou-se prioritário para os automóveis, enquanto a circulação dos transportes coletivos caiu para plano secundário.
O ato de caminhar, necessário para o cidadão se apropriar de sua cidade, tornou-se símbolo e status de pobreza. E o uso abusivo do automóvel não só destruiu a paisagem urbana, como afetou de maneira aguda a saúde pública por conta dos graves acidentes e da poluição que carrega consigo.
Hoje já se tem claro que a combinação de transporte ativo e transporte público não é só bom para o meio ambiente, a saúde pública e o espaço urbano, como é necessário e essencial para a saúde de cada um. Mais que isso: é a forma de trazer de volta ao cidadão o prazer de usar e consumir sua cidade.
Este é um processo em curso, que já contamina as novas gerações. Como o carro nos anos 50 e 60, é uma tendência que veio para perdurar.
ANTP