21/09/2015 08:10
Folha de SP
LEÃO SERVA
Esta terça (22), é o dia Mundial Sem Carro. Por isso a
semana comemora a mobilidade alternativa: em todo o planeta, pessoas estão
tentando mostrar como tem mais felicidade quem não usa carro automóvel
particular. Talvez a frase mais representativa desse movimento seja aquela em
que o arquiteto Jaime Lerner, um dos urbanistas mais respeitados do planeta,
disse em um evento da Folha que o carro é o cigarro do século 21.
O interessante é que as campanhas de informação pública
conseguiram reduzir o consumo de cigarros no Brasil, depois que o governo
federal se convenceu de que não havia mais dúvidas de que o tabaco causa vários
tipos de câncer e problemas cardíacos. De 1995 até hoje, os brasileiros
fumantes caíram de 35% da população para apenas 15%. É uma queda de 60% em 20
anos.
O problema é que o governo brasileiro segue incentivando o
câncer e o infarto causados pelo carro, "engraxando o sapato da indústria
automobilística", como diz o especialista em doenças causadas pelo
trânsito Paulo Saldiva (USP). Foram decisões federais de fomento a doenças
letais causadas pelo automóvel: incentivos fiscais para instalação de novas
fábricas; financiamento público para a compra de carros, que provocaram uma
epidemia de congestionamentos em todas as metrópoles do país nos últimos dez
anos; e uma política de congelamento de preços de combustíveis que destruiu a
maior empresa brasileira (Petrobras) e aumentou o consumo de combustíveis
fósseis.
Câncer, hipertensão e infarto é o principal resultado que a
política federal de incentivo ao automóvel dá para o Brasil. Com resultados
impressionantes que ficam para a saúde pública, em médio e longo prazo.
Você que anda pouco ou nada de automóvel devia contar ao seu
amigo carro-dependente como a vida é melhor sem usar essa droga insustentável.
E você que depende de carro, larga esse vício!
Quer razões para tomar a decisão?
Uma questão econômica: aproveite a crise para fazer um corte
radical de despesas. Em vez de gastar, faça seu dinheiro render os maiores
juros do planeta. Quando você compra um carro de, digamos, 30 mil reais, terá
que licenciar e emplacar, fazer um seguro, pagar o IPVA. Cada dia que usar o
automóvel, vai ter que gastar com estacionamento e gasolina. Em média, o
paulistano que usa carro roda por dia apenas 20 km. Somando tudo e dividindo
pelos quilômetros rodados, segundo o estudo do professor Samy Dana é mais
econômico andar de táxi, com a vantagem do conforto de poder ler, falar ao
celular e ainda ter um lucrinho. Se andar de transporte público, a conta então é
irrespondível.
O estudioso da FGV publica planilhas interativas para que
você possa colocar seus próprios números. Você verá que quanto maior o preço de
seu carro, mais quilômetros diários pode andar de táxi ou Uber, preservando o
patrimônio.
Uma razão de bem estar: quando você usa carro, fica
sedentário, seu gasto calórico é baixo. Quando você anda a pé, de bicicleta ou
mesmo de transporte público, seu corpo se movimenta, gasta energia, queima
gorduras. Você sente mais bem estar.
Uma razão médica: se você fumava até a virada do século e
parou, aproveite para largar outra droga também. Ah, você nunca fumou? Então é
uma pessoa preocupada com a saúde? Então, não pode depender da maior causa de
infarto depois da cocaína. Em termos mundiais, o carro é o principal causador
de doenças cardíacas, simplesmente porque tem mais gente pegando
congestionamento do que cheirando cocaína.
"Vai, Leão, não exagera". Só que não:
recentemente, o professor Saldiva passou a estudar os efeitos do
congestionamento independentes da poluição. Imagine que todos os carros fossem
elétricos, não poluentes, portanto. Os problemas cardíacos decorrentes do
congestionamento seriam iguais. O que mais dá infarto é ficar preso dentro de
uma jaula, impotente, quando seu corpo queria estar correndo e se movimentando
rumo ao trabalho ou ao descanso.
Entenda bem isso: a balela do carro híbrido ou elétrico só
serve para dar sobrevida à droga do século 20 no século 21; é um engodo
semelhante ao que a indústria do tabaco tentou nos anos 1970/80, quando passou
a vender "cigarros light". Menos nicotina e câncer igual, como se
provou depois. A poluição é um problema grave, sim, mas o congestionamento é
tão grave quanto, que 7 milhões de carros (a frota paulistana) elétricos não
vão resolver.
Uma razão estética: quer coisa mais feia do que uma pessoa
encalacrada dentro de um ridículo carro, em um congestionamento de milhares de
outros carros, apertando com violência a buzina, talvez usando como virou
regra, um vidro escuro? Agora: andando de transporte público você vê coisas
interessantes na cidade, conhece gente nova, pode ler enquanto se locomove.
Por fim, uma razão de urgência: há inúmeros roteiros na
cidade de São Paulo, no Rio e em todas as grandes cidades do país que é mais
rápido fazer de transporte público do que de carro individual. Ponha no Google
Maps o destino e veja quantas vezes o deslocamento é mais rápido a pé, de
bicicleta ou de Uber (o sistema não inclui cálculo para táxi). Some as
vantagens acima (economia, saúde, bem estar) e você, uma pessoa inteligente,
vai se convencer.
Largue essa droga, comece, Dia Mundial Sem Carro.