terça-feira, 8 de janeiro de 2013

Mitos do nosso trânsito

 Ponto de Vista - ANTP - Artigo de Eduardo Vasconcellos

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Eduardo Vasconcelos
Há dois mitos que circulam atualmente em relação ao trânsito de São Paulo. Eles desafiam os critérios mais básicos de plausibilidade, mas se propagam e se auto-alimentam rapidamente. O primeiro deles se refere à suposta frota de 7 milhões de veículos – alguns chegam a falar em 7 milhões de “automóveis”. Estes valores não correspondem à realidade, pois os arquivos do Detran não retiram os veículos muito velhos da lista, alimentando uma falsa impressão de "gigantismo" da frota. As entidades que fazem estudos complexos de energia e de meio ambiente como o IPT, a COPPE-UFRJ, a Petrobrás, a Cetesb, o Ministério do Meio Ambiente e até a Anfavea, não usam mais estes dados.

Para chegar a valores corretos, são usadas curvas internacionais de "sucateamento", que a partir dos dados de licenciamento de veículos produzem os valores da frota realmente em uso – e eles são 35% inferiores aos apontados pelo Detran. A pesquisa origem-destino do metrô mostra o mesmo resultado, assim como a pesquisa que a ANTP/IPEA sobre acidentes de trânsito em 2002. Caso fosse aceita a frota de 7 milhões (2011) hoje ela já “seria” de 8 milhões e, no ano da COPA, “seria” de 10 milhões, a maior frota do mundo, o que obviamente é impossível. Assim a pergunta é: a quem interessa continuar divulgando informações tão erradas? Parece existir um sentimento de satisfação (um “ufanismo masoquista”) de imaginar que temos a maior frota do mundo – os norte-americanos que se cuidem – mas parece existir também um fascínio irresistível por parte da mídia para divulgar cifras gigantescas, independente da sua veracidade.

Outro tema é o do custo do congestionamento em São Paulo. É um tema muito estudado no mundo, mas pouco no Brasil. Recentemente, vêm circulando novamente estudos que apontam custos de 40 a 50 bilhões de reais. O estudo mais divulgado – e que recentemente foi reanimado pela mídia –, foi produzido na FGV e seus autores acreditam que o valor, a ser atualizado proximamente, será superior a R$ 50 bilhões, valor muito maior do que o orçamento da cidade.

Analisando o texto que circulou, verifica-se que, além de erros básicos de conceitos e de cálculos que aumentam os valores principais em várias vezes, trata-se de um exercício econômico-financeiro baseado em uma metodologia heterodoxa, que não encontra similar em nenhum lugar do mundo e que ignora décadas de estudos de economia de transportes, gerando valores implausíveis. Devido ao intenso crescimento do automóvel os países industrializados produziram grande quantidade de estudos que, apesar de algumas diferenças metodológicas, utilizam princípios consagrados e chegam a um denominador comum: os custos giram em torno de 1% a 3% do PIB das cidades estudadas, o que já é um valor enorme. Isto decorre do fato simples de que a maior parte dos custos está relacionada ao consumo excessivo de tempo, que por sua vez é valorado de forma proporcional aos salários das pessoas, que estão diretamente ligados ao PIB da sociedade onde vivem.

Ocorre que, além de todos os problemas metodológicos, os estudos brasileiros que apontam cifras gigantescas estão dizendo que o prejuízo é da ordem de 15% do PIB da cidade. Não há registro em nenhum lugar do mundo de cifras tão elevadas, inclusive porque nenhuma sociedade conseguiria sobreviver se jogasse fora uma proporção tão grande de sua produção. E a economia da cidade de São Paulo continua crescendo. Há algo seriamente errado nestes estudos. Sua sobrevivência no tempo é surpreendente e mostra como é fraca nossa capacidade de análise e de discussão de temas tão importantes.

Não será assim que conseguiremos convencer a sociedade de que o atual modelo de mobilidade precisa mudar.
Eduardo Vasconcellos é engenheiro, sociólogo, consultor técnico e presidente da Comissão de Meio Ambiente da ANTP.