terça-feira, 2 de fevereiro de 2016

A proposta da tarifa zero no governo Luiza Erundina


Tarifa, Mobilidade e Exclusão Social
WALTER TAKEMOTO

Em 1990, a prefeita Luiza Erundina (à época no Partido dos Trabalhadores) encaminhou à Câmara Municipal de São Paulo um projeto, de autoria do secretário municipal de Transportes Lúcio Gregori, que ficou conhecido como “tarifa zero”, e que até hoje é referência para os movimentos que lutam por um transporte público de qualidade como um direito social de todos. Para o engenheiro Lúcio Gregori6 , a tarifa zero não significa a inexistência de pagamento pelo transporte público.

Da mesma forma que os usuários dos serviços públicos de saúde não pagam diretamente para serem atendidos em hospitais ou outros equipamentos de saúde, os familiares não pagam matrículas ou mensalidades para seus filhos estudarem nas escolas públicas, os passageiros também não deveriam pagar passagem toda vez que utilizam o transporte público.

Isso significa que, da mesma forma que no caso da saúde e da educação, o custo com o transporte público não deve recair apenas sobre os usuários, como ocorre atualmente, mas sim ser dividido por toda a sociedade por meio do pagamento de impostos e taxas.

A proposta apresentava, como forma de financiamento da gratuidade nos ônibus da cidade, a implementação de uma reforma tributária em São Paulo, principalmente com o pagamento progressivo do Imposto Predial e Territorial Urbano (IPTU)7 .

A cobrança recairia principalmente sobre os imóveis não residenciais, isto é, aqueles destinados a atividade comercial ou industrial e os terrenos sem nenhuma destinação comercial ou social, destinados à especulação imobiliária. Sendo assim, os imóveis residenciais representariam a menor parte da arrecadação prevista.

O projeto previa ainda a constituição de um Fundo de Transportes, que seria alimentado pelos recursos arrecadados e outros não tarifários, por meio do qual se realizaria o pagamento dos serviços prestados pelas empresas contratadas por quilômetro rodado. Dessa forma, não havendo a cobrança da tarifa, deixaria de existir a necessidade do cobrador, da catraca, da produção e dos postos de venda de bilhetes, dos prejuízos causados pelos assaltos e dos sistemas de segurança; enfim, uma série de custos vinculados ao sistema de cobrança e controle deixaria de existir.

Segundo Paulo Sandroni , então presidente da Companhia Municipal de Transporte Coletivo (CMTC), esses custos representavam cerca de 22% do custo total da tarifa cobrada à época. Para Paul Singer, à época Secretário de Planejamento da prefeitura, a despesa com a arrecadação de tarifas correspondia a nada menos que 24% do custo total, que seriam economizados com a tarifa zero9 .

Além disso, a tarifa zero permitiria racionalizar os percursos, seccionando os muito longos, de modo a utilizar veículos menores em linhas alimentadoras de linhas troncais e nestas colocando ônibus de maior capacidade.

Sem a tarifa zero, o seccionamento exigiria que os passageiros pagassem duas passagens. Tornando o transporte gratuito para o usuário, o sistema poderia ser racionalizado com viagens sendo feitas em mais de um veículo, obviamente sem ônus adicional aos passageiros.

Esperava-se deste modo reduzir em 17% o percurso médio anual por ônibus, o que permitiria uma economia proporcional de salários de motoristas, gastos com combustível, pneus e desgaste dos veículos. A questão da racionalização das linhas, apontada por Singer, explicita como a organização das linhas de ônibus visa atender prioritariamente os interesses dos empresários em elevar cada vez mais seus lucros. As linhas longas, que circulam por várias avenidas e ruas, têm como objetivo aumentar o número de passageiros transportados por veículo.

A decorrência é um tempo maior de viagem e a sobreposição de várias linhas percorrendo os mesmos trajetos desnecessariamente. Para Sandroni, a implementação da tarifa zero traria ainda um grande benefício para a maioria da população usuária do transporte coletivo, composta pelos mais pobres da sociedade: não tendo mais que pagar o custo da tarifa, essa pessoas teriam recursos extras para melhorar sua alimentação, moradia e investir em outras atividades antes inacessíveis, movimentando a economia do bairro ou da cidade como um todo.

O Movimento Passe Livre de São Paulo e a tarifa zero

No site do MPL de São Paulo está disponível o link “tarifa zero”, que permite o acesso a um texto10 no qual a proposta do movimento é apresentada de forma clara: tarifa zero é o meio mais prático e efetivo de assegurar o direito de ir e vir de toda população nas cidades.

Essa ideia tem como fundamento o entendimento de que o transporte é um serviço público essencial, direito fundamental que assegura o acesso das pessoas aos demais direitos, como, por exemplo, a saúde e a educação.

Com o crescimento sem planejamento das cidades, o acesso à saú de, à educação, ao lazer, ao trabalho, entre tantos outros, ficou extremamente complicado, custando, além de muito dinheiro, várias horas do nosso dia. Nas grandes cidades os deslocamentos são uma necessidade diária, pois sem eles a vida social ficaria inviabilizada. Nos locais mais distantes dos grandes centros, o acesso aos direitos fundamentais só pode ser concretizado através do transporte coletivo.

E, para assegurar que o conjunto da população possa desfrutar desses direitos, o transporte precisa ser público e gratuito. Caso contrário, as pessoas que não têm dinheiro para pagar a tarifa não poderão chegar aos seus destinos e exercer os seus direitos.

A tarifa zero deverá ser feita através de um Fundo de Transportes, que utilizará recursos arrecadados em escala progressiva, ou seja: quem pode mais paga mais, quem pode menos paga menos, e quem não pode não paga.

Por exemplo: o IPTU de bancos, grandes empreendimentos, mansões, hotéis, resorts, shoppings etc. será aumentado proporcionalmente, para que os setores mais ricos das cidades contribuam de maneira adequada, distribuindo renda e garantindo a existência de um sistema de transportes verdadeiramente público, gratuito e de qualidade, acessível a toda a população, sem exclusão social.

Como podemos perceber, a proposta do MPL de São Paulo não apresenta diferença em relação ao projeto proposto pela administração petista de Luiza Erundina, de cobrança progressiva dos impostos a fim de constituir-se um Fundo de Transportes. A proposta também não difere da que é defendida pelo movimento Campanha pela Implantação da Tarifa Zero no Transporte Coletivo de São Paulo, o qual disponibiliza uma cartilha explicativa sobre a proposta no endereço eletrônico . I

IPEA – Transporte Integrado Social: Uma proposta para o pacto da mobilidade urbana

O Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) apresentou, em novembro de 2013, uma proposta voltada para garantir que 7,5 milhões de brasileiros que estão excluídos do transporte coletivo, ou o fazem com dificuldade, possam ter acesso permanente e sem custo por meio do Transporte Integrado Social (TIS).

A proposta foi formulada a partir do estudo de alguns projetos em tramitação no Congresso Nacional e propostas formuladas por movimentos e organizações sociais. Conforme a Nota Técnica n. 4 que apresenta a proposta, o TIS é uma proposta de política federativa, envolvendo União, estados e municípios, que diminui o valor das tarifas ao desonerar completamente esse serviço de caráter essencial, institui gratuidades sociais que se revertem em novas diminuições de tarifa ou em investimentos no sistema para que aumente a sua cobertura; define de forma pactuada mecanismos de regulação, controle, participação e transparência; cria ambiente de gestão – design – para novos investimentos e para o aprimoramento da política; e melhora a qualidade do sistema de transporte por meio da integração tarifária

Pela proposta formulada, serão beneficiados

os trabalhadores informais, os desocupados e os estudantes que estejam cadastrados no Cadastro Único para Programas Sociais do Governo Federal (CadÚnico), segundo critério de renda similar ao [do] Programa Bolsa Família (PBF), além dos demais estudantes que porventura não preencham esse critério, mas que estejam vinculados ao Programa Universidade para Todos (Prouni) e ao Programa de Financiamento Estudantil (Fies).

 A partir desses critérios, o público beneficiado potencial seria composto de 7.550.683 pessoas de 44 municípios, considerando as capitais e cidades com mais de 500 mil habitantes, o que representa um custo de R$ 8.054.780.760,00, com base na tarifa cheia praticada pelos municípios.

Os cálculos do IPEA consideram a possibilidade da redução desse custo em até 25% por conta das desonerações, redução de custos e o aumento dos usuários, o que pode reduzir o orçamento para R$ 6 bilhões.

A proposta apresenta como condição para a implantação da TIS a formalização de um convênio entre os entes federados que estabeeça a isenção da tarifa para parcela da população usuária, a partir da desoneração dos insumos empregados no transporte coletivo urbano. Para participar do TIS, o município deve se comprometer em licitar a concessão das linhas, garantir tarifa justa, qualidade dos serviços prestados, participação e controle social sobre o sistema.

Capítulo 7
Coleção O que Saber
Fundaçãoi Perseu Abramo