sexta-feira, 19 de dezembro de 2014

ANTP entrevista Eduardo Vasconcellos - Eduardo Vasconcellos (Ponto de vista)


A entrevista abaixo foi realizada em 2013, portanto em meio às manifestações de luta pela redução da tarifa do transporte público em todo o Brasil. Pela importância do tema, e por sua atualidade, o repetimos aqui.





As manifestações recentes que tomaram conta do país tinham  e ainda têm  como questão central a tarifa do transporte público. No caso de São Paulo nada a estranhar. Pesquisa Datafolha de 2012, que identificava os 11 principais problemas da cidade, reiterava que o transporte público, que há 23 anos era uma das principais queixas dos eleitores paulistanos, seguia no topo das preocupações.

As manifestações de rua partiram como reação ao aumento dado à tarifa, que sofreu aumento de R$ 3,00 para R$ 3,20, tanto nos ônibus, como no sistema Metro-ferroviário da cidade São Paulo. O slogan da redução do valor da tarifa acabou se superpondo a tema da Qualidade do Transporte. Aliás, acabou escondendo este tema. Os manifestantes exigiram que o prefeito e o Governador retroagissem o valor da tarifa ao valor anterior, o que acabou acontecendo não somente em São Paulo, como também no Rio de Janeiro, além de inúmeras capitais e outras grandes cidades do país, uma vez que o problema é comum a todos.

O colapso da mobilidade urbana é evidente, penaliza as pessoas e dificulta seu direito de ir e vir. O transporte público sempre foi negligenciado, mas o recente crescimento da frota de carros e motos só fez piorar esta situação.

Para jogar um pouco mais de luz sobre esta discussão, conversamos com Eduardo Vasconcellos, assessor da ANTP, que deu sua opinião sobre algumas questões relativas ao tema.

Site ANTP - É possível reduzir a tarifa e ao mesmo tempo melhorar a qualidade do transporte? De que forma, ou em que itens? Existem estudos a respeito?

Eduardo Vasconcellos - Se os investimentos estiveram relacionados à arrecadação do sistema, não será possível melhorar a qualidade, pois haverá menos recursos. Mas se os investimentos vierem de fontes adicionais, não haverá problema.

Site ANTP - Em que medida o congestionamento afeta a mobilidade nas grandes cidades, e de que forma prejudica a grande maioria, aqueles que dependem exclusivamente do Transporte Público?

Eduardo Vasconcellos - O congestionamento tem um grande impacto negativo no desempenho do transporte público, pois reduz a velocidade dos ônibus, aumentando a frota necessária para transportar as pessoas. Com isto, aumentam o custo de operação e a tarifa.

Site ANTP -  É possível mensurar que parcela da população, e de qual faixa de renda, será beneficiada com a redução da tarifa? No caso dos trabalhadores que recebem Vale Transporte, quem se beneficia?

Eduardo Vasconcellos - Todas as pessoas que pagam algum valor em dinheiro seriam beneficiadas. Elas são os que pagam 100% em dinheiro (mesmo que carregado em cartões), os que pagam com descontos e os que pagam com vale-transporte (a parte de até 6% dos seus salários).

Site ANTP - Não seria importante colocar o dedo na ferida, ou seja, discutir de fato a recuperação do espaço público, que foi brutalmente apropriado por anos a fio pelo automóvel e, mais recentemente, pela motocicleta, em detrimento do transporte coletivo? E isso como decorrência de várias políticas de incentivo e estímulo de vários governos?

Eduardo Vasconcellos - Sim. Especialmente no caso da cidade de São Paulo ? devido às dimensões da demanda e ao elevado grau de congestionamento ? a discussão central é a eficiência do sistema de mobilidade, especialmente do transporte coletivo. A eficiência do sistema está relacionada à qualidade da distribuição de linhas e da oferta de serviços de transporte, mas também ao nível do congestionamento. O congestionamento cresceu muito nos últimos vinte anos e é causado principalmente pelo uso excessivo do automóvel, que ocupa 85% do espaço físico do sistema viário principal. Isto aumenta os ciclos semafóricos e os tempos de espera, causando grandes atrasos à circulação dos ônibus. Adicionalmente, o uso de 85% do espaço viário pelos automóveis impede que os ônibus tenham uma segunda faixa para utilização, o que os comprime dentro de um espaço exíguo, com a formação de filas que aumentam exponencialmente os seus tempos de percurso. Pode-se estimar que o congestionamento atual de São Paulo encareça o custo total por passageiro em R$ 1,0 a 1,5. Assim, melhorias básicas na eficiência de circulação dos ônibus trariam economia muito superior aos R$ 0,20 que são hoje discutidos.

Site ANTP - Há alguns cálculos para os custos diretos e mesmo indiretos do congestionamento, mostrando, independente das cifras, que a opção pelo transporte individual levou São Paulo (e outras grandes cidades do país) à destruição de vários de seus espaços urbanos. No entanto, há estudiosos que ainda insistem em acreditar em saídas para a circulação do automóvel. Afinal de contas, a quem o congestionamento mais penaliza? É possível mensurar, e em caso positivo, em qual grandeza: tempo, saúde, dinheiro, etc?

Eduardo Vasconcellos - O congestionamento elevado prejudica a todos as pessoas que circulam, porque aumenta os tempos de percurso de todos ? inclusive os pedestres, que têm de esperar mais para cruzar as vias, porque os tempos semafóricos aumentam. Adicionalmente, ele aumenta o consumo de energia dos veículos e a emissão de poluentes por automóveis, ônibus e caminhões. Considerando que há 25 milhões de deslocamentos a pé, em ônibus e automóveis por dia, caso o congestionamento aumente o tempo médio em 10 minutos (considerando todas as viagens), o tempo adicional gasto por dia é de 4,15 milhões de horas. Se os métodos usados internacionalmente forem usados os custos totais do congestionamento (tempo, energia, poluição) atingirão valores entre R$ 8 e 9 bilhões por ano.

A opção de aumento do sistema viário é comprovadamente ineficaz, conforme atestam dezenas de estudos internacionais e a própria experiência de São Paulo. É fisicamente (e socialmente) impossível organizar um sistema de mobilidade baseado no automóvel. O uso excessivo do automóvel precisa ser limitado e o transporte público por ônibus precisa ter alta qualidade e velocidade entre 18 e 25 km/h, trabalhando com linhas paradoras, semi-expressas e expressas.  Sistemas de trilhos devem ser ampliados de maneira a formar um sistema amplo e integrado com os ônibus.

Eduardo Alcântara de Vasconcellos é sociólogo e engenheiro com pós-doutorado pela Universidade de Cornell (EUA), consultor da ANTP - Associação Nacional dos Transportes Públicos.

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