sexta-feira, 31 de janeiro de 2014

Cidade, nem sempre foi assim, pelo sociólogo Eduardo Vasconcellos, consultor da ANTP

"Nossa sociedade é muito desigual. Os pobres só podem viver na periferia porque é muito mais barato e o único que podem se permitir" - sociólogo Eduardo Vasconcellos, consultor da ANTP
Neste sábado São Paulo completou 460 anos. Os principais jornais trouxeram extensas matérias sobre a metrópole, a maior parte delas destacando os graves problemas que a população enfrenta diuturnamente. Na extensa relação de atribulações, o destaque ficou para a grave situação da (i)mobilidade urbana.
Na semana do aniversário da capital paulista, o Rio de Janeiro viveu um dia de caos: o descarrilamento de um trem da SuperVias prejudicou todos os ramais  e paralisou o sistema por até 13 horas. Problemas semelhantes em cidades distintas apenas comprovam que a construção da maioria das cidades brasileiras possui muitos erros comuns.
Em brilhante artigo no caderno Aliás, d'O Estado de SP, o sociólogo José de Souza Martins ensina: "Com muita facilidade e sem muito critério, se fala hoje em cidade e metrópole no Brasil para lamentar o que não temos e o que não somos. Amontoamento de prédios não faz uma cidade. Cidade é um modo de vida em que o redesenho e a racionalização do espaço deve tornar a vida mais fácil, mais simples. Deve agregar qualidade à existência, rapidez, conforto, bem-estar, alegria."
Parece óbvio que antes de se pensar em soluções específicas para o caos da (i)mobilidade urbana, é preciso que as autoridades públicas entendam a história do problema vivido, resultante de várias escolhas erradas feitas por sucessivos governos e sociedades. A não compreensão da história de construção de nossas cidades tem levado seguidas administrações à repetição de velhos e conhecidos equívocos, e por conseguinte ao aumento da piora da vida urbana. José de Souza Martins, no artigo citado, escreve: "... a cidade apenas incha, derrotada nas insuficiências. Tudo aqui é insuficiente. Quanto mais metrô se faz, mais insuficiente o metrô fica. (...) Estamos no reinado de Alice do outro lado do espelho: quanto mais andava, mais distante ficava. Chegamos, finalmente, à lógica dos avessos. Nem o povo é inocente nessa história. Uma cidade que reclama da falta de transporte e queima ônibus todos os dias é uma cidade louca."
Em artigo recente no jornal Valor Econômico, o economista André Lara Resende colocou o dedo numa das feridas mais graves: a indústria automobilística é a que mais gera gasto público. O raciocínio é lapidar e deveria ser visível a olho nu, não estivesse a sociedade ainda crédula que há saída possível para o uso do carro como o principal meio de transporte nas grandes cidades. Carro novo vendido, antes de empregos e PIB, obriga o governo a usar recursos para fazer ruas, pontes, viadutos, um gasto absurdo que deveria ser revertido para o transporte público, melhorando a vida das pessoas e das cidades.
O trágico é ver que nossas cidades nem sempre foram assim. Mas mais trágico ainda é perceber que construímos com nossas escolhas uma cidade especulativamente mais rica e socialmente mais pobre, como assinala o sociólogo José de Souza Martins.  

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