segunda-feira, 22 de junho de 2015

Mobilidade sustentável, sonho ou realidade possível

Nazareno Stanislau Affonso
A universalização da propriedade e do uso dos automóveis e das motocicletas como política de mobilidade do Estado Brasileiro fez as cidades amargarem as consequências desastrosas para a qualidade de vida, nos grandes e médios centros urbanos do País: congestionamentos, poluição, incremento do número de mortos e feridos no trânsito, alto custo da urbanização e a segregação das populações de baixa renda em áreas deterioradas ou distantes dos centros de emprego, lazer, cultura.
Esse modelo criou cidades caras em razão dos espaços vazios, da concentração de prédios em áreas congestionadas, do aumento constante dos tempos de viagem e da perda de capacidade concorrencial das cidades, bem como da redução da produtividade dos trabalhadores. Ele pressupõe mais carros, mais vias públicas e mais estacionamentos e o transporte público e das calçadas entregue às regras de mercado, aumentando os custos dos deslocamentos e a oferta de serviços de transporte precários.
Diante da degradação dos meios de transporte coletivo nas últimas sete décadas, tem havido em inúmeras cidades brasileiras revoltas populares com depredação de veículos e instalações ferroviárias e também de ônibus urbanos. A mais recente dessas revoltas eclodiu em junho de 2013.
Curiosamente, esse modelo de mobilidade está próximo da falência, vitima das facilidades de compra de veículos novos, gasolina barata e estacionamentos  gratuitos ou a preços atrativos. A multiplicação da frota agravou o entupimento do sistema viário com o crescimento dos congestionamentos, demonstrando que a "liberdade” aos automóveis e motos tem limites e cobra o seu preço.
Felizmente, essa crise na mobilidade proporcionou as condições políticas para  a aprovação da Lei Mobilidade Urbana (Lei 12.587/12), que propõe um quadro sustentável para a mobilidade no País, tendo como eixo básico o direito da população à democratização do espaço das vias públicas, incluindo calçadas e ciclovias. A lei tipifica outros direitos igualmente significativos, como a modicidade das tarifas, acessibilidade, controle social com conselhos locais, ouvidorias, audiências públicas, avaliações dos usuários, transparência dos custos e informação dos serviços, contratos licitados, restrição de circulação de automóveis e motos, e a exigência de planos municipais de mobilidade.
A Lei de Mobilidade Urbana garante a prioridade de uso da via para os pedestres e o transporte não motorizado, vindo, depois, o transporte público e, finalmente, os veículos motorizados particulares – exatamente o inverso do que é praticado. Determina que cada modo de deslocamento deve ocupar nas vias o espaço proporcional à demanda que transporta. Assim, às calçadas – território dos pedestres – e às bicicletas devem caber 40% do espaço, ao transporte público 30% e aos autos e motos, no máximo, 30%; mas o que ainda se vê são automóveis e motos ocupando 80% do espaço viário.
Parece um sonho ver nossas cidades transformadas, com calçadas largas, desobstruídas e acessíveis para as pessoas, inclusive aquelas com deficiência, com espaços de convívio e redes de ciclovias e ciclo faixas integradas aos sistemas de transportes estruturais como Metrôs, Veículos Leves sobre Trilhos (VLT), ferrovias modernizadas e, também, corredores exclusivos e segregados de ônibus – os Bus Rapid Transit  (BRT) –  e faixas exclusivas para ônibus convencionais confortáveis e modernos com abrigos qualificados e informações aos usuários.Parece mesmo um sonho, mas é o que a aponta a Lei de Mobilidade Urbana.
E para os automóveis, há outro papel na era da mobilidade sustentável. Sua presença deve considerar a proibição para estacionamento nas vias de circulação destinadas ao transporte público e nas áreas centrais. Os automóveis utilizados como alimentadores do transporte coletivo, com a implantação de estacionamentos baratos e seguros junto às estações periféricas dos sistemas estruturais e nos terrenos das áreas centrais, terão as vagas e preços informados por meio de aplicativos.
A  Lei de Mobilidade Urbana veio acompanhada de uma mudança da postura do governo federal e dos governos das principais capitais do País, que deram os primeiros passos na construção da Mobilidade Sustentável. A cidade de São Paulo implantou de forma radical mais de 400 quilômetros de faixas exclusivas dotadas de monitoramento com câmeras e de abrigos qualificados; para que se tenha um parâmetro de comparação, em 2011, consideradas todas as cidades brasileiras, havia apenas 410 quilômetros de vias para livre trânsito de ônibus. O Rio de Janeiro também implantou faixas exclusivas e sistemas de BRT, o mesmo acontecendo em outras cidades, entre as quais Belo Horizonte, Porto Alegre e Curitiba.
Outro aspecto relevante são os recursos dos PACs para mobilidade urbana: R$ 153 bilhões, segundo dados atualizados da Secretaria Nacional de Transporte e Mobilidade Urbana, do Ministério das Cidades, compreendendo recursos do Orçamento Geral da União (OGU), financiamentos e contrapartidas de agentes públicos e privados para projetos que perfazem 1.169 km de sistemas metroferroviários, 6.252 km de sistemas estruturais de ônibus, os quais, quando implantados, criarão uma nova cultura de investimentos públicos na mobilidade.
A perspectiva de ver implantada a mobilidade sustentável requer, porém, um Ministério das Cidades forte, com  capacidade de gerir suas receitas, de capacitar e estar efetivamente presente em todo o País, assessorando os municípios na implantação e gestão de projetos voltados à integração das políticas de mobilidade com as demais políticas urbanas, concernentes à habitação, saneamento e planejamento urbano. E que venham acompanhados dos serviços essenciais de educação, saúde, cultura, esportes e lazer, propiciando às cidades a diversidade e a humanização dos espaços públicos, com qualidade ambiental e urbana.

Nazareno Stanislau Affonso - Urbanista da Mobilidade ; Coordenador do Escritório de Brasília da Associação Nacional de Transportes Públicos; Coordenador do Movimento Nacional pelo Direito ao Transporte Público de Qualidade para Todos-MDT; Presidente do Instituto RUAVIVA
Ponto de Vista
ANTP

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