quarta-feira, 4 de março de 2015

Planejando a Mobilidade de nossas Cidades: Articulação e Integração em substituição a ações pontuais

Ensaio Crítico produzido para o Curso de Gestão da Mobilidade Urbana - ANTP

Resumo
Reflexo da adoção de ações pontuais e desarticuladas, a mobilidade urbana vivenciada atualmente na maioria das médias e grandes cidades brasileiras decorre de um planejamento de transportes que nunca foi pensado contemplando os vários modos de transporte. Muitas soluções para melhorar a circulação dentro dos centros urbanos já foram propostas, porém a realidade demonstra que não há uma única solução para o problema.
Introdução
A difícil realidade do padrão de mobilidade urbana que temos hoje caracteriza a complexidade de se abrir caminhos para melhoria da circulação urbana. Na busca por soluções e alternativas, constatou-se há tempos que somente um sistema metroviário, cicloviário, ou um BRT, não é suficiente para garantir mobilidade. Tampouco uma legislação extensa sobre o assunto ou um conjunto de técnicos especializados em transportes é capaz de apontar soluções prontas e definitivas, sem promover um repensar da base/cultura de nossa infraestrutura de transportes e disciplinamento da circulação dos diferentes modos de transporte. Nesse sentido, o presente trabalho busca discutir a mobilidade e sua interface com diferentes questões urbanas e ações já propostas, mostrando a importância de um planejamento bem estruturado.
Mobilidade e cidade
Primordialmente, há que se ter em mente que a mobilidade urbana tem papel fundamental como sistema que possibilita ao homem satisfazer suas necessidades de deslocamento ao trabalho, lazer, a equipamentos urbanos, etc., que de certo modo vai determinando a forma da cidade; o inverso também coexiste, quando a forma da cidade vai viabilizando determinados meios de transporte.
Porém, na medida em que se desloca pelo espaço, o usuário necessita de condições diversas referentes à fluidez, macro e micro acessibilidade, segurança, conforto e qualidade ambiental, o que gera demandas distintas e quase sempre conflitantes entre os indivíduos. Tal conflito é natural, tendo em mente que é impossível atender a todas as necessidades de deslocamento em um mesmo espaço de circulação. Porém o incentivo, há décadas atrás, à aquisição e uso do automóvel como meio principal de locomoção em nossos centros urbanos gerou consequências graves do ponto de vista da mobilidade. Quando ter um veículo próprio deixou de ser um sonho de consumo e virou realidade, aliado à estruturação da cidade voltada à circulação de automóveis, ocorreu uma massiva disseminação de um ideal de desenvolvimento pautado no individualismo e alheio às necessidades coletivas de deslocamento.
As vias se tornaram espaço privado, moldadas ao uso intensivo do automóvel, inclusive com qualidade superior ao pavimento construído – calçada – destinado a quem circula a pé. Nessa disputa, o cidadão se tornou refém, excluído economicamente (quando não tem recursos financeiros para pagar as tarifas do transporte público) e fisicamente (quando encontram dificuldades ao circular a pé ou de bicicleta, ou ainda quando possuem alguma limitação na sua mobilidade). Para tentar reverter a lógica do privilégio do automóvel, medidas paliativas estão sendo adotadas (rodízio de veículos) e/ou estudadas (pedágio urbano, estacionamento rotativo pago em vias públicas) em várias cidades do país, porém faz-se necessário um aprofundamento maior na questão, com a construção de um planejamento que antecipe gargalos e promova ações criativas e eficientes na micro e macro escalas.
Consequentemente, a oferta de diferentes opções de deslocamento é fundamental para a promoção de uma cidade mais fluída, mais justa. O espaço da rua deve ser equitativamente apropriado (tal como preconizado pela Lei n° 12.587/2012, que instituiu as diretrizes da Política Nacional de Mobilidade Urbana), pensando no uso mais racional possível dos modais e em sua adequada implantação. É necessário conectar a cidade, criando redes densas de ruas e travessas de alta permeabilidade para pedestres e ciclistas.
No tocante ao incentivo a modos alternativos de transporte, o sistema cicloviário que está em processo de implantação na capital paulista deixa claro como a ausência de planejamento a longo prazo pode afetar a imagem e a adesão a um modo de transporte. Ciclovias e Ciclofaixas estão em processo de implantação sem conexões lógicas (trechos inicialmente desarticulados, com baixa qualidade de execução e pouca sinalização), desvinculadas de redes de massa ou mesmo competindo com as mesmas (quando instaladas paralelamente a estas), sem a infraestrutura necessária ao ciclista (bicicletários e paraciclos anexos às estações de transporte coletivo e de alta capacidade, em pontos estratégicos e visíveis, que garantam segurança, acessibilidade, comodidade, e que possam oferecer serviços adicionais como oficina ou vestiário em alguns casos; áreas de proteção ao ciclista contra intempéries; e outros), gerando críticas, insatisfação e muitas dúvidas sobre sua efetiva apropriação/adesão pela população.
Neste caso, não se respeitou o fato de que um planejamento cicloviário eficaz requer tempo, talvez anos, pois deve envolver os demais sistemas de mobilidade (pedonal, transportes individuais e coletivos) e estar articulado à ações de educação e segurança para circulação adequada. Um bom exemplo de planejamento cicloviário foi o caso de Campinas, que está implantando um projeto de Sistema Cicloviário com cerca de 100km de ciclovias e ciclofaixas pensado também em relação às interfaces com outros modos.
É evidente que a solução para as dificuldades e problemas relativos à mobilidade, como os crescentes congestionamentos, mortes e acidentes no trânsito e a barreira representada pelos estacionamentos, não está na ampliação desenfreada da malha viária ou no espraiamento das cidades. Cidades mais adensadas (com priorização dos espaços construídos e recuperação dos ambientes degradados), com subcentralidades (bairros multifuncionais – equilíbrio entre empregos, transportes, habitação e equipamentos) atreladas a redes de baixa, média e alta capacidade integradas são o caminho desejado para se recuperar a urbanidade e maior usufruto do meio urbano.
Conclusão
"Deve-se sempre considerar a existência de um sistema, que envolve infraestrutura, planejamento, legislação, fiscalização e controle da operação de tráfego e transporte público, para que motoristas, ciclistas, pedestres e passageiros de transporte público possam conviver em harmonia”. (Nei Simas, Arquiteto e Urbanista, consultor especializado em Transporte Urbano pela Universidade de Brasília)
No planejamento da mobilidade de nossas cidades, é necessário pensar de forma ampla e integrada, incorporando todos os espaços urbanos destinados à circulação, de pessoas e veículos, em um projeto estruturador da cidade no qual as políticas e ações de circulação, uso e ocupação do solo estejam intimamente relacionadas, articuladas, tendo em sua base uma fiscalização constante pelo Estado, garantindo a sobreposição do direito coletivo sobre o individual e o cumprimento da legislação por todos.
Thaís Mitie Shiguematsu Bispo - Arquiteta e Urbanista, Analista de Desenvolvimento e Gestão Jr. da Companhia do Metropolitano de São Paulo – Metrô


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