domingo, 31 de janeiro de 2016

A mobilidade que não se move



Tarifa, Mobilidade e Exclusão Social
WALTER TAKEMOTO

Em 1960, com as montadoras instaladas e produzindo seus veí- culos no Brasil, consolidou-se também a tendência de priorização do transporte individual em detrimento do transporte coletivo por ônibus.

 A produção total de veículos montados e desmontados no Brasil (1957-2009) segundo a Anfavea (2010) demonstra que a produção de veículos no Brasil, que em determinados períodos sofreu retrações – como durante a crise de petróleo que deu origem ao programa brasileiro do álcool, ou em decorrência de crises econômicas –, mas apresentou forte tendência de crescimento principalmente a partir da década de 1970.

Pela importância da indústria automotiva para o país, podemos inferir que, rapidamente, o governo federal adota medidas voltadas para garantir a eleva- ção das vendas.

O programa do álcool como combustível, o incentivo ao crédito e as políticas de desoneração, que vêm ocorrendo desde a última crise de 2008, são exemplos de políticas governamentais voltadas para manter a produção, mesmo à custa da redução na arrecadação e nos orçamentos dos governos estaduais e municipais para investimentos em políticas sociais.

Os dados da cidade do Rio de Janeiro, em pouco mais de 50 anos ocorreu no país uma grande mudança a partir da opção dos governantes pelo rodoviarismo e o estímulo à produção e consumo de automóveis.

Nesse período, o bonde deixou de existir como meio de transporte urbano e o sistema ferroviário apresentou um crescimento irrisório no número de viagens realizadas.

O maior aumento ocorreu nas viagens por ônibus e acréscimo ainda maior se deu no uso do carro como meio de transporte particular e em grande parte individual.

O uso do carro como meio de transporte regular por grande parte da população passou a fazer parte das políticas e ações dos governantes, tanto por ser uma indústria fundamental para a economia do país como, ao mesmo tempo, para reduzir os impactos da crise econômica no Brasil.

As medidas adotadas no período de 2002 a 2013 privilegiaram os meios de transporte particular (carros e motocicletas) em detrimento do coletivo.

No período estudado, com uma inflação média de 82,9%, apenas as passagens do metrô e ônibus apresentaram reajuste superior – respectivamente 94% e 111,1% –, enquanto a gasolina apresentou um reajuste de 43,9%, e o preço dos carros novos de apenas 6,3%, índice muito abaixo da inflação acumulada. Segundo o Ipea, para cada R$ 1,00 de subsídio governamental para o transporte coletivo correspondeu R$ 12,00 de subsídio para o transporte individual.

Analisando os dados da Pesquisa Nacional por Amostra Domiciliar 2012 (PNAD), o IPEA, em seu “Comunicados do Ipea n. 161”, constata um padrão de mobilidade urbana no Brasil cada vez mais estruturado no veículo privado.

Em 2008, 45% dos domicílios possuía automóvel ou motocicleta, percentual que em 2012 subiu para 54% – um crescimento de nove pontos percentuais. As consequências desse investimento maciço para que a população compre carros encontramos nas avenidas e ruas das cidades brasileiras.

Se há até alguns anos os congestionamentos se concentravam nas regiões mais centrais e nas grandes vias de deslocamento, atualmente mesmo nos bairros e vias secundárias a locomoção passou a ser complicada. E, em determinadas regiões já não existe mais somente no horário de pico.

Diante da situação caótica das cidades, as principais medidas que os governantes adotam normalmente referem-se à abertura de avenidas, viadutos e intervenções pontuais no sistema viário, mas em poucos anos elas já não surtem nenhum efeito na mobilidade. Esse processo de deterioração das condições de mobilidade urbana é agravado pela substituição cada vez maior do transporte coletivo pelo privado.

No final da década de 1970, segundo dados do Grupo de Estudos para a Integração da Política de Transportes (GEIPOT), 68% das viagens eram realizadas por transporte coletivo, índice que caiu para 51% em 2005. No mesmo período, as viagens por meio de transporte individual passaram de 32% para 49%.

A mudança em curso no padrão de mobilidade urbana tem reflexos no tempo que as pessoas gastam no deslocamento – que atualmente representa, para 20% das viagens, um tempo superior a uma hora.

A irracionalidade do estímulo ao transporte individual tem como consequência o fato de que o transporte coletivo é responsável por 70% das viagens e ocupa apenas 20% da malha viária, enquanto o carro responde por 20,5% das viagens e ocupa 58,3% do espaço viário.

E o uso intensivo do transporte privado tem outras consequências trágicas: aumento da poluição, de acidentes e mortes em números cada vez mais assustadores em todas as regiões do país. A somatória de todos esses problemas decorrentes da inversão nas prioridades em relação à mobilidade acaba por ter um impacto grande nas tarifas do transporte público, em particular nos ônibus.

A tarifa no Brasil cobre o custo de operação e o retorno dos investimentos realizados pelos empresários. À exceção de São Paulo, onde a prefeitura arca com parte dos custos, nas demais cidades do país todos os custos são pagos pelos passageiros (inclusive nos casos dos passageiros não pagantes).

O problema já descrito, referente a congestionamento e tempo maior nas viagens, aumenta o custo operacional, pois representa maior consumo de combustível, de desgaste de peças, além da necessidade de um maior número de ônibus em operação para suprir as diferenças de tempo entre uma viagem e outra.

Como resultado, a cada dia o serviço de transporte coletivo perde qualidade, com os usuários sendo transportados em ônibus lotados e por um período de tempo maior


Capítulo 5
Coleção O que Saber
Fundaçãoi Perseu Abramo

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