terça-feira, 13 de maio de 2014

Plano Diretor Estratégico de SP: o que é invisível à população e o que isso tem a ver com a mobilidade urbana


Apresentado pelo executivo municipal, o PL 688/13, que propõe o novo Plano Diretor Estratégico (PDE) para a cidade de São Paulo, acaba de ser aprovado em primeira votação pela Câmara dos Vereadores. Com 46 votos a favor e 2 contra nesta primeira fase, a votação final está prevista para acontecer até o final do mês de maio deste ano.
O Plano foi discutido em 56 reuniões presenciais, da qual participaram mais de 19 mil pessoas. Com cerca de 8 mil contribuições, e tendo sido analisado em tantos outros fóruns para, ao final, terminar consolidado na Câmara, o PDE é algo que deve ser comemorado, pois seguramente nos deixará com uma expectativa razoável de um melhor futuro para a cidade.
E o que o Plano Diretor Estratégico tem a ver com a qualidade do transporte? Tudo.
Os problemas da cidade, cujas causas e consequências já foram apontadas anos a fio em inúmeros estudos e pesquisas, nas teses acadêmicas e em reportagens na mídia, são sobejamente conhecidos de há muito pela comunidade técnica: políticas urbanas equivocadas, transporte ineficiente, mobilidade urbana insustentável, desequilíbrio no uso e ocupação do solo, espraiamento da cidade, centrifugação das classes mais pobres para a periferia, distâncias e tempos de deslocamento diários absurdos para uma grande faixa da população, congestionamento, poluição e acidentes de trânsito.
Sem compreender a complexidade dos fenômenos que produzem esta realidade, grande parte da população sente apenas os efeitos mais visíveis de uma longa história de desorganização urbana. Os moradores da cidade sofrem com a falta de moradia ou a existência de moradias precárias, como também são vítimas do longo tempo de espera da condução, das longas viagens, da superlotação, da falta de conforto e dos custos relativos crescentes da tarifa. São poucos os que compreendem, no entanto, a intrincada relação entre o uso e ocupação do solo, a qualidade e eficiência do transporte público e o congestionamento viário diário. Daí que, no momento crucial da votação do Projeto de Lei na Câmara, ressalta-se apenas a legítima pressão exercida pelo movimento organizado por moradias.
É possível que o setor da construção – incorporadoras e construtoras –, a elite e parte da classe média, estes tenham um nível de entendimento melhor das causas que paralisam a cidade, causas essas que a tornam, ano após ano, mais inóspita e insegura, ao mesmo tempo em que economicamente menos competitiva. Lamentavelmente, porém, ao demonstrarem preocupação imediatista somente para a obtenção do máximo de lucratividade, mostram possuir olhar estreito e egoísta, com pouca visão de futuro.
O espraiamento da cidade, com a maior parte dos empregos na área central e a concentração de moradias em áreas distantes ou periféricas, acabou consolidando eixos viários de grandes extensões, e linhas de desejo de viagens radiais concêntricas. A evidência deste fenômeno de ocupação são as lotações excessivas dos sistemas de transporte, com trens ferroviários e de metrô e ônibus superlotados, um trânsito infernal em espaços viários cada vez mais exíguos e, o que é pior, de proibitiva expansão. Nesta configuração, o acréscimo de oferta de lugares em transporte público é rapidamente consumido pela demanda, cada vez mais crescente, piorando sua qualidade.O mesmo acontece com o sistema viário, inundado cada vez mais pelo despejamento de frotas crescentes de automóveis. Deixar que a cidade se auto-organize ao sabor dos ventos é petrificar essa estrutura.
O que há de invisível no PDE que pode contribuir para um transporte publico melhor?
Vários são os fatores que interferem na qualidade e eficiência do transporte público. Dentre todos, o maior são os movimentos pendulares da população, com embarques massivos nas áreas periféricas com destino à área central da cidade, o que ocorre a velocidades muito baixas. Distâncias enormes acabam por ser percorridas com quase nenhuma renovação de passageiros (pouco ‘sobe e desce’ ao longo dos itinerários), demandando uma enorme exigência de quantidade de veículos em circulação. A baixa eficiência pode ser constatada, dentre outros indicadores, pelo índice de passageiro por quilômetro – IPK, atualmente um dos menores da história da cidade, elevando a tarifa e/ou o montante de subsídios públicos para suportar custos operacionais de serviço cada vez mais crescentes.
A reversão desse quadro não será alcançada apenas com soluções técnicas na área de transporte, ou na revisão de itinerários, tampouco na seleção de modos de transporte. Já sabemos que se a cidade não mudar sua configuração, não será possível alcançar a qualidade esperada no transporte público. Não é mais possível fazer transporte correndo atrás tão somente da demanda. É imperativo cuidar, sim, da demanda e fazer sua gestão, o que só será possível revendo-se a cidade.
É aí que entra o Plano Diretor Estratégico, ora aprovado na Câmara.
Nele estão contidas as diretrizes fundamentais para que tal reversão possa ocorrer, como, por exemplo, a proposta de corredores adensados de ônibus ou de transporte sobre trilhos, com ocupação mista – moradias e empregos –, com medidas que incentivam a construção de habitações sociais no seu entorno, com a redução de número de vagas por apartamento nas novas edificações, como também medidas incentivadoras da descentralização dos empregos.
O Plano Integrado de Transporte Urbano – PITU, realizado em 2006 pela Secretaria dos Transportes Metropolitanos, com ampla participação dos municípios que compõem a região, vislumbra um horizonte para o ano de2025. Continuamente atualizado (e implementado), o PITU propõe ideias semelhantes às do PDE para a Região Metropolitana de São Paulo, podendo-se nele observar propostas de corredores urbanísticos, adensamento seletivo, contenção da área urbanizada da metrópole e balanceamento de empregos e habitações.
Ambos os planos – municipal e metropolitano –, ao lado de medidas que visam alterar o modelo de desenvolvimento das cidades, contemplam ações que almejam a prioridade à circulação do transporte coletivo nas vias públicas. Esta é a condição indispensável para o aumento da velocidade e, por consequência, a redução de tempos de viagem e de custos operacionais, fundamentais para tornar o transporte coletivo atraente, além de possibilitar uma divisão modal que reduza as viagens por automóveis.
O PDE de São Paulo tem por fulcro o Estatuto da Cidade, a Política Nacional de Habitação e a Lei de Mobilidade Urbana de 2012, que estabelece a Política Nacional de Mobilidade. O PITU, em sua origem, só não conhecia a Lei de Mobilidade, mas seus pressupostos já estão ali contidos, tal a evidência das diretrizes norteadoras da lei.
São Paulo e muitas cidades brasileiras já tiveram seus planos. O PDE de 2002 já possuía muito das diretrizes ora estabelecidas no Plano aprovado recentemente na Câmara dos Vereadores. Tão importante quanto elaborar planos consistentes, discutidos com a sociedade, que possam realmente modificar o modelo de desenvolvimento para uma metrópole mais humana, sustentável e de melhor qualidade de vida, é sua implementação e permanência (com as atualizações necessárias) ao longo das sucessivas gestões públicas.
Lamentavelmente não é isso que normalmente acontece.
A despeito de ações voltadas para a expansão dos sistemas de transportes que vêm acontecendo, como a expansão da rede metroferroviária e da rede de corredores de ônibus, sem falar no esforço para implantar a prioridade ao transporte coletivo, uma das diretrizes da Lei de Mobilidade, que é a construção de faixas exclusivas de ônibus, até o presente não se vislumbra as mudanças imaginadas no uso e ocupação do solo. Os corredores urbanísticos preconizados no PITU em 2006, por exemplo, ainda sequer saíram do papel. Muitas medidas contidas no PDE de São Paulo de 2002, outro exemplo, não tiveram continuidade nas sucessivas gestões públicas.
No tocante à mudança de configuração da cidade, o que se vê são programas e ações contraditórias com o PDE e com o PITU. Veja-se o caso do programa Minha Casa Minha Vida, que incentiva a construção de conjuntos habitacionais nas periferias das cidades, confirmando o modelo histórico e corrosivo da qualidade de vida urbana. Veja-se, também, os projetos da iniciativa privada, um dos grandes predadores da cidade que queremos no futuro, quando se lê na imprensa que o setor da construção de prédios de apartamentos já se antecipou e desenvolveu projetos em total desacordo com as normas que foram aprovadas no PDE para os corredores de transporte, com apartamentos de alto nível e com quatro vagas de garagem.
Vimos ao longo da história que só leis e planos não são suficientes para fazer acontecer as mudanças para uma cidade melhor. São necessários, mas não suficientes. Os movimentos por moradia continuarão a fazer pressão para a redução do enorme déficit habitacional, com os métodos próprios e peculiares destes tipos de organização, provavelmente empurrando o executivo municipal a produzir soluções a qualquer preço. Por outro lado, as precárias condições de fiscalização da prefeitura não serão suficientes para segurar o ímpeto (e a ganância) do setor imobiliário. Acrescente-se que os problemas da cidade de São Paulo não estão circunscritos à cidade, mas são altamente influenciados pelos demais municípios da Região Metropolitana, cada qual com autonomia federativa, a elaborar seus próprios planos diretores e de mobilidade urbana.
São questões que exigem vigilância por parte da sociedade, em especial dos setores técnicos. Mas, mais do que isso, é imperativa a discussão de novos modelos institucionais para a discussão da governança metropolitana, além de modelos de financiamento compatíveis com os propósitos dos planos diretores urbanos e de transporte.

Luiz Carlos Mantovani Néspoli (Branco): Superintendente da ANTP
ANTP

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