terça-feira, 19 de abril de 2011

Antenor Pinheiro recomenda BRT

Antenor Pinheiro, 52 anos, jornalista e perito criminal especializado em trânsito, assumiu em março a coordenação da Associação Nacional de Transportes Públicos (ANTP), regional Centro-Oeste, entidade criada em 1977 e voltada ao setor de transporte público e do trânsito urbano do Brasil. Representa o país na União Internacional de Transportes Públicos (UITP), órgão consultor das Organizações das Nações Unidas.
A ANTP está preparando a proposta brasileira a ser inserida nas diretrizes da "Década Mundial da Segurança Viária" (2011/2020), definida pela ONU para a redução de mortos e feridos no trânsito. 
Como o Brasil venceu a disputa para sediar a Copa do Mundo de 2014 e as Olimpíadas de 2016, a ANTP participa dos estudos e acompanha os projetos de mobilidade urbana, que devem transformar capitais e vários municípios do país.


Com anos de estrada quando o assunto é trânsito e transporte urbano, Antenor se tornou secretário de Trânsito e Transportes de Goiânia, foi presidente do Conselho Estadual de Trânsito de Goiás, membro da Câmara Temática de Assuntos Veiculares do Conselho Nacional de Trânsito (Contran) e do Fórum Consultivo do Departamento Nacional de Trânsito (Denatran).

Nesta entrevista, Antenor coloca o dedo direto na ferida e diz que não existe "indústria de multas e sim uma indústria de infrações".Cofira trechos da entrevista para a Gazeta:


Antenor Pinheiro - A crise da mobilidade é um problema nacional que se agrava a cada ano porque recebe insuficiente atenção do poder público. Há ausência plena de políticas concretas, minimamente ideais, que favoreçam o transporte público coletivo em detrimento do transporte individual. Pesquisa recente realizada pela Associação Nacional de Transportes Coletivos (ANTP) identificou que próximo de 95% dos recursos públicos destinados a políticas de mobilidade nas cidades brasileiras são voltados à demanda do transporte individual. Há um desequilíbrio no tratamento desta questão, cuja essência resgata o debate sobre a democratização do uso do espaço público nas cidades, porque quem se desloca por elas não são apenas os condutores de carros e motos, mas também os usuários do transporte coletivo, os ciclistas e os pedestres. O sistema viário deveria contemplar igualmente a todos, mas não é o que ocorre. Ao contrário, os governos das cidades não investem em ciclovias, ciclofaixas, muito menos em calçadas, que também é via pública por definição - situação que compromete a acessibilidade universal e colabora para a sua desumanização. Não é diferente com o transporte coletivo, que coleciona IPKs (índices de passageiros por quilômetro rodado) cada vez menores por perda de competitividade e atração em função da queda de sua velocidade comercial justificada pela desigual disputa no espaço viário com o carro e a moto. Ao invés de se deslocarem com os ideais 25 km/h, os ônibus das cidades estão com velocidades próximas de 15 km/h com tendência para menos em virtude do aumento da frota automobilística com a qual disputam os espaços viários Essa adversa situação passa a sensação para a população de que não há ônibus suficientes, quando na verdade o que existem são viagens mais demoradas.

Pergunta - Como encaminhar essa questão?
Antenor - Com atitude política e virtude técnica. Reconfigurar a infraestrutura do sistema viário de forma a abranger a mancha urbana formada pela conurbação com Várzea Grande. Implantar corredores exclusivos para os ônibus e ampliar as estações e terminais de integração para o transporte coletivo sobre rodas é o caminho. Isso garante a ideal fluidez dos ônibus, aperfeiçoa o controle operacional das linhas, garante cumprimento de horários, melhora as condições ambientais e interfere na composição da planilha tarifária para baixo. Políticas assim culminam na gradativa migração do usuário do transporte individual (carro/moto) para o coletivo, porque a cada dia vencido o carro e a moto fluirão mais devagar em razão das retenções e dos congestionamentos resultantes do aumento da frota, enquanto os ônibus estarão com fluxos desobstruídos e livres de disputa por espaços viários. Mais que democratizar o espaço urbano, significa coletivizar o sentido de cidade.

Pergunta - A escolha de Cuiabá como uma das cidades-sede da Copa 2014 vem provocando vários debates. E hoje a pergunta que não quer calar é sobre os novos modelos de transporte coletivo. BRT ou VLT, o que o senhor recomendaria?
Antenor - Cuiabá é uma cidade com relevo de baixa amplitude provido de viários arteriais relativamente planos e de geometria generosa. A implantação de sistemas sobre trilhos sempre é bem-vinda tecnicamente, pois muito se ganha em competitividade, impedância e meio ambiente. Todavia esta opção é por demais onerosa, além de exigir intervenções agressivas no plano urbanístico. Como cidade-sede da Copa deveria aproveitar os recursos federais direcionados para o evento e investir no sistema BRT, cuja viabilidade econômica e cronograma de implantação são mais factíveis. Sou adepto da combinação simplicidade-eficiência e o sistema BRT traduz bem essa escola. Deu certo em Curitiba, Bogotá e nas cidades sul-africanos que foram sede do Mundial de 2010. Em todas estas cidades e dezenas de outras espalhadas pela Europa, Ásia, Canadá e EUA a eficiência e custos formam pleno sucesso, contribuindo para a melhor qualidade de vida. Fosse eu o gestor que decidirá a questão, daria um pulinho ali em Bogotá pra ver como fazer uma cidade mudar para melhor em 10 anos. A política de mobilidade tem disso: quanto mais inclusiva, universalizada e sustentável for, melhor para todos. Cuiabá e Várzea Grande cabem nesse figurino, ao meu ver. Além do mais, o sistema BRT tem dinheiro do PAC da Mobilidade (R$ 18 bilhões), do PAC 2 (R$ 6 bilhões) e ainda R$ 18 bilhões para suprir as cidades-sede da Copa do Mundo. Ou seja: quase R$ 30 bilhões à espera de projetos. 

Pergunta - O foco do debate sobre mobilidade urbana na Capital está restrito ao transporte coletivo. Este não é um grande equívoco?
Antenor - Hoje não se pode pensar trânsito e transportes de forma isolada. Faz-se necessário concebê-los como elementos interdependentes, complementares entre si. Mobilidade urbana é a expressão que designa a integração de políticas públicas envolvendo planejamento (uso e ocupação do solo), acessibilidade, meio ambiente, transportes e circulação de veículos e mercadorias. Os gestores das cidades modernas devem planejar seus espaços e vivências de forma a harmonizar os conflitos econômicos, sociais, culturas que delas surgem, mas nunca se distanciando institucionalmente do mais sagrado dos interesses, que é o público - eis a sua razão em ser gestor. Enxergar a cidade como a orquestra em que todos os instrumentos são igualmente importantes, embora distintos nos papéis, é exercer o papel de gestor como a um maestro.
Pergunta -Cuiabá começa a viver problemas de municípios maiores com engarrafamentos sistemáticos em vários pontos, já identificados como gargalos e que sofreram intervenções - com rotatórias, por exemplo, - mas que não foram suficientes para solucionar ou amenizar o problema.
Antenor - Não há solução para o automóvel. Trânsito não se resolve, se administra de acordo com a demanda, e não tem fim. É um saco sem fundos. Apagar incêndio todos os dias. Por isso consome a maioria dos recursos públicos voltados para a mobilidade urbana. A saída é inverter a prioridade, melhorando a qualidade dos serviços e infraestrutura para os transportes públicos, acessibilidade e tecnologia agregada. Já é hora de desestimular o uso do automóvel e da moto, não com objetivo de diminuir a sua importância, mas racionalizar o seu desempenho. Essa é a tendência urbanística universal.

Pergunta -Quais seriam as medidas de intervenção que realmente fariam efeito no trânsito cuiabano?
Antenor - Para reverter o caos que se anuncia são mais que oportunas medidas voltadas à restrição ao uso do transporte individual. Criar zonas de restrição de tráfego (ZRT) nas áreas tecnicamente saturadas; regulamentar operações de carga-descarga; instituir controle automatizado de estacionamentos (parquímetros); implantar pedágios urbanos; criar espaços vivenciais (educação); adotar escalonamento de horários variável; atualizar a hierarquização viária; atualizar e manter com excelência o sistema de sinalização; implantar binários etc. Intervenções assim ajudam na fluidez e melhoram sensivelmente a organização viária.

Pergunta - Aqui vem sendo também debatida a volta de radares e lombadas eletrônicas, que foram retirados das vias após decisão judicial e a acusação de que haveria uma indústria de multas e interesses empresariais por trás dessa escolha. O senhor defende a colocação desses equipamentos? Punir pelo bolso é solução?
Antenor - Fiscalizar não é opção do poder público, mas obrigação. Não quero aqui entrar no mérito da decisão judicial, por desconhecê-la. Contudo, posso afirmar que os equipamentos eletrônicos de fiscalização são o que a tecnologia nos possibilitou de melhor para atenuar o que mais contribui para a morbimortalidade no trânsito brasileiro: o excesso de velocidade e o avanço de semáforos. Se devida e tecnicamente bem instalados esses equipamentos salvam vidas. Quanto à premissa da indústria de multas, ela é falsa. Pesquisas científicas realizadas pela PUC de Goiás e as Faculdades Anhembi de São Paulo identificaram que somente uma infração é flagrada pelo poder público entre 8 mil cometidas. Façamos um teste em qualquer esquina de Cuiabá e confirmaremos que, na verdade, o que há é uma indústria de infrações. Multa não é imposto, é opção, e a melhor forma de evitá-la é não cometer infração, simples assim! Toda atitude tomada no sentido de fiscalizar condutas no trânsito salva vidas, pois não há acidente de trânsito sem que a ele seja precedida uma infração cometida. Logo, quanto menos infrações, menos mortes, menos amputados, menos paraplégicos. A multa nos constrange, mas é um ato de ofício. Ademais, também possui uma componente pedagógica. Ela dói, mas salva!

Cristina Baddini Lucas - Assessora do MDT

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