Na linguagem técnica, trânsito congestionado
significa nível F de serviço, índice que mede a
densidade de ocupação (quantidade de veículos em circulação em um trecho da
via). Nestas condições, a velocidade não chega a 25% da velocidade permitida
para condições normais do tráfego. Os níveis de serviço vão de A (via
totalmente livre) a F (via congestionada), em que um nível D é
razoavelmente confortável e o nível E é a capacidade da
via.
O congestionamento pode ser eventual ou crônico.
Eventual, quando algum acontecimento imprevisto ocorre, como um acidente, um
carro quebrado ou um alagamento. Mas, mesmo assim, só se chegará ao nível de
serviço F se a obstrução da via for total ou se anteriormente
ao evento ela já houvesse atingido um volume expressivo de veículos. São Paulo
é um caso típico de cidade sujeita a situações eventuais, em razão do volume de
tráfego nos horários de pico e da frequente proximidade da instabilidade.
Há trechos de vias, nas grandes cidades
brasileiras, em que o congestionamento já é crônico, ou seja, tem hora e local
para acontecer. A maioria delas tem um sistema viário radial concêntrico, com
importantes eixos viários que se dirigem para a área central da cidade, onde se
concentra o maior movimento. É nessas vias radiais, mas também nas que nela
desembocam e nas outras poucas vias perimetrais, que a densidade de tráfego
aumenta em determinados horários (pico) e o nível de serviço pode chegar ao nível E,
e até mesmo ao nível F.
A maneira como São Paulo decidiu observar o impacto
do congestionamento foi através da utilização de um indicador conhecido como
"lentidão”, medido em quilômetros de ocupação da via. Para se calcular o
indicador e se fazer comparações ao longo do tempo, elegeu-se um conjunto de
vias sobre as quais são feitas medições. Resultados colhidos ao longo de anos
indicam índices variando de 140 a 200 km de lentidão no pico do pico, podendo
chegar a valores maiores sempre que uma alteração importante é adicionada ao
tráfego cotidiano, como no último feriado de 15 de Novembro, em que o valor
chegou à marca histórica de 309 km.
Nessas condições, há solução na engenharia de
tráfego? Não se iludam, não há. Explico.
Mantendo-se o volume de automóveis na rua (o que
deve crescer se a política de estímulo e incentivos continuar), a solução viria
pela construção de novas vias ou do alargamento das atuais. Nenhuma dessas
medidas é possível na cidade de São Paulo. A "lentidão” ocorre nos
principais eixos viários, os quais são os mais adensados da cidade, o que implicaria
em custos elevadíssimos (e proibitivos) de desapropriações, somados a custos
elevados de construção (remoção de equipamentos em subsolo, drenagem, calçadas,
pavimento, etc.), sem falar dos efeitos políticos negativos da medida.
Há quem ainda imagina melhorar a fluidez com a
modernização do parque tecnológico dos equipamentos de controle semafórico. De
fato, a implantação de sistema de semáforos inteligentes, controlando vários
cruzamentos em malhas viárias cada vez mais extensas, permite um melhor escoamento
de tráfego, e isso deve ser feito. Mas nas vias em que o nível de serviço
(densidade de tráfego) encontra-se acima de certos limites, nos níveis
E e F, a sincronização dos semáforos em
cruzamentos pouca ajuda produz. Veja-se o caso das ondas verdes (semáforos
que abrem progressivamente ao longo da via) e verifique se quando há
congestionamento elas são de alguma utilidade.
Outra solução imaginada, e implantada em algumas
vias, é o aumento do número de faixas de tráfego, à custa da redução da largura
daqueles existentes, que ganhou o nome técnico de MUV – Máxima Utilização da
Via. Isso foi feito em algumas avenidas, dentre as quais, na Avenida 23 de
Maio, que passou de quatro para cinco faixas em alguns trechos. O resultado
desta aplicação para a redução do congestionamento foi pífio. Nos dias
seguintes ao da implantação, a faixa adicional já estava congestionada também.
Há o exemplo também da ampliação das marginais do Rio Tietê, com o acréscimo de
seis novas faixas, que se congestionam, ao lado das antigas, todas as manhãs e
tardes.
Quando a sociedade está distraída, o aumento do
número de faixas se dá pela redução da largura das calçadas, que já chegaram em
alguns corredores a um metro de largura, e já se vê situações com apenas meio
metro, como na Radial Leste. Isso, além de não resolver o congestionamento, vai
contra a Lei da Mobilidade Urbana e aumenta o risco de atropelamento.
Um derradeiro recurso é o de criar rotas internas
aos bairros, como se fossem "pontes de safena” para abrigar o tráfego excedente
dos eixos viários principais, levando congestionamento, barulho e risco de
atropelamento para áreas tipicamente residenciais. O congestionamento, a
história tem demonstrado, se espalha a partir do corredor principal para as
suas margens, à semelhança das enchentes que se dão às margens de rios e
córregos durante grandes tempestades.
Em desnível, nem pensar. Soluções por vias elevadas
têm altos custos e, sobretudo, provocam a deterioração nos bairros
transpassados por estes mostrengos. Vias subterrâneas costumam ligar um
congestionamento a outro, quando não geram seus próprios engarrafamentos.
Se há ainda quem sonha (ou imagina) que a solução
para a mobilidade urbana será possível com mais esforço e investimento para
comportar o volume crescente de tráfego de automóveis, pelas razões já
expostas, pode ir tirando o cavalinho da chuva. Não há solução para a divisão
modal como a existente hoje e insistir nessa direção, para não dizer o menos, é
pura burrice, por mais influência que tenha a indústria automobilística sobre
governos e mídia. O setor tem vendido carros como solução para o cidadão
escapar dos sistemas precários de transporte coletivo e, sem cerimônia, quer
chegar cada vez mais à classe C, por meio de redução de preços (a custa de
redução de impostos) e do alargamento do crédito. Não tardará (e já há sinais
disso, é só lembrar o índice de lentidão de mais de 300 km recentemente
observado), e a classe C, ao lado das mais ricas, estará não apenas empenhando
recursos financeiros que não possui, como estará perdendo o mesmo tempo que
antes perdia no trânsito.
Se não há solução na engenharia de tráfego, de onde
virá solução? Apenas, e tão somente, se houver uma nova divisão modal, ou seja,
parte das viagens de automóveis migrarem para o transporte coletivo.
O sonho dourado da indústria
automobilística, da classe média e da mídia é a construção de metrôs. Claro,
eles andam por baixo da terra e não incomodam o trânsito de automóveis e, alem
disso, são sistemas de transporte com qualidade ainda muito acima à dos ônibus.
O metrô é
indispensável, sim, em São Paulo e em outras cidades brasileiras, onde o volume
de demanda é compatível com essa tecnologia e justifica os altos
investimentos, mas desde que metrô e ônibus constituam uma rede estrutural integrada. Em qualquer hipótese, a
demanda a ser transportada na superfície da cidade não deixará de prescindir de um sistema de ônibus
de qualidade.
Não seria mais inteligente se a indústria
automobilística apoiasse medidas de governo que geram mais recursos para o
transporte coletivo? Ou ainda, investir diretamente na melhoria do transporte
coletivo e continuar vendendo carros, que é um desejo legítimo das pessoas, mas
com outro apelo de vendas? Seria... mas, em vez disso, lamentavelmente,
preferem pressionar o governo para reduzir juros, enquanto a FIESP resolve
bater, por exemplo, na revisão dos valores do IPTU, cujos recursos adicionais
poderiam ser empregados na melhoria da mobilidade.
Cabe ainda questionar: não seria mais inteligente
se a mídia incentivasse as medidas que estão dando prioridade aos ônibus e
analisasse os problemas atuais como próprios de uma etapa de transição,
absolutamente necessária, já que melhorias no transporte coletivo precisam de
tempo? Seria... mas, cada vez mais, tratam as medidas implantadas em São Paulo
como demagógicas.
Se perguntado a um motorista se ele migraria para o
transporte coletivo, grande parte deles, como já indicaram várias pesquisas,
diria que sim, caso houvesse melhoria nos ônibus. Mas, se perguntado a eles
(pergunta que não foi feita) se abririam mão de uma faixa de tráfego para que a
melhoria de fato ocorresse, certamente responderiam que não. Logo, assim como
não se faz omelete sem quebrar ovos, cabe ao governo quebrar este círculo
vicioso, o que vem sendo feito, sabendo-se que as medidas de melhoria devem ir muito
além da reserva de espaço na via, única medida visível implantada até agora.
Luiz Carlos Mantovani Néspoli (Branco) é
superintendente da ANTP
Ponto de Vista, ANTP
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