sexta-feira, 12 de julho de 2013

MDT e as manifestações de rua por transporte qualificado e barato

Há muito anos, no Brasil, o transporte público vem sendo um tema potencialmente explosivo. Isso se dá desde a Revolta do Vintém,no Rio de Janeiro, no final do Império, passando por várias outras situações ao longo do Século 20 e chegando aos nossos dias.
Entre meados dos anos 1970 e meados dos anos 1980, houve dezenasde quebra-quebras nos trens de subúrbio e ônibus urbanos no Rio de Janeiro, em São Paulo e também em outras capitais, especialmente Salvador, onde, em uma ocasião, 400 ônibus – 2/3 da frota – foram depredados devido a um aumento de tarifa.
Expressão das lutas populares “contra a carestia”, as reivindicações por maisqualidade e pelo barateamento das tarifas tiveram considerável importância para as medidas que foram sendo tomadas nas últimas décadas: a implantação do Vale Transporte (Lei no 7.418/1985), investimentos em ferrovias (sobretudo no Estado de São Paulo, a partir de meados dos anos 1990)e, na maioria dos municípios, a qualificação da gestão com renovação das frotas dos ônibus.
Apesar de tudo, manteve-se a essência do eixo da política de estado para a mobilidade urbana, implantada desde a década de 50: a universalização da propriedade e, principalmente, do uso do automóvel, com a organizaçãodas cidades para que esse modo de transporte tivesse todas as facilidades. Os transportes públicos, as bicicletas e as calçadas continuaram submetidas a uma política de mercado. Foram desmontadas as estruturas de gestão, de projetos e de investimentos do governo federal para o transporte coletivo (EBTU e GEIPOT).
Os municípios ficaram entregues à própria sorte, propondo-se a implantar e gerir a custosa infraestrutura para os automóveis, tendo, simultaneamente, de administrar – sem recursos econômicos, de pessoal e de gestão – os transportes públicos. Com raras exceções, as municipalidades simplesmente ignoraram ser de sua responsabilidade a implantação e a qualificação da infraestrutura adequada aos modos não motorizados de transporte e aos pedestres.
Duas décadas. A motivação inicial das manifestações que presenciamos recentemente estava nos aumentos tarifários. Propostas como as do Movimento Passa Livre, com a bandeira da tarifa zero, entusiasmam parte da população, mas não levam em conta totalmente as complexidades e os custos embutidos na tarefa de transportar 50 milhões ou mais de pessoas diariamente em todo o País.Assim, é preciso dizer, sobretudo aos jovens e àqueles que têm, hoje, o poder de decidir as políticas públicas, que propostas bem claras e operacionalmente viáveis para a mobilidade urbana existem.
Várias dessas sugestões estão consolidadas pelo menos desde 31 de maio de 1993 – curiosamente, exatos 20 anos e uma semana antes das primeiras manifestações do último mês de junho – no relatório final de uma comissão especial para reduzir as tarifas e promover melhorias nos serviços de transporte coletivo urbano nas cidades brasileiras.
Instituída por decreto federal em 30 de abril de 1993, essa comissão especial era composta por representantes dos ministérios do Trabalho e dos Transportes, do IPEA, da Frente Nacional de Prefeitos (FNP), Fórum Nacional dos Secretáriose Dirigentes Públicos de Transporte Urbano e Trânsito, Associação Nacional das Empresas de Transporte Urbano (NTU) e pela Associação Nacional de Transportes Públicos (ANTP), que representava a sociedade civil.
Do  relatório constavam propostas de desoneração tributária para os três níveis de governo, incluindo para os insumos metroferroviários; redução do preço do diesel para os transportes públicos;revisão da planilha tarifária eexclusão, das tarifas, do pagamento das gratuidades; recursos para investimentos,prioridade do transporte coletivo no trânsito e a criação de um Conselho Nacional de Transportes Urbanos.Tais sugestões, como se sabe, não prosperaram.
Outra tentativa, há dez anos. Uma década mais tarde, exatamente no dia 23 de setembro de 2003, em ato na Câmara dos Deputados, foram criados o Movimento Nacional pelo Direito ao Transporte Público de Qualidade para Todos (MDT), congregando entidades da sociedade civil, e a pluripartidária Frente Parlamentar do Transporte Público, que reforçavam as bandeiras da qualificação e do barateamento dos transportes públicos urbanos.
Em novembro 2003,houve a criação, em nível de governo federal, sob a coordenação da  Secretaria de Assuntos Federativos, órgão da Presidência da República, de um grupo de trabalho encarregado de empreender nova tentativa de lidar com a equação ‘qualidade versus tarifa’.
Dessa vez,a iniciativa reunia os ministérios das Cidades,Fazenda,Minas e Energia e do Trabalho,contando com a participação, novamente, da Frente Nacional de Prefeitos, do Fórum Nacional de Secretários, e da ANTP, além dos recém-criadosMDT e Frente Parlamentar dos Transportes Públicos. O grupo reproduziu algumas das propostas feitas 10 anos antes, acrescentando outras igualmente importantes.
O conjunto de sugestões incluía: desoneração tributária, redução do preço do diesel em 50%, revisão da planilha tarifária, extinção das gratuidades dos carteiros e proibição de novas gratuidades, valorização do vale Transporte. Esperava-se, com essas medidas uma redução de 20% no valor das tarifas para os usuários.
Agregou-se ainda uma proposta de aumento 10 centavos de real no preço da gasolina vendida aos proprietários de automóveis particulares para que se pudesse redução de 10% nas tarifas do transporte público em todo território nacional; tal sugestão foi rechaçada pela Petrobras, que tem mantido seu foco em garantir subsídios ao preço da gasolina (122% em 12 anos) enquanto aumentou o  diesel no mesmo período em  250% para um IPCA de 125% (IPEA NT 2/7/2013). As propostas contidas no relatório final do grupo foram encaminhadas ao governo federal, mas, como havia ocorrido uma década antes, também não frutificaram.
Sequência. Irmanados, o MDT e a Frente Parlamentar dos Transportes Públicos seguiram levando suas propostas de barateamento e de qualificação dos serviços de transportes público para a sociedade e para os governos. Em seu primeiro manifesto, o MDT apresentou cinco eixos de luta e, passados dez anos, é possível identificar conquistas referentes a alguns desses eixos.
Um dos eixos, concernente ao preço das passagens, diz respeito o “barateamento das tarifas para inclusão social”, mostrando ser possível reduzir pela metade o custo do transporte para o usuário com medidas objetivas: 18% de redução de tributos, 20% com os usuários deixando de pagar as gratuidades, e 12% com a redução em 50% do preço do diesel. Dessas propostas, algumas foram concretizadas há pouco tempo: medida governamental ocasionou desoneração tarifária de 7,65%,referentes ao PIS/CONFINS e à redução do pagamentodos encargos sociais pelas empresas de transporte, que passaram a pagar pelo faturamento e não sobre a folha de salários.
Há em perspectiva o projeto de lei originário da Câmara (PLC 310/09) – aprovado no Senado e que deverá retornar à Câmara para, espera-se, completar rapidamente a tramitação no Congresso– que ocasionará mais 15% de redução tarifária.
Outro eixo de luta do MDT diz respeito à mobilidade para todos e quanto a ele é preciso destacar a aprovação da Lei da Mobilidade Urbana (Lei 12.587/12), que, entre outros dispositivos, prioriza o transporte não motorizado e o transporte público no uso do sistema viário.
A Lei de Mobilidade Urbana também cria as condições para que se atendaum terceiro eixo de luta do MDT: ” prioridade ao transporte público no trânsito”. Se implantadas pelas administrações públicas, as vias exclusivas para ônibus com monitoramento eletrônico de invasão de faixa poderão garantir o dobro da velocidade para os ônibus, com diminuição de quase 50% no consumo do diesel, significando somente nesse item,redução de 12% nas tarifas. De quebra, haverá diminuição da poluição ambiental e melhora efetiva da qualidade do serviço, com menor tempo de viagem.
Como faz há dez anos, o MDT e as entidades que compõem o seu Secretariado Nacional têm buscado contribuir de varias formas para atender ao clamor das ruas por transportes mais baratos e com qualidade. São ações, sobretudo, de natureza técnica e política, no campo do esclarecimento quanto aos ganhos que se poderá obter com a priorização, a qualificação e o barateamento do transporte público em nossas cidades.
Nesta edição, trazemos alguns exemplos desse trabalho persistente. Várias entidades integrantes do MDT fazem parte do Comitê Técnico Nacional de Trânsito, Transporte e Mobilidade Urbana, do Conselho Nacional das Cidades, que se reuniu no início de junho; essas organizações levam ao Comitê e ao Conselho as suas propostas e têm se mostrado dispostas atuar nos espaços participativos oficiais que podem redundar em avanços quanto ao que recentemente se convencionou chamarde ‘pacto pela mobilidade’.
Junto com outras organizações, o MDT participou no final de junho de audiência concedida aos movimentos sociais pela presidente Dilma Rousseff, ocasião em pôde apresentar seus pontos de vista e propostas.
Em junho e inicio de julho varias das entidades que compõem o Secretariado o MDT,lançaram manifestações públicas sobre o momento político da Mobilidade como a  Associação Nacional de Transportes Públicos (ANTP), a Associação Nacional das Empresas de Transporte Urbano (NTU) Sindicato dos Engenheiros de São Paulo (SEESP) e o Instituto de Energia e Meio Ambiente (IEMA). E em julho o MDT junto com o Sindicato dos Engenheiros da Bahia (SENGE-BA) promoverão em Salvador o seminário ” Tarifa Zero e a Mobilidade Sustentável” – que debaterá a como construir a Mobilidade Sustentável ao mesmo tempo que se se analisa os desafios de implantar a Tarifa Zero e todas as implicações de seu financiamento diante das condições vividas pelo País.
O otimismo é um dos ingredientes essenciais das lutas de alcance social. Ao nascer, o MDT queria contribuir para que o direito ao transporte público de qualidade fizesse parte da agenda sócio econômica do País. Hoje, o MDT está otimista em ver que várias de suas principais propostas vêm, finalmente, ganhando maior espaço na sociedade e diante dos governantes, caminhando para se transformarem em realidade. Mas tem clareza de que as dificuldades ainda são muito grandes e que o empenho deve ser redobrado.


 Editorial “Movimentando” junho 2013