segunda-feira, 5 de outubro de 2015

Cidades são ineficientes por não priorizarem o transporte público

Ayrton Camargo e Silva afirma que é preciso faixas exclusivas para os ônibus e programação semafórica para diminuir o tempo de trajeto



Linhas de ônibus sem integração, congestionamentos, inexistência de ciclovias, calçadas esburacadas. Esses são alguns sinais de que o espaço viário não é bem utilizado. Os congestionamentos e, como consequência o aumento dos tempos de viagens, são realidade nas cidades brasileiras. Três capitais já aparecem entre as 10 metrópoles mais congestionadas do mundo. O levantamento Measuring Congestion Worldwide da empresa TOMTOM, mostra que o Rio de Janeiro está em terceiro lugar, a quinta posição é ocupada por Salvador e em sexto está Recife.
Para falar sobre as escolhas que levaram à atual conformação das cidades e do sistema viário e medidas para tornar as cidades mais eficientes no quesito mobilidade, a Perkons entrevistou o arquiteto e urbanista Ayrton Camargo e Silva. Ele é o atual diretor presidente da Estrada de Ferro Campos do Jordão e autor do livro “Tudo é passageiro - Expansão urbana, transporte público e o extermínio dos bondes em São Paulo”.
Crise de mobilidade
O urbanista afirma que as grandes e médias cidades estão passando por uma crise de mobilidade. E os pequenos municípios também já esboçam sinais de colapso nos sistemas de locomoção. “A crise de mobilidade ocorre em função da incompatibilidade entre as viagens diárias feitas pelos modos motorizados e o espaço viário disponível para elas”, explica.
Ayrton sugere dar prioridade aos veículos de maior capacidade para chegar a um equilíbrio. “Enquanto as viagens crescem a cada ano, o sistema viário não. Motivo pelo qual deveria ser dada prioridade para nele circularem os modos de maior capacidade, exatamente o que não acontece hoje nas cidades.”, sugere como solução.
Crédito: Luiz Guarnieri/Brazil Photo Press/Folhapress
Especialista afirma que boa parte dos problemas de mobilidade de São Paulo se devem ao fim dos bondes e a falta de prioridade para o transporte coletivo
Ele compara o automóvel e o ônibus para mostrar a necessidade de priorização. “Um ônibus ocupa o lugar de pouco mais de dois automóveis, porém pode transportar até 100 passageiros em média simultaneamente. Enquanto um automóvel ocupa em média 1,7 passageiro por viagem. Apesar de o ônibus ser mais eficiente na relação entre o espaço viário ocupado e o número de passageiros transportados, eles não têm prioridade para circulação nas vias. Pouquíssimas cidades possuem faixas exclusivas para os ônibus circularem, e menos ainda possuem uma programação semafórica que contribua com o aumento de sua velocidade comercial”, afirma.
A falta de priorização do transporte coletivo e o mau uso do espaço viário, segundo o arquiteto e urbanista culminam em cidades ineficientes. “O fruto desse conflito são os congestionamentos e os acidentes, que ilustram o conflito na disputa para ver quem consegue ocupar antes o pouco espaço para circular. Isso tudo gera cidades ineficientes, que perdem sua competitividade econômica numa era de economia globalizada. Além da queda da qualidade de vida, que atinge a toda população de forma indiscriminada”, conclui

Escolhas que levaram à crise de mobilidade

O urbanista afirma que as decisões, no Brasil, para estimular o crescimento das cidades levaram à crise de mobilidade dos dias de hoje. “A escolha foi feita em direcionar a expansão urbana fazendo-a dependente dos modos motorizados por pneus, em particular, o automóvel nos últimos 100 anos”.
Para ele, se fosse possível reescrever a história, a solução seria vincular a expansão urbana e seu adensamento diretamente à existência de transporte coletivo, garantindo a ele prioridade para circulação no sistema viário.
Ayrton afirma que para termos outro cenário, a cidade deveria seguir critérios para garantir expansão com mobilidade. “A expansão urbana deveria ser feita com base em indicadores de qualidade da sua mobilidade. Assim o acesso a uma determinada região ou bairro seria por corredores de transporte coletivo que deveriam ter níveis mínimos de desempenho, como por exemplo, elevada velocidade comercial {expressa pelo tempo gasto em todo o percurso} para os modos coletivos de transporte, níveis reduzidos de acidentes e emissões de poluentes, tempos máximos de viagem, intervalos constantes entre as viagens etc.", exemplifica.
Para isso, o transporte coletivo seria o protagonista principal no uso do sistema viário existente, e o adensamento urbano seria vinculado à existência de transporte coletivo, de forma a não impactar o sistema viário em sua área de influência.
Ayrton afirma que o inverso aconteceu em São Paulo. “O fim dos bondes em São Paulo, e a opção pela expansão do sistema viário sem que o transporte coletivo tivesse prioridade de circular foram as bases de boa parte dos problemas da mobilidade em São Paulo”, ilustra.
Ao priorizar o transporte coletivo e ordenar a expansão dos municípios, o urbanista acredita que as cidades seriam mais amigáveis. “Certamente {a cidade teria} uma ocupação mais compacta, menos espraiada, e com 

Perkons

Poliane Brito

Desafio multimodal faz pessoas verem a cidade de outra forma

Semana desafia cidadãos a experimentarem e compararem diferentes formas de deslocamento


A maioria das pessoas faz seus deslocamentos diários utilizando sempre o mesmo meio de transporte. Para que as pessoas experimentem diferentes modais e possam comparar qual o mais eficiente, além de conhecer melhor o ambiente em que vivem, um grupo de ativistas promoveu a Semana Multimodal. A ideia é que durante 7 dias os participantes se desloquem como pedestre, ciclista, motorista, passageiro e compartilhem sua experiência, na página do evento, de qual é o mais eficiente, conveniente, barato ou prazeroso.
Divulgação
O desafio multimodal foi até 22 de setembro e incentivou os participantes para que durante uma semana se deslocassem de outras formas
De acordo com Hugo Leonardo Peroni, um dos organizadores do evento e fundador do grupo Desbravadores de Sampa, a ideia do desafio multimodal surgiu durante um encontro com ativistas que estimulam a mobilidade a pé – Cidade Ativa, Mobilize, Corrida Amiga e Desbravadores de Sampa. “O desafio intermodal – que compara várias formas de deslocamento realizadas ao mesmo tempo por pessoas diferentes – foi o que inspirou a Semana Multimodal. Experimentei formas diferentes de me deslocar e me surpreendi com o resultado: os modais ativos (bicicleta e caminhada) foram os mais rápidos”, afirma.
O ativista conta que, mesmo com pouca divulgação do evento, surgiram bons resultados, já que as pessoas puderam utilizar a estrutura da cidade de forma diferente do convencional. “Você torna o seu momento do deslocamento que era chato, cinza e sem conteúdo em algo criativo, fora da rotina e bem aproveitado. No deslocamento ativo, por exemplo, você ainda pode se exercitar”, comenta.
Luiz Gustavo Campos, diretor e especialista em trânsito da Perkons, acredita que é preciso incentivar a experiência para que mais pessoas troquem os transportes mais utilizados pelos ativos. “É importante a população testar outras possibilidades e ser flexível quando tem alternativas disponíveis. Mas, para isso, o poder público precisa oferecer infraestruturas adequadas. Com diferentes meios disponíveis, é possível utilizá-los de acordo com cada situação”, completa.
Encarando o desafio multimodal
A bacharel em Relações Internacionais Fabiana Bento, aderiu ao desafio multimodal, e acredita que a mobilidade é um dos maiores desafios à sustentabilidade urbana. Para ela, enquanto a opção pelo carro - durante grande parte do século passado - parecia ser a mais acertada, o cotidiano dos centros urbanos, hoje, demanda inovação.
Durante a semana multimodal, Fabiana teve a oportunidade de comparar diversas maneiras de se locomover por São Paulo de forma sistematizada, o que a fez pensar sobre mobilidade, sua relação com a cidade e a sensação de pertencimento a ela. “Redescobrir a cidade por meio da bicicleta, do caminhar e do compartilhamento de caminhos (caronas) foi enriquecedor. Trouxe novos olhares, novas cores e novas texturas. Comprovei que o automóvel não era a melhor opção, tanto financeiramente quanto pelo tempo de deslocamento”, destaca.
Fabiana ressalta que, ao longo da experiência, encontrou algumas dificuldades que deixaram evidentes problemas que colocam em risco o deslocamento, ou ainda podem chegar a impedi-lo. “No caso de deficientes físicos é perceptível a falta de preparo e de acolhimento da cidade. Há obstáculos em calçadas (raízes de arvore, azulejos, buracos), faltam calçadas em alguns trechos ou as calçadas são estreitas, falta sinalização nas vias e há muitos buracos, o que prejudica o deslocamento de bicicleta, além de pontos de ônibus mal sinalizados a respeito de horários e linhas”, explica. Ainda assim, para ela, a bicicleta e o ônibus provaram ser alternativas eficazes e satisfatórias.

As principais formas de locomoção adotadas por ela por causa do desafio foram ônibus, carona e caminhada. “A percepção da cidade e dos lugares ao pedalar é completamente diferente. Os detalhes tornam-se muito mais claros e a interação com o caminho e as pessoas que se encontram nele é muito maior. A caminhada, por sua vez, colabora para o bem-estar pós-expediente. Já a carona é capaz de criar interações ricas e de certa forma é excelente para otimizar a utilização do automóvel”, descreve Fabiana, que acrescenta que a qualidade de vida está intimamente ligada à forma de relacionamento com o cotidiano e que a mobilidade sustentável – conceito que abrange o trânsito de pessoas na busca por equilíbrio entre desenvolvimento econômico, proteção ambiental e justiça social – é garantia de bem-estar.
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Perkons
Mariana Simino