terça-feira, 16 de dezembro de 2014

Andar a pé: um transporte desvalorizado nos grandes centros


O presente trabalho foi publicado no livro "Brasil Não Motorizado”, coletânea de artigos sobre mobilidade urbana – LA BMOL EDITORA




 
1. Considerações Iniciais
Andar a Pé é a forma mais antiga e sustentável de transporte.   Por ser espontânea à natureza humana,  sem necessidade de qualquer tipo de veículo, motorizado ou não, é sistematicamente subestimada.  Esta forma de deslocamento é ignorada por muitos pensadores e tomadores de decisão nos grandes centros urbanos.  Como consequência, a maioria das ações e políticas de circulação e transporte em nossas cidades não concede a devida atenção à Mobilidade a Pé e à infraestrutura necessária para tal, impondo condições de deslocamentos não condizentes com a qualidade merecida pelo cidadão que opta pela caminhada em suas viagens cotidianas. 
O primeiro indício desta afirmação é constatado na forma como a legislação urbana da maioria dos municípios brasileiros estabelece o tratamento de calçadas em relação ao restante do sistema viário. 
A responsabilidade de construir e conservar  vias para os veículos é do poder público.  Para elas, ele escolhe, utiliza e padroniza o  pavimento mais adequado, cobrando o custo desses serviços de todos munícipes através de impostos.  No entanto, quando se trata de calçadas, o procedimento é completamente diferente:  cada proprietário constrói e mantém a calçada defronte de seu imóvel como quiser, sem ter que atender a qualquer padrão, cabendo ao poder público somente a fiscalização deste procedimento. 
As legislações de algumas cidades são complementadas por decretos e normas regulamentando  larguras mínimas e funções das áreas das calçadas, assim como   suas declividades transversais.  Entretanto, este atendimento depende da capacidade fiscalizadora de cada administração municipal.  Na maioria dos casos, as prefeituras não têm condições de controlar o  cumprimento das regras que elas mesmas estabelecem.                                                               
Esta diferenciação de tratamento se reflete também na forma como o espaço público da calçada é interpretado pelos proprietários dos lotes.  Ao se responsabilizar por "suas” calçadas contíguas, os munícipes têm a equivocada sensação de ter a posse das mesmas.  Como decorrência, julgam-se eles no direito de invadir o espaço público  para solucionar situações de acesso ao seu lote, solução que deveria estar restrita  aos limites de sua propriedade privada.
O resultado deste procedimento tem como consequência uma  profusão de irregularidades comumente observadas nas calçadas em qualquer cidade brasileira:  degraus e rampas transversais, construídas para conceder acesso veicular aos lotes; pisos irregulares e mal conservados; revestimento inapropriado. Também ocorre total predomínio  da preocupação estética sobre a funcional, inibindo a padronização e a adequação dos pisos, resultando na transformação das calçadas numa colcha de retalhos de difícil caminhada.
A sensação de propriedade proporcionada por esta  legislação estimula a invasão do espaço público, sendo comum o observar veículos estacionados sobre as calçadas de forma irregular,  ao invés de apenas ocuparem os recuos dos lotes, ainda no interior das propriedades.  Também é comum a instalação de mobiliários urbanos não autorizados sobre os espaços de circulação. 
Todos estes elementos transformam uma simples caminhada numa verdadeira corrida de obstáculos.  Além disso, esses atributos podem ser responsabilizados pelos frequentes acidentes com pedestres nas calçadas. Estas ocorrências,  tecnicamente denominadas  "quedas”, não entram nos registros de acidentes viários, e têm sua importância e consequências minimizadas nas estatísticas de trânsito.  Entretanto, de acordo com um estudo (*) do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), de 2003, a partir de dados obtidos em quatro cidades brasileiras, entre elas, São Paulo, nove em cada mil habitantes são vítimas de quedas nas calçadas.
No estudo foi também avaliado o custo resultante do conjunto de acidentes com pedestres. O resgate e o tratamento médico, na época, situavam-se  em torno de R$ 2.656,00 por queda.  Ao considerarmos  a população de São Paulo (11 milhões de habitantes), isto significa que a cada ano 1.222 pessoas sofrem acidentes decorrentes da má conservação das calçadas, gerando um gasto anual de R$3.246.222,10 -  isto em valores de dez anos atrás.
Outra situação que reflete a pouca importância dada pelo poder público e sociedade ao transporte a pé nas grandes cidades brasileiras, é a forma como é dividida a utilização do espaço e do tempo de sua infraestrutura viária.  É gritante a desproporção do espaço da via que acomoda o trânsito a pé e o motorizado. Larguras de calçadas sempre são sacrificadas para não haver comprometimento da fluidez do tráfego motorizado.
Esta desproporção também se repete na divisão de tempo dos ciclos semafóricos, cabendo à travessia dos pedestres um tempo  muito menor do que o dedicado à passagem dos veículos. Lamentavelmente, esta divisão  desigual é aceita com naturalidade por todos os usuários das vias, onde se incluem até os mais prejudicados, que diariamente se espremem em calçadas estreitas e perdem  mais de dois minutos para atravessarem uma rua com largura que demandaria um quarto deste tempo.
Esta diferença de entendimento do transporte a pé em relação aos demais modais é responsável pela situação de descontinuidade e ruptura presentes na infraestrutura de caminhada.  Ela dificulta e desestimula o seu exercício cotidiano,  numa situação de paradoxo urbano, uma vez que todo e qualquer deslocamento inicia e termina a pé.  Assim viagens pequenas de até dois quilômetros, que poderiam  perfeitamente ser  realizadas a pé, colaboram para o comprometimento do desempenho do sistema viário congestionando-o ainda mais com veículos levando apenas o  motorista.  Também ocorre a sobrecarga e a superlotação dos sistemas de transporte, com mais passageiros, intensificando o esgotamento dos recursos urbanos e comprometendo a qualidade de vida nas grandes cidades.
Por outro lado o desestímulo da caminhada gera hábitos sedentários na população.  Isto traz como consequência  problemas de saúde, que implicam em gastos públicos da ordem de 90 milhões de reais por ano.  Esta é a cifra veiculada em  matéria do jornal Folha de São Paulo em 2003:
[...] o sedentarismo custou pelo menos R$93,7 milhões aos cofres públicos no Estado de São Paulo em 2002. O valor corresponde a 3,6% do total de gastos em saúde no Estado no ano e a mais da metade do total de gastos hospitalares (R$179,9 milhões) com dez problemas de saúde associados à inatividade. O gasto com internações por doenças cardiovasculares respondem por 85% do custo do sedentarismo.
Muitas pessoas entendem que uma caminhada longa não deve fazer parte da rotina dos  trajetos cotidianos, mas sim representar  atividade esportiva realizada em locais e horários específicos.  Até mesmo no meio técnico, é comum se pensar que a intensificação de viagens a pé representa uma  anormalidade, causada por algum tipo de problema de mobilidade e não como uma opção espontânea de quem a pratica.
É comum encontrar estudos que questionam e propõem formas de corrigir este "fenômeno”, incluindo a utilização da bicicleta.  Não é aventada a  existência de perfis de usuários específicos para as duas modalidades, e que ambas são válidas para substituir a viagem individual motorizada.  Esta última, sim, deve ser combatida, seja  por consumir espaços urbanos valiosos, seja por ser prejudicial à qualidade ambiental das cidades.
O estímulo às viagens não motorizadas, em especial as viagens a pé, contribui  para melhorar o nível de qualidade de vida nas grandes cidades por intervir positivamente no relacionamento e na sociabilidade dos seus moradores. Um famoso estudo de Rogers (2005)  aponta que o nível de relacionamentos pessoais de uma vizinhança é inversamente proporcional à intensidade do tráfego motorizado que circula  nas vias.  De forma esquemática, a  Figura 1 apresenta como se dão estes relacionamentos de acordo com a tipologia das vias onde vive o cidadão.
Figura 1 -  Relacionamento de vizinhança e o tráfego da via
Fonte: Rogers, Richard  - 2005
2. A qualificação da infraestrutura do transporte a pé
A infraestrutura viária que dá suporte ao transporte a pé nos grandes centros urbanos,é constituída pelos espaços públicos que  apoiam a caminhada.  Portanto, deve possuir o mesmo nível de qualidade requerido para o transporte motorizado.  Assim, o atendimento aos  princípios básicos de ergonomia / economia, segurança viária, conforto, continuidade e conectividade, é fundamental ao se planejar,  projetar e restaurar  esses espaços . Além desses aspectos, a infraestrutura deverá possuir outras características igualmente importantes,  por serem consideradas pelo usuário na escolha de seus percursos.  São aspectos mais subjetivos, vinculados à segurança pessoal, à atratividade do ambiente urbano e ao microclima.
O ato de caminhar, por ter como arcabouço o próprio corpo humano, é realizado a partir de um processo em que predomina a liberdade e a sustentabilidade – ou seja, que leva em conta antes de tudo o dispêndio da energia e de tempo.  Assim, as pessoas  buscam espontaneamente  o melhor caminho, o mais curto de extensão e o que consumirá menor tempo para seus deslocamentos.   Entretanto, ao se planejar e projetar a infraestrutura do transporte a pé nem sempre é possível  atender plenamente a estes princípios básicos, seja pelas características do local, seja pela disponibilidade de espaço e de recursos financeiros.  É conveniente, mesmo assim, no processo de planejamento e na formulação de projetos para  espaços de caminhada, observar e contemplar  outros fatores igualmente importantes,  que certamente têm muito a contribuir para qualificar estes espaços.  São eles  :
Segurança viária – é garantida pelo espaço disponível para a caminhada, por sua localização na via;  grau de proteção oferecido em relação à circulação do tráfego geral, assim como pela situação de conservação da calçada, já que quedas são consideradas acidentes de trânsito.  A boa iluminação da calçada e da travessia também é fundamental.
Conforto-  é caracterizado pela boa qualidade e regularidade da superfície do piso, possibilitada também pela ausência de interferências nas calçadas.  Deve-se entender que as interferências não são somente aquelas provocadas por  elementos físicos como a arborização ou o mobiliário urbano, mas também pelos acessos veiculares aos lotes, que devem sempre ocorrer no interior dos mesmos. Ao contrário do que se pensa:  conforto não é luxo e sim necessidade. 
Continuidade -  é a garantia da continuidade do trajeto possibilitada por  uma rede de calçadas contínuas com a mesma  largura útil, conectadas com espaços abertos e praças que possibilitem conexão  inclusive com trechos  oriundos de vias de entorno desses logradouros. Não atender estas características gera como consequência trilhas e passagens forçadas, em locais diferentes dos que foram planejados para a caminhada, e riscos de acidentes de tráfego ou quedas.
Conectividade - é possibilitada pela articulação entre calçadas de lados e direções opostas através de travessias que podem ser em nível (faixas de travessia) ou desnível (passarelas e passagens subterrâneas), sempre respeitando as linhas de desejo de travessia.  Além disso, elas devem  ser confiáveis, visíveis, seguras e confortáveis.
Seguridade - muitos pedestres, instintivamente, rejeitam os espaços de caminhada que facilitam a ocorrência de episódios de violência urbana, optando por se arriscarem no enfrentamento do tráfego motorizado.   Por este motivo é importante que os espaços de caminhada sejam projetados de forma a  terem garantida a  segurança pessoal do seu usuário.  A existência de uma atividade paralela no local, como um comércio ou estabelecimento  prestador de serviços, certamente auxilia  na vigilância indireta do trajeto, melhorando as condições de segurança.  Contribui também a existência de  intervisibilidade e  iluminação.
Atratividade – a atratividade do espaço da caminhada é definida pelo tipo de atividade oferecida pelos lotes dispostos ao longo dos caminhos, tornando o trajeto mais útil ou agradável pela possibilidade de aliar ao deslocamento a pé alguma atividade paralela, como compras, serviços, informação, entre outros.  Este fator é um aspecto importante a ser considerado quando houver necessidade de aumentar um trajeto a pé, pois quebra a resistência do usuário ao aumento do esforço e do tempo requeridos.
Ambiente urbano -  é constituído pela presença de locais de encontro, descanso, contemplação, fruição da paisagem, iluminação e suavização de condições ambientais. São também elementos de extrema importância ao se projetar os espaços de circulação a pé,  por induzir  e  estímular a utilização de trajetos, principalmente se resultarem no aumento de sua extensão.
Micro clima- é constituído pelas condições climáticas do trajeto a pé e  formado pelas características de insolação, ventilação, chuva, visibilidade, luminosidade e sombreamento;  presentes originalmente  ou criados ao longo dos trajetos.

A presença e a harmonização destes fatores atribuem aos espaços urbanos sua "caminhabilidade”, ou de acordo com os conceitos expostos por Ghidini (2011), "a caminhabilidade é uma qualidade do local”.  Continuando, o texto ressalta que:
[...] deve proporcionar uma motivação para induzir mais pessoas a adotar o caminhar como forma de deslocamento efetiva, restabelecendo suas relações interdependentes com as ruas e os bairros. E para tanto, deve comprometer recursos visando a reestruturação da infraestrutura física (passeios adequados e atrativos ao pedestre) e social, tão necessárias à vida humana e à ecologia das comunidades”.Os espaços públicos estão, cada vez mais, sofrendo com degradação, em muitos casos, causados pela circulação de modais de transporte individual, que por sua velocidade, consumo energético e mesmo massa e volume, além da poluição atmosférica e sonora afugentam a vida social e coletiva destes locais.
A rua, elemento básico das cidades, vem sendo o ente urbano mais prejudicado dentro desta lógica. Assim, recuperar a condição e a escala humana é necessário e urgente para a humanização das cidades, de seus bairros, praças e, sobretudo, de suas ruas.
A caminhabilidade ou o simples caminhar, como uma atitude, pode recuperar esta característica fundamental à ecologia urbana, promovendo a equidade e restabelecendo ao ser humano seu compasso ou seu "timing” que há pouco mais de um século vem sendo abalado.
Estabelecer critérios que possam ser regionalizados e adequados a cada realidade, para medir, monitorar e acompanhar como está evoluindo este importante indicador pode representar muito na melhoria futura da sustentabilidade de nossas cidades.

3. Conclusões e Recomendações
O incentivo ao investimento no transporte a pé, apesar da pouca importância que lhe é atribuída,  tanto o meio técnico como o  político-administrativo,  é   fundamental  para  consolidar  ambientes de  qualidade urbana  sonhados por habitantes de qualquer cidade. A conquista deste paradigma requer visão lúcida,  firme e sensível, para garantir o redirecionamento de metas a outros padrões do pensamento e do conhecimento técnico.  E para que eles estejam voltados aos padrões exigidos pela mobilidade não motorizada, em especial para a mobilidade a pé.   
A humanidade  inserida na escala e na lógica da caminhada e em sua visão sistêmica enquanto rede, ao atender os critérios apresentados neste artigo,  certamente irá produzir  resultados espaciais que respeitem e valorizem a forma mais primordial da mobilidade humana.  E isto deverá ser realizado tanto nos pequenos vilarejos,  como nos grandes centros urbanos.  Jane Jacobs formula uma inspirada descrição do balé urbano  cotidianamente   presenciado  nas cidades:
Sob a aparente desordem da cidade tradicional, existe nos lugares onde ela funciona a contento, uma ordem surpreendente que garante a manutenção da segurança e liberdade.  É uma ordem complexa. Sua essência é a complexidade de uso das calçadas, que traz consigo uma sucessão permanente de olhos.  Essa ordem compõe-se de movimento e mudança e, embora se trate de vida e não de arte, podemos chamá-la, na fantasia, de forma artística da cidade e compará-la à dança – não uma dança mecânica, com figurantes erguendo a perna ao mesmo tempo, rodopiando em sincronia, curvando-se juntos, mas um balé complexo, em que cada indivíduo e os grupos têm todos papéis distintos, que por milagre, se reforçam mutuamente e compõem um todo desordenado.
A harmonia espacial requerida para que este balé transcorra  com harmonia no cotidiano urbano é o que vai garantir a presença de vida nas cidades.
Maria Ermelina Brosch Malatesta - Arquiteta formada na Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Presbiteriana Mackenzie, mestrado em Transporte a Pé na FAUUSP e doutorado em Transporte Cicloviário pela FAUUSP. Trabalhou 35 anos na CET SP onde coordenou o Departamento de Circulação e Acessibilidade de Pedestres e o Departamento de Planejamento Cicloviário.  Atualmente consultora em Mobilidade Não Motorizada. E-mail: meli.malatesta@uol.com.br
(*) - Nota do editor: o trabalho atribuido ao IPEA foi, na verdade,
contratado pelo Instituto e desenvolvido pela ANTP
BIBLIOGRAFIA
·         Malatesta, Maria Ermelina Brosch.  "Andar a pé: um modo de transporte para a Cidade de São Paulo”. 256 f.  Março 2008. Dissertação (Mestrado em Arquitetura e Urbanismo) – Área de Paisagem e Ambiente da Faculdade de Arquitetura da Universidade de São Paulo, São Paulo, 2010.
·         Rogers, Richard.  "Cidades para um pequeno planeta”. Editorial Gustavo Gilli. Barcelona .2005. 1ª edição. 158 f.
·         Bradshaw, Chris. "Walkability: a reviewofexistingpedestrianíndices”.  www.freelibrary.com 1993.  Acesso em 20/05/2013 .
·         Gold, Philip Anthony. "Quedas de pedestres no trânsito urbano: um assunto ignorado”. Texto distribuído no seminário Internacional Andar a Pé nas Cidades .  21/09/2012. São Paulo. www.cetsp.com.br. Acesso em 18/03/2013.
·         IPEA, Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada, "Impactos Sociais e Econômicos dos Acidentes de Trânsito nas Aglomerações Urbanas – Síntese da Pesquisa. Brasília. Maio de 1993. 21 f. Acesso em 08/04/2013.
·         Folha de São Paulo.  "Fisioterapia custa  R$ 93,7  milhões a SP”. Caderno Equilíbrio. 28/09/2003. Acesso em 01/05/2013.
·         Ghidini, Roberto, Vice Presidente Técnico-Científico da SociedadPeatonal. "A caminhabilidade: medida urbana sustentável”. 2011.Revista dos Transportes Públicos nº 127 – ANTP. São Paulo. 1º quadrimestre. 2011. Acesso em 28/05/2013.
·         SEHAB / PMSP . "Guia para Mobilidade Acessível em Vias Públicas”. Partezzani, Gustavo. 2003. www.prefeitura.sp.gov.br  . Acesso em 08/05/2013.
·         PMSP / Legislação Municipal. "Lei Municipal 10.508/88 . 1988. www.prefeitura.sp.gov.br . Acesso em 08/05/2013.
·         Jacobs, Jane. "Vida e Morte de Grandes Cidades” Livraria e Editora Martins Fontes. 1960. 10ª edição.  2000. 286 f.


São Paulo paga R$ 369 milhões ao ano por saídas de ônibus não realizadas




A Prefeitura de São Paulo paga R$ 369,3 milhões ao ano por partidas de ônibus e vans não realizadas. Auditoria da Ernst&Young no sistema de remuneração do transporte mostra que 10,5% das saídas diárias não são cumpridas. Segundo o relatório, o Município cobre "vantagens indevidas” da ordem de mais de R$ 1 milhão diariamente para empresas e cooperativas. O desrespeito às partidas programadas ainda pode levar à superlotação e à lentidão.
Nesta quinta-feira, 4, a Prefeitura, que contratou no ano passado a verificação externa, publica no site da São Paulo Transporte (SPTrans) a segunda leva de informações analisadas. Os auditores concluíram que o descumprimento das partidas levaria a uma redução mensal dos custos fixos das empresas e cooperativas de R$ 30.779.467, trazendo potenciais ganhos financeiros.
Os dados foram coletados ao longo de uma semana do ano passado em que não houve problemas climáticos, como chuvas e inundações, manifestações de rua, feriados ou fatores que poderiam influenciar na tabulação. Diante dos resultados, os auditores fizeram sugestões para garantir o serviço.
No futuro, a Prefeitura pode adotar uma forma eletrônica de medição das saídas. As viagens, por contrato, precisam seguir uma quantidade por hora. Além disso, deve ser criado um sistema de bonificação e punição para a verificação dos intervalos entre as partidas, como já é adotado em Londres, com impactos positivos para os usuários.
Atualmente, a fiscalização é feita in loco pelos agentes da SPTrans, o que dificulta a constatação de eventuais descumprimentos contratuais. Questionada à noite, a empresa informou que não tinha o número médio de partidas e acrescentou que 10 milhões de embarques são realizados diariamente.
Apuração. A Ernst&Young avaliou também o cumprimento de 37 itens previstos em contrato dentro dos ônibus e constatou que 20,9% desses requerimentos não foram respeitados. Os auditores notaram, por exemplo, que praticamente nenhum coletivo tinha microcâmeras de monitoramento. Já os triângulos de segurança para acidentes não estavam posicionados de forma acessível aos motoristas em metade da frota.
Nas garagens das empresas e cooperativas vistoriadas, 8% dos itens que os prestadores devem obedecer foram desrespeitados. Os auditores constataram também que 108 coletivos que rodaram entre 2008 e 2013 tinham mais de dez anos de uso, o que é irregular, conforme contrato firmado com a Secretaria Municipal dos Transportes.
Outro ponto criticado pelos auditores é o parcelamento das multas aplicadas aos prestadores por descumprimento de diretrizes contratuais. Essa prática pode dar margem à "discricionariedade” na cobrança, o que não é desejável. Para haver fracionamento das multas, tanto o diretor de Cobrança da SPTrans quanto o secretário dos Transportes precisam dar aval. A SPTrans planeja criar uma empresa reguladora para administrar as contas do sistema, separando gestão e remuneração.
Em relação à frota acessível (para pessoas com mobilidade reduzida) e à certificação ambiental dos veículos, a auditoria não apontou irregularidades.

SPTrans falha na fiscalização e na punição
Outro aspecto criticado pela auditoria é a maneira como se realiza a anotação das infrações: de forma manual
Os auditores da Ernst & Young também apuraram a maneira como a SPTrans fiscaliza e pune as empresas e cooperativas de ônibus por falhas na prestação do serviço. Os técnicos notaram, em um universo de 25 multas aplicadas, que elas levaram seis meses até serem pagas.
Outro aspecto criticado pela auditoria é a maneira como se realiza a anotação das infrações: de forma manual. O processo de digitalização, da emissão dos autos de infração e da avaliação dos recursos impetrados pelos prestadores punidos é demorado e pode levar a erros e perdas, concluíram os auditores. Eles ainda observaram que 10% das multas aplicadas no período avaliado foram canceladas. Isso em virtude de erros ou rasuras no preenchimento.
A Ernst & Young indica ainda que os sistemas de bilhetagem eletrônica, monitoramento e gestão das informações do sistema têm falhas. Isso inclui a documentação, na estrutura organizacional e no controle da rede e dos usuários. Dessa forma, há riscos de perda de dados e conhecimentos. A auditoria sugere mais investimentos em infraestrutura e no aprimoramento da gestão dos processos.
Sobre o Índice de Qualidade do Transporte (IQT), criado em 2009 pela SPTrans, que avalia dez quesitos, como acidentes e reclamações dos usuários, os auditores criticaram a falta de punição e de premiação pelo cumprimento das metas.
Redesenho. De posse da auditoria, a gestão Fernando Haddad (PT) vai redesenhar o modelo de contrato com as empresas e cooperativas. A nova licitação bilionária para o serviço será publicada no primeiro semestre de 2015. A expectativa é de que as considerações finais sejam entregues na semana que vem. E também deem base à análise de um aumento na tarifa de ônibus - prefeitos petistas da Grande São Paulo já chegaram a sugerir uma tarifa única, entre R$ 3,40 e R$ 3,50.
O Estado de SP