terça-feira, 13 de setembro de 2016

O 'Uber do Ônibus' e a realidade brasileira

27/08/2016  - Adamo Bazani


Independentemente de polêmicas e até de diferentes interpretações jurídicas, os sistemas de solicitação de viagens por aplicativos, nos moldes do Uber, significam uma nova realidade e até uma transformação do comportamento dos prestadores de serviços e dos passageiros.
Um exemplo são os táxis de São Paulo, que hoje já oferecem descontos antes não existentes e têm buscado melhorar os serviços. Houve até mesmo uma unificação nos valores das corridas entre as categorias diferentes de táxis, além da eliminação do custo adicional de 50% em viagens intermunicipais partindo da capital paulista.
Mas será que os sistemas como do Uber são soluções para mobilidade urbana?
De acordo com pesquisadores, não!.
Do ponto de vista de uso do espaço urbano e poluição, o compartilhamento de carros particulares pode ser danoso para cidades sem sistemas de alta e média capacidade, como metrô, trem e corredores de ônibus BRT.
É o caso ainda da maior parte das cidades brasileiras. Até mesmo aquelas que possuem redes de trilhos e de ônibus em corredores oferecem os serviços de forma insuficiente.
Um estudo do pesquisadores José Viegas e Luiz Martinez, de Portugal, traz uma discussão, no mínimo, instigante.
Os resultados foram divulgados pelo Internacional Transport Forum - ITF, braço de transportes da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico OCDE.
José Viegas é presidente do ITF.
Os pesquisadores afirmaram, com base em simulações, que um dos cenários ideais seria oferecer sistema de viagens por aplicativos com veículos de transportes coletivos, chamado de “Uber do Ônibus”.
Os veículos compartilhados em vez de serem carros de passeio, como é o Uber, seriam vans ou micro-ônibus com capacidade mínima de 8 passageiros e máxima de 16 pessoas.
José Viegas e Luiz Martinez então tomaram como base a realidade de Lisboa. Eles simularam as 1,1 milhão de viagens, que são realizadas por dia na capital portuguesa, com 550 mil habitantes: 50% dessas viagens hoje são feitas em carros, motos e táxis, 21% a pé e apenas 29% com transporte público.
Com a eliminação de carros particulares nas viagens cotidianas, o custo de deslocamento para cada motorista cairia dos 10 euros semanais atuais para 3,9 euros. Em outro cenário, se a cidade reduzisse em 40% as viagens com os carros particulares, os custos de deslocamentos cairiam 55%.
As viagens do “Uber do Ônibus” seriam acionadas por aplicativos. Assim não haveria mais um índice grande de quilometragem morta, quando o ônibus se desloca vazio ainda sem operação comercial, e a demanda para determinado trajeto estaria garantida, o que deixaria viável a viagem.
Mas para que o modelo viesse a tomar forma, o sistema de transportes públicos deveria ser reforçado.
Na simulação, a malha de trens e metrô, no caso de Lisboa, continuaria a mesma. No entanto, o número de táxis comuns deveria ser dobrado e o de ônibus aumentado em seis vezes.
Segundo José Viegas, é importante que os governantes estudem novas soluções de oferta de transportes, já que o aumento dos custos dos deslocamentos e a necessidade de subsídios aos sistemas de mobilidade têm causado impactos nos cofres públicos, retirando dinheiro que poderia ir para outras áreas como saúde, segurança e educação.
E A REALIDADE BRASILEIRA?
Mas vale ressaltar que a simulação serve apenas para estudar novos cenários e alternativas para reduzir o total de frota de veículos particulares nas vias.
É consenso que soluções mais adequadas para os deslocamentos nas cidades passam por mais investimentos em transporte coletivo de qualidade, com maior capacidade, como redes de metrô e corredores de ônibus estruturados, e também pela mudança do perfil de ocupação das áreas urbanas, evitando ao máximo que as pessoas tenham de fazer longos deslocamentos para terem acesso à educação e ao emprego, por exemplo. Nesse aspecto, a distribuição da oferta de serviços é considerada essencial.
Além disso, há a questão social do transporte coletivo, hoje operado pelas empresas de ônibus e pelas companhias de trens e metrô.
O “Uber do Ônibus” para realidade brasileira não atenderia as áreas mais afastadas e às pessoas que não têm acesso ou que não têm renda para bancar um sistema de transportes por aplicativos.
O sistema de transportes coletivos, na maior parte das cidades, tem uma característica de subsídio cruzado, ou seja, uma linha mais lucrativa, com maior demanda dentro de uma concessão a uma mesma empresa operadora, acaba bancando o “prejuízo “de linhas do ponto de vista econômico mais deficitárias, no entanto, importantes do ponto de vista social. Este papel os sistemas por aplicativos, sejam coletivos ou individuais, não cumprem.
Outro exemplo, só que no transporte metroferroviário é a CPTM – Companhia Paulista de Trens Metropolitanos, em São Paulo. Em linhas gerais, a CPTM “dá prejuízo”, mas a empresa assume integrações e atende áreas afastadas da Grande São Paulo ligando os moradores dessas regiões até os locais onde há efetivamente ofertas de emprego e serviços.
 A CPTM depende de subsídios governamentais, mas é impossível hoje pensar a região metropolitana sem seus serviços.
De igual modo, os ônibus precisam de subsídios por causa das linhas menos lucrativas e também de gratuidades, impensadas em sistemas como do Uber (mesmo o coletivo), mas com papel social importante.
E nesse aspecto que é importante analisar a proposta do “Uber do Ônibus” numa realidade brasileira.
Se ao mesmo tempo os pesquisadores dizem que os subsídios com os transportes pelo “Uber do Ônibus” poderiam ser reduzidos, também pode haver uma espécie de sucateamento econômico no sistema de transporte público que atende aqueles que não têm condições financeiras para transportes por aplicativos. Aí seria necessário mais subsídio direto dos cofres públicos ou queda (ainda maior) da qualidade. O efeito seria assim contrário ao proposto pelos pesquisadores.
Isso porque, a lógica hoje do sistema de transporte público se baseia também no subsídio cruzado.
Se o passageiro hoje pagante do transporte público migrar para uma espécie de” Uber do Ônibus” ficará para a rede de transporte coletivo apenas o passageiro que não tem condições de pagar, o que causaria um colapso para o sistema.
A não ser que os serviços por aplicativos bancassem os transportes públicos, mas isso implicaria no aumento do valor das viagens, deixando assim os aplicativos menos interessantes e não estimulando quem tem carro a deixar o veículo em casa.
Outra alternativa seria o operador do transporte público também operar o “Uber do Ônibus”, mas a cidade perderia em eficiência. Seria melhor estimular este operador atender bem com um ônibus superarticulado com 160 passageiros do que 10 vans com 16 passageiros.
A questão é complexa, novas ideias são bem-vindas, mas tudo tem de ser analisado com o pé no chão.
Adamo Bazani, jornalista especializado em transportes