A hora da verdade
Nas eleições deste ano, o tema mobilidade urbana fez parte
das propostas de governo de todos os candidatos, sendo tema recorrente em palanques
e peças da propaganda eleitoral. Prometeu-se muito mais do que é possível
fazer, o que é até natural em tais circunstâncias: cada um queria se mostrar o
melhor candidato ante os olhos do eleitor e sagrar-se vencedor do pleito.
Ocorre que, quando chega a hora de enfrentar a realidade,
cai a ficha de que, nem sempre, o ideal prometido é passível de implantação no
mundo real. Isso porque, depois de 20 anos praticamente sem investimentos
federais na área de mobilidade urbana, existem hoje problemas de difícil
solução no curto prazo, tais como carência de infraestrutura, falta de
capacitação técnica e inexistência de projetos estruturantes. Logo, não existem
soluções milagrosas que possam ser implementadas e que apresentem resultados de
uma hora para outra, sem o devido planejamento, elaboração de projetos,
capacitação de pessoal, obras de infraestrutura e a estruturação dos órgãos de
gerência.
Lamentavelmente, alguns prefeitos recém-eleitos, apenas com
uma visão midiática e populista, estão prometendo adotar algumas medidas de
curto prazo que não vão produzir qualquer melhoria no item mobilidade urbana,
mas que podem comprometer o já combalido serviço de transporte coletivo. Um
exemplo é a implantação do bilhete único, tomando como referência o modelo de
São Paulo, onde, durante duas ou três horas, o passageiro pode fazer quantos
deslocamentos forem possíveis, pagando uma única tarifa. Outra promessa
refere-se à diminuição no valor das tarifas aos domingos e feriados, além da
ampliação do benefício da gratuidade. Ora, essas propostas têm como efeito
imediato apenas a redução na receita do sistema de transporte, uma vez que
comprovadamente não ampliam o número de passageiros, nem produzem qualquer
melhoria no trânsito das cidades.
Sem assumir que essas medidas obrigam o poder público a
subsidiar o déficit decorrente dos benefícios, os prefeitos escondem o jogo da
população. Em São Paulo, é bom que se diga, a prefeitura já gasta cerca de R$ 1
bilhão por ano para cobrir os custos dessas benesses, além de ser a cidade com
a tarifa mais alta do país.
O que as administrações municipais precisam é adotar medidas
urgentes para incentivar o uso do transporte não motorizado, recuperar os
passeios e calçadas para melhorar os deslocamentos a pé, implantar redes cicloviárias,
criar corredores de ônibus com faixas e vias exclusivas, instalar câmeras e
outras tecnologias de fiscalização e controle para melhorar a fluidez do
trânsito, bem comoconstruir (ou recuperar) terminais de integração dotados de
conforto, funcionalidade e segurança. Ou seja, investir na mobilidade de quem
anda a pé, de bicicleta ou no transporte público, além de possibilitar a
atração de quem usa o transporte individual, pois quando o transporte coletivo
é eficiente, passa a ser usado por todos. Aliás, é o que ocorre nos países
desenvolvidos que há muito apostaram nesse caminho e já acontece em algumas
cidades brasileiras, como Curitiba, São Paulo e Rio de Janeiro.
Essa realidade tem que ser encarada com determinação e
responsabilidade pelos novos gestores municipais para que a população não seja
enganada com falsas promessas. Se existe vontade política, existem soluções,
mas não se deve sonhar com intervenções milagrosas.
Carlos Batinga Chaves -
Engº Civil especialista em transportes e membro do conselho da ANTP
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